Bolsonaro articula apoios para avançar com agenda econômica
Até o momento, Bolsonaro já escolheu 13 ministros contando, em parte deles, com a indicação ou respaldo de quatro frentes parlamentares
O presidente eleito Jair Bolsonaro decidiu abrir mão, ao menos por ora, de um apoio formal de partidos e começou a fechar a composição do seu ministério atendendo a um inédito apoio temático de frentes parlamentares para garantir uma base no Congresso capaz de aprovar promessas de campanha, inclusive a agenda econômica que tem a reforma da Previdência como carro-chefe, uma articulação cujo sucesso é visto com ceticismo por lideranças partidárias ouvidas pela Reuters.
Até o momento, Bolsonaro já escolheu 13 ministros contando, em parte deles, com a indicação ou respaldo de quatro importantes frentes parlamentares: a da agricultura, da segurança pública (popularmente chamada da bala), dos evangélicos e da saúde.
É com base nessa fórmula de governabilidade --que se vale principalmente do apoio suprapartidário de parlamentares-- que a equipe acredita que vai garantir ao menos 308 votos para fazer uma mudança na Constituição que mexa em regras de aposentadoria e pagamento de pensões no país, liderada pelo futuro superministro da Economia, Paulo Guedes.
"Já dialogamos com seis partidos nas últimas semanas para mostrar como será interlocução com Congresso. Vai ser feito por bancadas por frentes, por regiões", disse o coordenador da equipe de transição e futuro chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, em entrevista na quinta-feira em Brasília, dando o tom das negociações, e sem citar os dirigentes das legendas como alvo das conversas.
A aposta do futuro governo é que contará com o respaldo das bancadas, aliada à renovação das urnas em outubro, para avançar na agenda econômica em 2019. Nesta semana, a frente evangélica demonstrou sua força com o futuro governo ao vetar a eventual escolha do diretor do Instituto Ayrton Senna Mozart Ramos para o cargo de ministro da Educação por ser considerado sem afinidade ideológica com a nova gestão, disse uma fonte envolvida nas negociações.
O grupo chegou a apresentar o nome do procurador regional da República Guilherme Schelb ao cargo, mas Bolsonaro preferiu optar pelo professor emérito da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército Ricardo Vélez Rodríguez, escolhido na quinta-feira.
"De 0 a 100, 100 para a escolha do Ricardo", disse o presidente da Frente Evangélica, deputado Takayama (PSC-PR), para quem o novo ministro não vai sofrer as resistências que Schelb passaria por não ser da área da educação.
"Não o conheço, mas são pessoas que estão identificadas com a nossa ideologia. Nós temos que torcer no mundo cristão, rezar para ele dar certo, o fracasso dele é de toda uma mudança ideológica", completou.
Takayama afirmou que não há "moeda de troca" para o apoio da frente evangélica a uma eventual reforma da Previdência o fato de Bolsonaro nomear um ministro com afinidade ideológica para a Educação. Mas ele disse que há "vinculação de propósito" em apoiar o futuro governo nessa reforma porque uma derrota dessa agenda poderá significar um retorno de uma gestão petista.
"A reforma vai ser amplamente discutida no plenário, mas nós sabemos que o fracasso dessa reforma será o fracasso econômico Bolsonaro", disse ele, ao admitir que não é fácil votar a Previdência porque é um assunto não simpático ao povo.
Mesmo antes de tomar posse, o presidente eleito já passou por dois sobressaltos na negociação com o Congresso num sinal das dificuldades que pode enfrentar no próximo ano. Uma delas foi a aprovação de um reajuste de 16,38 por cento dos salários dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) pouco depois do próprio Bolsonaro ter dito que não era momento. Outro foi não ter conseguido avançar ainda este ano na votação da proposta de reforma da Previdência do governo Michel Temer que está parada na Câmara.
INEXPERIÊNCIA E ALERTA
Um importante dirigente partidário, que conversou com a Reuters sob a condição do anonimato, destacou que Bolsonaro está levando adiante o seu discurso político-eleitoral, de deixar de conversar com partidos e lideranças para tratar com grupos parlamentares, mas que, ao contrário do discurso do presidente eleito, ele tem dado cargos a esses grupos em troca de apoio político.
A ressalva dessa fonte --a quem Bolsonaro ainda não procurou para conversar-- é que essas frentes parlamentares têm interesse de votar apenas projetos relativos a esses grupos, o que não significa um apoio automático à agenda de reformas.
"Não tem bancada ou frente da Previdência. Ele (Bolsonaro) vai se deparar com o mundo real", disse esse dirigente, ao lembrar que um partido tem como pressionar ou até mesmo obrigar um parlamentar a apoiar determinada proposta sob pena de ser punido --o chamado fechamento de questão. Esse tipo de prerrogativa uma frente parlamentar não detém, citou.
Fontes disseram ainda à Reuters que o futuro chefe da Casa Civil não têm experiência comprovada para essa função -- deputados eleitos pelo próprio partido do Bolsonaro, o PSL, reuniram-se na quarta-feira e chegaram a demonstrar descontentamento com a falta de acesso a Onyx.
Em outra linha, dizem fontes, mesmo Paulo Guedes, apesar da elogiada equipe que tem montado, não tem vivência da burocracia e da política de Brasília. Parlamentares reagiram à fala dele de dar uma "prensa" no Congresso para aprovar a reforma da Previdência do governo Temer.
Um deputado simpático a Bolsonaro disse reservadamente à Reuters que, embora aquela relação de trocar ministérios por votos no Congresso não vá mais existir, o presidente eleito terá de ter alguém para conversar com os partidos em cima de uma futura reforma da Previdência.
"Se ele (Bolsonaro) retomar aquele toma lá, dá cá que se tinha, a população que o elegeu vai cobrar", disse, ao completar em tom de alerta. "Mas não acho que vai dar para não conversar com os partidos. Eu não acho saudável esse desdém aos partidos. Sem os partidos não se consegue fazer tudo."
O presidente de um dos poucos partidos a anunciar apoio a Bolsonaro a partir do segundo turno, Roberto Jefferson, do PTB, disse à Reuters que se deve dar um "voto de confiança" à nova gestão e que o povo quer uma mudança de costumes na forma de governar, um apoio independente do tradicional "toma lá, dá cá".
Para Jefferson, os partidos sabem que, sem a aprovação da reforma da Previdência, a economia do país vai desandar. "Vamos testar, não sei (se vai dar certo). Pode ter um governo de coalizão sem fisiologismo", disse ele, para quem Paulo Guedes -- mesmo não tendo vivência de Brasília-- é um "quadro técnico altamente qualificado" e que "pega logo" a forma da burocracia funcionar.
O presidente do PTB --que ainda não conversou com Bolsonaro ou nenhum integrante do governo de transição até o momento-- chamou de "inusitada" a anunciada forma de governança que prescinde do tratamento com as cúpulas partidárias.
"A forma é inusitada, vamos ver se dá certo", concluiu.