EUA: após anúncio de Obama, brasileiro sonha reencontrar mãe
Com um olho no celular, em meio à troca de mensagens com seu advogado, e outro na TV, J Netto tentava compreender os desdobramentos do discurso que Barack Obama fazia na noite da última quinta-feira.
Mas a maior dificuldade do mineiro durante o anúncio de uma histórica reforma no sistema de imigração dos Estados Unidos era parar de pensar na mãe, Helen. Com a promessa de regularização de sua situação no país, Netto sonha enfim reencontrá-la depois de 12 anos.
"Estou sem vê-la há tempo demais", disse à BBC Brasil por telefone o mineiro de 35 anos, que evitava receber visitas de parentes por medo de ser descoberto.
"Agora minha mãe até quer tirar visto para tentar me visitar aqui, pois a situação vai ficar bem menos tensa."
Trauma
Casado e pai de uma filha nascida nos EUA, Netto faz parte de um contingente de quase 5 milhões de imigrantes que poderão ser beneficiados pelo pacote de Obama.
Anunciada sob a forma de uma ordem executiva - instrumento que permite ao presidente aprovar leis em caráter especial sem a chancela do Congresso -, a reforma determina que imigrantes indocumentados que chegaram aos país até o final de 2009 e que tenham filhos nascidos em território americano tenham direito a vistos de trabalho de até três anos.
Netto, que chegou aos EUA em 2004 e tem uma filha nascida em 2010, cumpre esses pré-requisitos. Nos últimos dois anos, o mineiro vem travando um jogo de xadrez jurídico em busca da regularização. Diz ter gastado mais de US$ 15 mil em custos processuais.
"Tem sido um processo longo e caro, mas meu advogado me disse que a lei do Obama muda o jogo. Será um alívio muito grande depois de tudo que passei", diz o mineiro, que vive nos arredores do Boston.
Caro foi também o preço pago para perseguir seu sonho americano. Netto pagou US$ 10 mil para entrar nos EUA pela fronteira com o México. Durante dias ficou à mercê dos temíveis "coiotes", traficantes de pessoas conhecidos pela truculência e por não raramente enganarem seus clientes.
"Vi coisas que até hoje me dão pesadelos. Muita droga, violência e mesmo estupros. Hoje, tenho certeza de que não teria feito isso novamente", lembra Netto, que trabalha no ramo da construção civil.
Além dos traumas, há a paranóia: o temor de ser deportado fez com que Netto adotasse uma rotina baseada em trabalho. "Até hoje não tive coragem, por exemplo, de viajar pelos EUA. Nem à Disneylândia eu fui ainda. Fico com medo da deportação e de como minha família pode passar necessidade sem mim."
Vista grossa
No entanto, o mineiro tirou carteira de motorista e fez um financiamento de carro em seu próprio nome.
"O pessoal americano faz uma certa vista grossa para os ilegais, por mais que muita gente no país se incomode com a imigração. Mas eu faço as coisas do jeito mais certo que posso: pago meus impostos e trabalho duro para pagar as contas. Por isso acho justo que o presidente Obama tenha pensado um pouco na gente", completa.
Nos últimos anos, o tema migratório se transformou num assunto ainda mais controverso nos EUA, onde as estimativas são de que 11 milhões de pessoas hoje vivam na ilegalidade no país. Um número que corresponde a apenas 3,5% da população americana mas que causa debates acalorados.
Isso ajuda, por exemplo, a explicar o formato do pacote apresentado por Obama: como não tem o controle do Congresso, dominado pelo Partido Republicano, o presidente correria sério risco de ver a reforma migratória derrubada se fosse posta em votação.
Um projeto de amplo alcance, que previa a possibilidade de naturalização dos indocumentados em troca de mais controle de fronteiras, passou no Senado no ano passado, mas ficou parado na Câmara.
Líderes republicanos acusaram Obama de "passar por cima" do Poder Legislativo com o anúncio de semana passada.