Em um ano na Presidência, Temer nunca visitou a região Norte, nem os Estados da Bahia e Minas
Com popularidade em baixa, presidente tem priorizado articulações em Brasília para manter seu mandato e concentrado compromissos em SP, onde tem residência e tem encontros com lideranças empresariais.
Em pouco mais de um ano de governo, o presidente Michel Temer jamais visitou a região Norte ou qualquer Estado da região Centro-Oeste - exceto o Distrito Federal, onde fica a sede do governo. Como mandatário do país, tampouco pisou em Minas Gerais ou na Bahia, dois dos maiores Estados do Brasil.
Desde que assumiu a Presidência, em 12 de maio de 2016, o presidente tem concentrado a maior parte de seus compromissos em São Paulo, onde, em geral, tem encontros com lideranças do poder econômico do país.
No total, Temer fez 33 viagens pelo Brasil como presidente, metade delas para São Paulo. Também esteve sete vezes no Rio de Janeiro, principalmente para participar de compromissos relacionados às Olimpíadas. Com isso, os deslocamentos para os dois Estados somam 70% das suas viagens nacionais.
Em contraste, do total de viagens de Dilma ao longo dos cinco anos à frente da Presidência (307), pouco mais de um terço (111 ou 36%) foi para municípios paulistas e fluminenses. Por ano, a petista viajou em média 58 vezes. Ela esteve na região Norte do país em todos os anos do seu governo, tendo visitado ao menos uma vez cada um dos sete Estados.
Para o cientista político Fábio Wanderley Reis, professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a agenda de Temer evidencia seu esforço em se articular com a elite econômica do país.
"Ele está governando em situações muito especiais que envolvem claramente a necessidade de apoio do establishment econômico. A linha de orientação do governo pretende se justificar em nome de criar as condições econômicas para que o país possa retomar o desenvolvimento. Acho que isso por si só explica a frequência das viagens a São Paulo, além do fato de ele ter domicílio permanente lá", afirmou.
Em São Paulo, no último ano, Temer teve 13 compromissos com representantes da elite econômica, como duas conferências promovidas por bancos multinacionais (Bank of America Merril Lynch e Credit Suisse); uma premiação, na qual foi homenageado, do grupo Lide e um encontro com a direção da Fiesp.
Má avaliação
Reis ressalta também a baixa popularidade de Temer como outro elemento que desestimula viagens e mais compromissos com outros segmentos da sociedade, que não empresários, investidores ou representantes do agronegócio.
Segundo pesquisa do Instituto Datafolha do final de junho, o governo é avaliado como ótimo ou bom por apenas 7% dos brasileiros, índice que cai para 5% nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.
A preocupação com a segurança e o isolamento das áreas onde o presidente estará é constante na equipe que acompanha Temer. Gradis e cercados costumam ser montados em torno dos lugares que sediarão eventos com o peemedebista para evitar que qualquer pessoa não autorizada se aproxime.
"Não há de se esperar que ele seja popularmente bem recebido pelo país a fora. Acho que ele certamente tem interesse em evitar exposição inconveniente", avalia Wanderley Reis.
Questionada sobre a prioridade dada pelo governo aos encontros com empresários em suas viagens, a assessoria do Planalto afirmou que "a participação em fóruns e encontros de investidores é fundamental para a recuperação de investimentos que atendam à principal política do presidente: gerar empregos".
Embora a taxa de desemprego permaneça em nível historicamente alto (13,3% segundo o IBGE), o governo destacou que "os resultados já estão demonstrados com a divulgação dos dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), com saldo líquido de criação de 67.358 postos de trabalho com carteira assinada de janeiro a junho, primeiro saldo positivo desde 2014".
Sobre a ausência de Temer em outros Estados do país regiões do país, sua assessoria disse que "esses empresários e investidores (que Temer encontra em São Paulo) também possuem empresas e investimentos nas demais regiões do país - Norte, especialmente Zona Franca de Manaus, Centro-Oeste, Nordeste e Sul".
Crise política
Outro fator que explica a baixa circulação de Temer pelo país é a crise política e sua dedicação para articular apoio no Congresso Nacional. Nas últimas semanas, a agenda do presidente tem se voltado especialmente para encontros com deputados em Brasília, com objetivo de garantir os votos necessários para barrar a denúncia por corrupção passiva apresentada contra o presidente pelo Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, com base na delação do grupo JBS.
Desde abril, portanto antes do estouro da crise da JBS em maio, Temer não realiza viagens a outras cidades do país. Seu próximo compromisso está previsto para 25 de julho, quando deverá lançar o programa Cartão Reforma (subsídios para obras em moradias mais pobres) ao lado do ministro das Cidades, Bruno Araújo (PSDB), em Caruaru, Pernambuco.
"Eu acho que nas preocupações do presidente Temer, a Amazônia não existe. Aliás, o Brasil não existe. Ele não tem tempo que não seja para se defender dos processos", afirma o senador pelo Estado do Amapá João Capiberibe (PSB), ao ser questionado sobre a ausência de Temer na região Norte.
Para Adriana Ramos, coordenadora de Política e Direito do Instituto Socioambiental (ISA), o fato de Temer nunca ter visitado a região Norte do país pode estar relacionado à representação menor que esses Estados têm na Câmara dos Deputados.
"Hoje o foco dele é angariar apoio de parlamentares", resume.
Por outro lado, ela vê acenos à numerosa bancada ruralista no Congresso. Um deles seria o recente envio de um projeto de lei que prevê a redução da Floresta Nacional (Flona) do Jamanxim, no Pará, em 349.046 hectares. A mata será convertida em Área de Proteção Ambiental (APA), o nível menos protegido de devastação dentre os tipos de unidade de conservação.
Além disso, Temer sancionou na última semana uma nova lei aprovada no Parlamento para regularizar terras públicas ocupadas ilegalmente por fazendeiros na Amazônia, o que ficou conhecido como "MP da grilagem". Segundo cálculo da ONG Imazon citado pelo jornal Folha de S.Paulo, a medida pode representar uma perda de pelo menos R$ 19 bilhões de patrimônio público.
"O fato de ele não visitar a região não quer dizer que ele não esteja promovendo ações que impactam a região. Essas ações têm sido majoritariamente contra o que seria esperado na perspectiva de sustentabilidade, de combate ao desmatamento e de fortalecimento da conservação", criticou Ramos.
Ações
Já o deputado federal do Pará José Priante (PMDB) defende Temer e diz que sua ausência no Norte do país não representa descaso com esses Estados. Ele afirma que "houve várias ações dirigidas ao Norte" neste governo, como a renegociação de dívidas de produtores rurais e o anúncio de investimentos no Arco Norte (R$ 2,2 bilhões para recuperação de estradas para escoamento de safra por portos da região).
"Eu acho que pior que a ausência física do presidente seria a ausência das ações governamentais, o que não é o caso. Eu prefiro que o governo esteja presente. Não vejo como um problema (o fato de Temer nunca ter ido ao Norte), nem como descaso."
Já o governo afirmou à BBC Brasil, por meio da assessoria, que as mudanças no limite da Flona do Jamanxin visam reduzir conflitos de terra na área.
"Sobre preservação ambiental na Amazônia, a região da Flona do Jamanxim tem sido palco de recorrentes conflitos desde a criação desta unidade de conservação, sendo imperioso o enfrentamento deste problema com ações objetivas do Estado brasileiro", diz a nota.
Sem especificar que outras medidas têm adotado para aumentar a preservação ambiental, a resposta também diz que esse projeto de lei "faz parte de um conjunto de ações já em desenvolvimento que buscam estancar o desmatamento na região, diminuir os conflitos e promover o uso sustentável dos recursos florestais".
Entre agosto de 2015 e julho de 2016, a Amazônia registou o maior índice de desmatamento desde 2008.