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Em posts e projetos de lei: pelo que lutava Marielle Franco, vereadora assassinada no Rio

Na internet e na Câmara do Rio, vereadora do PSOL não apenas criticava os abusos da polícia, como também defendia a visibilidade lésbica, o acesso à educação e à saúde de qualidade; no Twitter, Marielle explicou porque concentrava os ataques contra a violência policial e miliciana, mas não criticava traficantes.

15 mar 2018 - 18h22
(atualizado às 18h54)
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Foto: Renan Olaz/CMRJ
Foto: Renan Olaz/CMRJ
Foto: BBC News Brasil

Morta com quatro tiros na cabeça nesta quarta-feira, a vereadora do PSOL Marielle Franco, de 38 anos, expunha nas redes sociais sua luta contra o racismo e a violência, em especial contra jovens e mulheres.

Crítica da intervenção militar no Rio de Janeiro, denunciava os abusos da polícia. Um dia antes de ser assassinada, a vereadora questionou ações da PM.

Nascida e criada na Maré, Marielle também defendia a visibilidade lésbica - tema que lhe motivou a apresentar um projeto de lei na Câmara do Rio -, o acesso à educação e à saúde de qualidade.

No Twitter, Marielle explicou porque concentrava seus ataques contra a violência policial e miliciana, mas não criticava traficantes. "Do tráfico não se cobra a lei e o respeito. Eu cobro essa postura é do Estado". E ainda insinuou, em setembro do ano passado, que havia traficantes em apartamentos de luxo em Brasília e no Leblon.

Também mostrou indignação pelo fato de um tiroteio na Zona Sul do Rio que durou três horas ter tido mais destaque na mídia que seis meses de confrontos diários entre polícia e traficantes na Rocinha. "Onde mora sua comoção?", questionou.

https://twitter.com/mariellefranco/status/856604771372945408

https://twitter.com/mariellefranco/status/911303255480782848

Tragédia pessoal

A própria Marielle revelou que foi uma tragédia pessoal que a transformou em ativista social.

'Iniciei minha militância em direitos humanos após ingressar no pré-vestibular comunitário e perder uma amiga, vítima de bala perdida, num tiroteio entre policiais e traficantes no Complexo da Maré', disse, num texto em primeira pessoa em sua página na internet.

Nascida e criada na Maré, Marielle se formou em Ciências Sociais pela PUC-Rio, onde foi bolsista, e fez mestrado em Administração Pública pela Universidade Federal Fluminense. Em 2006, fez campanha para Marcelo Freixo, que disputou e ganhou uma vaga na Assembleia Legislativa do Rio como representante do PSOL.

O amigo Pedro Strozenberg, que conheceu Marielle nessa campanha e depois trabalhou junto com ela no gabinete de Freixo, conta que, na Assembleia, ela cuidava da agenda de temas ligados à questões raciais, de mulher e favelas. "Ela sempre esteve envolvida e dedicada à defesa e garantia dos direitos humanos", diz.

Marielle foi da equipe de Marcelo Freixo antes de se lançar candidata | Foto: Facebook/Marielle Franco
Marielle foi da equipe de Marcelo Freixo antes de se lançar candidata | Foto: Facebook/Marielle Franco
Foto: BBC News Brasil

Atrevimento

Mas para Strozenberg, concorrer a um cargo eletivo não era um caminho necessariamente natural para Marielle, apesar de toda a militância e empenho com as causas sociais. Ele diz que uma das principais características da vereadora sempre foi o "atrevimento".

"(Ser vereadora) não era um desejo natural. Foi um ato corajoso. Um atrevimento. Ela sempre foi em busca de lugares não tradicionais", avalia o amigo.

Eleita vereadora em 2016, ela continuou defendendo os direitos das mulheres, combatendo o preconceito e a violência na Câmara do Rio. Mas também diversificou a pauta.

"Muitos se ressentiram que a Marielle mudou. Mas, para mim, ela desabrochou e passou a defender temas distintos de forma exuberante", diz o amigo, ponderando que ela nunca deixou de reafirmar que era "uma pessoa da favela, homossexual e que passou a vida rompendo barreiras invisíveis".

Um mês e meio depois de assumir o cargo de vereadora, ela comemorou o primeiro projeto de lei que apresentou na Câmara de Vereadores do Rio. A proposta prevê tratamento humanizado para as mulheres que conquistam na Justiça o direito de abortar. "Mais da metade das mulheres que tentam fazer o aborto legal não conseguem. Só UMA maternidade atende no Rio. E mts médicos se negam (sic)", escreveu.

Na Câmara do Rio, continuou defendendo as mulheres, mas diversificou a pauta de atuação | Foto: Renan Olaz/CMRJ
Na Câmara do Rio, continuou defendendo as mulheres, mas diversificou a pauta de atuação | Foto: Renan Olaz/CMRJ
Foto: BBC News Brasil

Dos 16 projetos de lei que apresentou, oito eram individuais e a outra metade assinou com colegas da Câmara do Rio.

Um deles, que apresentou sozinha, propunha instituir o "dia da luta contra a homofobia, lesbofobia, bifobia e transfobia" no calendário do Rio e o "dia da visibilidade lésbica". Também propôs incluir o "dia da mulher negra".

Uma outra proposta da vereadora previa incluir cartazes em lugares visíveis nos serviços públicos de atendimento às mulheres, informando dos direitos das vítimas de violência sexual.

Junto com colegas, ampliou a área de atuação, propondo, entre outras leis, a que cria o programa de desenvolvimento da cultura do funk tradicional carioca e garante assistência técnica gratuita para projeto e construção de habitação para famílias de baixa renda.

No Twitter, ela se colocou contra o aumento do IPTU no Rio e também comemorou o dia em que a Câmara conseguiu barrar a aprovação do projeto de lei para armar a Guarda Municipal. "Bala de borracha, bombas de gás e efeito moral, armas de choque podem sim ser letais!", escreveu no Twitter

https://twitter.com/mariellefranco/status/872214345278738433

Dois dos projetos que assinou em conjunto com colegas de plenário foram aprovados e se tornaram lei: um sobre a regulação de mototaxis, importante meio de transporte em favelas, e outro sobre contratos da prefeitura com organizações sociais de saúde, alvos frequentes de investigações sobre corrupção.

Marielle era presidente da Comissão Permanente de Defesa da Mulher e, em fevereiro, foi escalada para representar a Câmara do Rio em Brasília, para acompanhar a Intervenção Federal na Segurança Pública no Estado fluminense.

'Seu vitimismo incomoda'

Marielle não estava imune a críticas. Nas redes sociais, foi chamada de "vitimista" depois que relatou no Twitter ter passado por uma revista no aeroporto de Brasília em fevereiro do ano passado.

"Sim, meu black incomoda, minha negritude incomoda", escreveu.

"Não quer ser revistada no aeroporto? Viaja de ônibus!!", respondeu um usuário ao comentário da vereadora.

| Foto: Reprodução/Twitter
| Foto: Reprodução/Twitter
Foto: BBC News Brasil

Marielle foi assassinada na noite de quarta-feira, depois que saiu de um evento na Lapa, no Rio.

A vereadora saia de um debate quando um carro emparelhou o veículo onde ela, a assessora e o motorista estavam. Dispararam pelo menos nove vezes. Marielle foi atingida com pelo menos quatro tiros na cabeça.

Os criminosos fugiram sem levar nada. Além da vereadora, o motorista do veículo, Anderson Pedro Gomes, também foi baleado e morreu. A assessora de Marielle, que foi atingida por estilhaços, teve ferimentos leves.

https://twitter.com/mariellefranco/status/874373166994513921

A polícia trabalha com a hipótese de execução e suspeita que os assassinos seguiram o carro de Marielle por 4 km antes de dispararem e matarem o motorista e a vereadora.

Para os amigos mais próximos, a história de Marielle sempre esteve repleta de perdas e de rupturas. Acreditavam, contudo, que a trajetória da garota nascida na Maré, um dos mais violentos complexos de favela do Rio, tinha rompido um roteiro quase pré-estabelecido de violência e morte.

A morte da vereadora gerou uma onda de manifestações marcadas em diferentes cidades do país. No Rio, o corpo de Marielle e do motorista chegaram à Câmara sob aplausos de uma multidão.

Em ato na Câmara Federal, em Brasília, deputados cobram agilidade na apuração do assassinato de vereadora do PSOL.

Multidão reage com protesto à morte de vereadora no Rio:
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