EUA treinarão policiais federais no Brasil para rastreamento de armas
Ministro da Justiça assina acordo em Washington; brasileiros usarão software americano para mapear origens de armas apreendidas; em contrapartida, informações colhidas alimentarão banco de dados dos EUA.
Delegados e agentes da Polícia Federal brasileira serão treinados por forças de segurança dos Estados Unidos para identificar a origem de armas de fogo apreendidas em operações em todo o país.
Um acordo bilateral entre os dois países foi assinado pelo ministro da Justiça, Torquato Jardim, e oficiais do Escritório de Armas, Tabaco, Armas de Fogo e Explosivos (ATF, na sigla em inglês) do Departamento de Justiça dos EUA, na última terça-feira, em Washington (EUA).
O documento prevê que oficiais americanos venham ao Brasil para ensinar delegados e agentes da Polícia Federal a usar um sistema digital de rastreamento criado pelo governo americano em 2005. As primeiras negociações para este acordo aconteceram em 2010 - mas só nesta semana o martelo foi batido.
Segundo o ministro da Justiça, que ocupa o cargo há pouco mais de dois meses, o governo do presidente Michel Temer quer expandir o intercâmbio de tecnologia com as forças de segurança dos EUA.
"Agentes brasileiros já foram treinados na Flórida para controle de embarcação no mar, em aeroportos. Outros agentes brasileiros já tiveram treinamento no FBI, na CIA, e não é só drogas e armas, estamos treinando gente para reconhecer dinheiro falso ou pirataria de produtos de toda natureza, como medicamentos", afirmou Torquato Jardim, em entrevista à BBC Brasil.
"É isso que eu quero expandir, esse é o objetivo principal da viagem, essa cooperação".
'Risco'
Questionado se o compartilhamento de dados sigilosos com a CIA e o FBI poderia colocar em jogo a soberania nacional, o ministro da Justiça afirmou que "isso é risco", mas que a relação trará "bom custo-benefício para o Brasil", porque "a segurança nacional depende de colaboração internacional".
"Não adianta você dar grito de segurança nacional em abstrato, se você não combate o narcotráfico dentro do seu próprio país", afirmou. "É relação custo-benefício: outras coisas muito mais importantes serão conhecidas."
Em 2013, a revelação de que aAgência Nacional de Segurança americana (NSA, na sigla em inglês) havia espionado a então presidente Dilma Rousseff, ministros do governo e executivos da Petrobras por meio de gravações telefônicas, causou um conflito diplomático entre Brasil e EUA e levou Dilma a cancelar uma viagem que faria para encontrar o então presidente americano, Barack Obama.
Ao ser lembrado do episódio, Jardim disse que "não precisa nem citar o americano que fez isso ou aquilo com tal ou qual personalidade brasileira, nós fazemos isso lá dentro, qualquer país vigia qualquer um".
Para o ministro, os EUA são o país com maior "tradição de cooperação" nas Américas. "Isso vem desde a segunda Guerra Mundial. São quem tem a tecnologia mais aplicável ao nosso ambiente. O mercado americano é o mais próximo do nosso", afirmou Jardim, que fica até a semana que vem nos Estados Unidos para reuniões com autoridades em Washington e Nova York.
Segundo o ministro da Justiça, o Brasil se tornou o segundo maior mercado do mundo para o tráfico de drogas e armas - só atrás dos Estados Unidos.
O Escritório de Armas, Tabaco, Armas de Fogo e Explosivos do governo americano confirmou a assinatura do acordo com o Brasil.
Contrapartida
Os treinamentos não terão custopara o governo brasileiro, segundo o ministério da Justiça, que discute agora com os americanos os detalhes técnicos da parceria, como datas e a quantidade de agentes americanos necessária para o treinamento.
Segundo o governo americano, o sistema, chamado e-trace, atua na identificação da origem de armas de fogo apreendidas em operações policiais, com o mapeamento do caminho feito pelas armas desde a compra original, passando por todos seus os registros até a apreensão, pela Polícia Federal.
A ferramenta foi criada para auxiliar investigações criminais nos Estados Unidos e no exterior, seja pela identificação de donos das armas, de possíveis traficantes ou de rotas ilegais.
De acordo o departamento de Justiça dos EUA, o e-trace permite que oficiais tenham "uma plataforma de informação para desenvolver as melhores estratégias de investigação para reduzir a criminalidade e a violência relacionadas a armas de fogo".
Em contrapartida, as informações obtidas em operações no Brasil alimentarão o banco de dados do governo americano, que já exportou a ferramenta para mais de 40 países, especialmente no Caribe, América Latina e Europa.
Agenda de visitas
A agenda do ministro da Justiça em Washington incluiu uma palestra sobre independência entre os poderes no Brasil, realizada na quarta-feira pelo Brazil Institute do Woodrow Wilson Center.
Além do acordo, assinado com Thomas E. Brandon, chefe do Escritório de Armas, Tabaco, Armas de Fogo e Explosivos do departamento de Justiça americano, a viagem também inclui reuniões com o Secretário-Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luis Almagro, e uma visita à Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York, onde reunião discutirá a situação dos refugiados no Brasil.
O Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, também está na capital americana participando de reuniões com os departamentos de Estado e de Justiça dos Estados Unidos.