Em quatro pontos: o que está em jogo para Temer na cúpula do G20?
Começa neste domingo a 11ª cúpula do G20 - grupo das maiores economias do mundo - e também o primeiro evento internacional de Michel Temer como presidente da República.
O encontro dos principais líderes globais - que ocorrerá por dois dias em Hangzhou, na China - acabou servindo como palco ideal para o peemedebista buscar reforçar sua autoridade no Brasil e no exterior e abafar os protestos contra a cassação de Dilma Rousseff.
Confira abaixo, em quatro pontos, o que o encontro do G20 representa para o novo governo brasileiro.
1. Apresentação internacional
Temer usará sua intervenção inicial no G20, neste domingo, para apresentar ao mundo a situação da economia brasileira e quais seus planos para o governo, disse à BBC Brasil o subsecretário-geral de Assuntos Econômicos do Itamaraty, embaixador Carlos Márcio Cozendey.
Em seu discurso, ele dará destaque às medidas que pretende adotar para equilibrar as contas públicas e estimular o crescimento. Além disso, deve citar investimentos que o país quer fazer em infraestrutura, por meio de concessões à iniciativa privada.
O tom da apresentação combina com a ênfase que a China, anfitriã do evento, escolheu para essa cúpula - a necessidade de reformas estruturais para estimular o crescimento.
"Quando você tem uma crise econômica (global), obviamente as atenções se voltam para isso. Quando você não tem, como foi o caso desse ano, a agenda fica um pouco mais aberta. Então, o que os chineses buscaram fazer é olhar mais para as medidas de médio e longo prazo", explicou Cozendey.
Ainda muito associada ainda às indústrias mais tradicionais e poluente, a China dará destaque no encontro a temas "modernos", como inovação e economia digital.
Também está programado que Temer falará na abertura da sessão sobre "desenvolvimento inclusivo", na segunda-feira. Ele, porém, pode falar quando quiser nas demais sessões, basta levantar uma "placa" do Brasil. O Itamaraty preparou outros possíveis discursos, caso o presidente queira fazer mais alguma manifestação.
2.Tête-à-tête com os líderes
Além da apresentação formal de seus planos aos líderes das maiores economias do mundo, a cúpula também serve como uma chance de Temer e seus ministros se encontrarem pessoalmente pela primeira vez com autoridades de outros países após a confirmação do novo governo.
"O G20 é uma grande oportunidade para líderes de países que representam 85% da economia mundial trocarem ideias e cada um saber o que o outro está fazendo, para onde o outro vai", comentou Cozendey.
Temer se reuniu na sexta-feira com o presidente chinês, Xi Jinping, e na segunda-feira tem encontros marcados com os primeiros-ministros de Espanha e Itália.
Outros líderes manifestaram interesse em se reunir com Temer, como os do Japão e Arábia Saudita, mas não foi possível conciliar as agendas.
"Sempre que há uma mudança de líder num país, há um interesse dos outros líderes em usar essas ocasiões para ter um primeiro contato, para poder criar esse relacionamento pessoal. Cada vez mais hoje na diplomacia, você tem essa valorização da relação interpessoal dos líderes, e o G20 é obviamente a ocasião por excelência para fazer isso", notou Cozendey.
Neste sábado, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, também teve um encontro com o o secretário do Tesouro americano, Jack Lew. O ministro das Relações Exteriores, José Serra, se reuniu com o chanceler turco.
3. Futuro dos Brics
Aproveitando que estão todos na cúpula do G20, os líderes do Brics - grupo de nações emergentes integrado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul - farão uma "reunião informal" no domingo de manhã. O próximo encontro oficial será em outubro, na Índia.
Será o primeiro contato do presidente Temer com o grupo alavancado no governo de Luiz Inácio Lula da Silva. O petista e sua sucessora buscaram em sua administração aumentar o peso dos países em desenvolvimento na política externa brasileira.
Temer terá a oportunidade tentar afastar a impressão de que seu governo não valoriza tanto os Brics. Em junho, a agência de notícias estatal Xinhua publicou manifestando preocupação com uma possível mudança de foco na política externa do Brasil, em que o grupo deixaria de ser colocado em primeiro plano.
O texto foi assinado pelo diretor do escritório dos serviços em português da Xinhua no Rio de Janeiro, Chen Weihua, e pelo editor internacional da agência em Pequim, Zhao Hui.
"Desde a criação do Bric em 2009 (antes da adesão da África do Sul, em 2010), o Brasil sempre priorizou as relações com os membros do bloco, no âmbito da cooperação Sul-Sul, uma escolha que o governo interino parece não ter intenção de manter", diz o artigo.
"O novo ministro das relações exteriores do Brasil, José Serra, anunciou, logo após o estabelecimento do governo interino, que os focos principais da 'nova política externa' brasileira são, dentro da América Latina, a Argentina e o México, e fora dela, os Estados Unidos e a União Europeia. No caso dos Brics, Serra se limitou a dizer que o Brasil vai se esforçar para aproveitar as 'oportunidades' que o bloco oferece, mas sempre tendo comércio e investimentos mútuos", destacou a o texto.
Quando os Brics surgiram, havia um grande otimismo em relação aos cinco países. No momento, porém, apenas China e Índia têm apresentado crescimento econômico.
4. Legitimidade de fora para dentro
Além de permitir a projeção internacional da nova administração brasileira, o G20 também acaba sendo uma boa ocasião para que Temer reforce internamente a imagem de que seu governo é legítimo e está funcionando com normalidade.
Os encontros com líderes e membros de outros governos servem para indicar que sua autoridade está sendo reconhecida internacionalmente.
Neste sábado, ele conversou com a imprensa brasileira no hotel em que está hospedado em Hangzhou e aproveitou para minimizar a relevância dos protestos que estão ocorrendo no Brasil contra sua posse como presidente. São Paulo, por exemplo, teve quatro dias seguidos de manifestações, com episódios de violência e quebradeira.
"Na verdade, são grupos mínimos, 50, 100 pessoas. Num conjunto de 204 milhões de brasileiros, eu acho que isso é inexpressivo. O que preocupa, isso sim, é que confunde-se o direito à manifestação com direito à depredação", criticou.
No dia anterior, Temer já havia chamado seus opositores de "movimentozinho". Questionado pela BBC Brasil se essas declarações não representavam uma contradição com o fato de sua popularidade ser bastante baixa no momento, o presidente disse ainda haver muito desconhecimento sobre ele e ser preciso esperar os próximos dois anos de seu governo para responder a essa pergunta.
Temer afirmou também que é "natural" a ocorrência de protestos após o impeachment. "O tal do 'Fora Temer' tudo bem, é um movimento democrático, mas a depredação é algo delituoso, e, como todo fato delituoso, deverá sofrer as consequências da normatividade jurídica."