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#EuNaoSouDespesa: a reação à declaração de Bolsonaro sobre pessoas com HIV

Presidente Jair Bolsonaro disse, na quarta-feira, que pessoas que vivem com HIV são 'despesas' para o Brasil.

6 fev 2020 - 19h24
(atualizado em 18/5/2020 às 14h49)
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Presidente afirmou que pessoa com HIV é 'uma despesa para todos no Brasil'
Presidente afirmou que pessoa com HIV é 'uma despesa para todos no Brasil'
Foto: Flickr/Planalto / BBC News Brasil

Pessoas que vivem com HIV utilizaram a hashtag #EuNãoSouDespesa para criticar declaração do presidente Jair Bolsonaro sobre o tema.

Durante conversa com a imprensa, na quarta-feira (05/02), enquanto defendia a abstinência sexual proposta pela ministra Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos), Bolsonaro citou um relato do jornalista Alexandre Garcia, apoiador declarado do presidente.

"O próprio Alexandre Garcia, ele fala que a esposa dele, que é obstetra, atendeu uma mulher que começou com o primeiro filho com 12 anos. Outro com 15, e no terceiro, que a esposa dele atendeu, ela já estava com HIV. Uma pessoa com HIV, além do problema sério para ela, é uma despesa para todos aqui no Brasil", declarou.

A afirmação do presidente gerou repercussão em entidades que defendem pessoas que vivem com HIV. Coletivos ligados ao tema classificaram a declaração como "desrespeitosa, superficial e preconceituosa".

A hashtag #EuNãoSouDespesa foi usada diversas vezes nas redes no fim de quarta-feira e nesta quinta. A campanha foi promovida pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS), que afirma que a iniciativa teve o apoio de ativistas, estudantes, aposentados, jornalistas, assistentes sociais, advogados, médicos, atores e "diversos outros cidadãos e cidadãs que defendem o Sistema Único de Saúde (SUS), contra o estigma, o preconceito e a discriminação".

Por meio da hashtag, diversas pessoas criticaram duramente a declaração de Bolsonaro. "Eu me senti profundamente ofendido. Não bastasse ele ter dito anteriormente que o Estado não deveria arcar com o tratamento de quem contrai o vírus 'na bandalheira', agora ele nos taxa como meras despesas de governo", afirma Beto Volpe, de 58 anos, ativista e escritor.

A afirmação de Beto sobre a declaração anterior do presidente é em referência a uma entrevista que Bolsonaro deu em 2010 ao programa CQC, na qual o então deputado federal disse que "uma pessoa que vive na vida mundana depois vai querer cobrar do poder público um tratamento que é caro".

Nas redes, Beto, que vive com o HIV há mais de 30 anos, adotou a mensagem "eu não sou despesa" e citou que paga impostos há 43 anos. "Será que ele pensa o mesmo das pessoas com câncer, cardiopatias e outras patologias ou somente pensa assim das pessoas que afrontam as ideias retrógradas dele?", questiona.

Beto Volpe vive com HIV há mais de 30 anos e afirma ter ficado ofendido com declaração de presidente
Beto Volpe vive com HIV há mais de 30 anos e afirma ter ficado ofendido com declaração de presidente
Foto: Arquivo pessoal / BBC News Brasil

O HIV no Brasil

De acordo com o Ministério da Saúde, em 2018 foram registrados 43,9 mil novos casos de HIV no Brasil — dado mais recente. Naquele ano, a pasta estimava que 866 mil pessoas viviam com o vírus no país. Além disso, o ministério estima que outras 135 mil pessoas vivem com o vírus no Brasil, mas não sabem disso.

Segundo o boletim epidemiológico HIV/Aids 2019, de 2007 a junho do ano passado foram notificados 300.496 novos casos de infecção pelo HIV no país. O Ministério da Saúde informa que o número de mortes por aids, doença que o paciente com HIV pode desenvolver, caiu em 22,8% nos últimos cinco anos — de 12,5 mil em 2014 para 10,9 mil em 2018.

Especialistas apontam que o tratamento no Brasil é considerado um exemplo para todo o mundo, pois os medicamentos são distribuídos pela rede pública e há acompanhamento específico para esses pacientes.

Um estudo do Ministério da Saúde, divulgado em 2019, apontou que o país mais que dobrou o tempo de sobrevida das pessoas com o vírus, em razão do tratamento adequado.

O levantamento, intitulado Estudo de Abrangência Nacional de Sobrevida e Mortalidade de Pacientes com Aids no Brasil, apontou que 70% dos adultos e 87% das crianças diagnosticadas entre 2003 e 2007 tiveram sobrevida superior a 12 anos — um estudo feito em 1996 apontou que a sobrevida era de, em média, cinco anos.

Desde 1996, o país garante o tratamento universal e gratuito por meio do SUS. No ano passado, segundo o portal da Transparência, o governo utilizou R$ 1,8 bilhão na compra de remédios para pacientes com HIV — segundo o portal, o valor representa 0,06% dos gastos públicos do ano.

Em 2017, por exemplo, segundo um estudo da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), o SUS utilizou R$ 4,5 bilhões para tratamentos contra o câncer.

Os coletivos ligados a pessoas que vivem com HIV frisam que o direito à saúde é universal e é dever do Estado auxiliar as pessoas que precisam de medicamentos, incluindo aquelas que vivem com o HIV.

'Tratamento não é esmola'

Secretária Nacional de Informação e comunicação da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV e Aids, Vanessa Campos também usou a hashtag para criticar o presidente. "A saúde das pessoas que vivem com HIV/Aids é um direito garantido pela Constituição".

"Dizer que somos despesas é distorcer informações e manipular a opinião pública. Com indignação que vemos esse retrocesso e discriminação. Investir em saúde é investir na vida", escreveu a ativista, que vive com o HIV há três décadas.

A declaração de Bolsonaro foi repudiada pela Frente Parlamentar Mista de Enfrentamento às Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs), do HIV/AIDS e Hepatites Virais no Congresso Nacional. Os parlamentares avaliaram que a fala do presidente foi extremamente desrespeitosa.

Movimentos nacionais relacionados a pessoas que vivem com o HIV emitiram um comunicado contra as falas de Bolsonaro.

"As declarações ofendem e rotulam quase um milhão de cidadãos e cidadãs nesta situação, além de seus familiares, amigos e entorno social. Não podemos tolerar que depois de décadas de conquistas e de luta contra a discriminação, discursos ancorados em preceitos equivocados e preconceituosos, potencializem estigmas e processos de exclusão sociais ainda presentes no cotidiano das pessoas que vivem com HIV/Aids no Brasil", diz trecho de nota divulgada pelos movimentos nacionais Articulação de Luta Contra a Aids, Rede de Pessoas Vivendo com HIV e Aids, Movimento das Cidadãs Posithivas e Rede de Mulheres Travestis e Transexuais e Homens Trans vivendo e convivendo com HIV/Aids.

Reação foi tanto de indivíduos quanto de grandes associações que representam grupo que vivem com HIV
Reação foi tanto de indivíduos quanto de grandes associações que representam grupo que vivem com HIV
Foto: Arquivo pessoal / BBC News Brasil

Representante da Articulação Nacional de Luta Contra a Aids (Anaids), Moyses Toniolo também aderiu ao movimento nas redes sociais. "Os direitos sociais são cláusulas pétreas e, portanto, não se pode retirar ou retroceder por interesses pessoais ou do governo, pois são políticas sociais, cujo financiamento provém dos impostos pagos por todos os cidadão brasileiros", declara Moyses à BBC News Brasil.

"O tratamento não é um favor ou uma esmola que o Estado pode ou não deixar de conceder. É um dever, que deve ser dado para zelar pela saúde de seu povo", completa Moyses, que há mais de duas décadas vive com o HIV.

Os coletivos que defendem pessoas que vivem com o vírus afirmam que, após as falas de Bolsonaro, ampliarão a "mobilização pela garantia de direitos e de políticas públicas inclusivas, plurais, fundamentadas em evidências científicas e construídas com participação social".

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