Exclusão da candidatura de Lula prejudicaria Bolsonaro, avalia cientista político
O pré-candidato do PSC à presidência comemorou o resultado do julgamento no TRF-4. Mas, para o cientista político da FGV Claudio Couto, Bolsonaro deveria estar preocupado com a exclusão de Lula da urna.
Para o deputado federal e pré-candidato à Presidência Jair Bolsonaro, a decisão de ontem do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) contra o ex-presidente Lula (PT) foi "um tiro de .50 na corrupção". Segundo o cientista político Cláudio Couto, porém, Bolsonaro deveria pensar melhor antes de celebrar a saída do líder petista da disputa eleitoral.
Sem Lula, argumenta Couto, o militar reformado tende a perder o apoio daqueles que o viam como o "voto útil" contra o petista.
"Olha, me interessa o que vai mudar para o Brasil. O que nós queremos é o PT fora de combate (...). E não é querer por querer. É porque eles fizeram besteira demais. E tão grave quanto a corrupção é a questão ideológica. Acho que o Brasil ganha com o Lula fora de combate", disse Bolsonaro em um vídeo publicado nas redes sociais, na noite de ontem.
"Se o Lula sai, Bolsonaro perde essa função de anti-Lula", diz Couto, que é coordenador do mestrado em gestão de políticas públicas da Fundação Getúlio Vargas (FGV). "Pode ser que Bolsonaro e seus seguidores tenham torcido para que isto acontecesse. Mas se eles tivessem feito o cálculo político talvez vissem que não seria positivo para eles", diz ele.
Na entrevista abaixo, Couto discute ainda o futuro do PSDB e de pré-candidatos como Ciro Gomes (PDT) e Marina Silva (Rede).
BBC Brasil - O que muda no cenário político com a decisão do TRF-4?
Cláudio Couto - Primeiro, vamos situar o que aconteceu em contexto. Provavelmente o cenário mudará porque tende a se confirmar a saída do principal candidato presidencial. A tendência é que a Lei da Ficha Limpa seja aplicada nesse caso (tornando Lula inelegível), independentemente do cumprimento de pena. Ele não deve ser candidato, embora sempre exista a possibilidade de um recurso alterar esse quadro.
No caso de Lula não ser candidato, abre-se um grande espaço para nomes alternativos. E, na esquerda, as pessoas que poderiam substituir o Lula nesse campo político, a meu ver, são o Ciro Gomes (pré-candidato do PDT) e a Marina Silva (pré-candidata da Rede Sustentabilidade).
Os nomes do PT mesmo não têm um grande potencial de crescimento. Não vejo este potencial nem no (ex-governador da Bahia) Jaques Wagner e nem no (Fernando) Haddad. Ambos são políticos regionais. Este último, inclusive, governou a cidade de São Paulo e mesmo assim não se mostrou competitivo. Tudo isto indica que os outros (Marina e Ciro), que têm mais trânsito fora dos próprios Estados, tenham mais capacidade de ir adiante. E mais ainda se conseguirem consolidar o apoio do PT ou do próprio Lula.
BBC Brasil - E fora do campo da esquerda?
Cláudio Couto - Não vejo como o (Jair) Bolsonaro, por exemplo, se beneficie muito dessa saída do Lula. Ele era um nome anti-Lula. Sem o Lula, esta parte dos votos ele perde.
Acho também que Bolsonaro tende a ir ainda mais para a direita, sem a presença de Lula.
Nos últimos meses, ele (Bolsonaro) tinha começado a esboçar um movimento para tentar parecer um candidato liberal, com posições pró-mercado. Mas, cá entre nós, isso nunca foi o Bolsonaro.
O que ele tentava fazer era ganhar a simpatia de agentes do mercado financeiro, por exemplo, com essa coisa de ser o anti-Lula. Só que, historicamente, as posições do Bolsonaro são estatizantes, são contrárias ao liberalismo, então esse Bolsonaro recente não era muito legítimo. Era um personagem criado para propiciar esse flerte com o dito "mercado" e com setores da mídia, como o antídoto para o Lula.
Só que, se o Lula sai, ele perde essa função.
Talvez, para tentar manter-se em evidência, ele tenha que fazer o discurso mais radical, resgatar aquele Bolsonaro mais tradicional de extrema-direita.
BBC Brasil - Para o PSDB, quais são os impactos?
Cláudio Couto - Sem o Lula é possível que o Geraldo Alckmin, que faz a linha de anti-Lula moderado, avalie que vale a pena se deslocar um pouco mais para o centro, em direção à centro-esquerda, em direção até à social-democracia, embora eu não ache que o PSDB consiga voltar a ser um partido efetivamente social-democrata.
Sem o Lula, o PSDB perde o incentivo para fazer aquela linha mais udenista (de direita) que vinha adotando até agora. E, se o PSDB for para o centro, tende a empurrar o Bolsonaro ainda mais para a direita.
BBC Brasil - Para muita gente, o julgamento de Lula é uma espécie de "ato final" da Lava Jato. Você concorda? De onde veio esse sentimento?
Cláudio Couto - Acho que isso vem do fato de que, para algumas dessas pessoas, o objetivo (da Lava Jato) sempre foi a destruição do PT, que passa pela destruição da maior liderança da esquerda do país.
Destruir o Lula, afastá-lo definitivamente da eleição, é uma grande vitória para estes segmentos. E que transcende a questão da corrupção. Tanto é que não houve comemoração com a prisão do (deputado Paulo) Maluf (PP-SP) ou de outros políticos acusados de corrupção. No caso do Lula, é que havia um componente ideológico muito forte. É uma briga de esquerda e direita no sentido clássico.
E se você olhar o discurso dessa nova direita nos últimos anos, sempre foi o de destruição dos adversários. A argumentação geralmente era a de que "o Lula é que pregava o nós contra eles, ele que começou com essa retórica".
Mas o discurso de Lula nunca teve esse caráter de extermínio das elites tradicionais ou da direita. Já o discurso anti-petista tem por objetivo banir o PT da face da Terra. Acho que tem uma assimetria aí.
BBC Brasil - Políticos governistas como Rodrigo Maia, Michel Temer e mesmo Fernando Henrique Cardoso têm repetido que "preferem que Lula concorra". Trata-se de um blefe ou de uma tentativa de afastar a eventual pecha de "golpista"?
Cláudio Couto - Eu acho que existe um pouco de tudo. Não acompanhei tão bem esse debate, mas conhecendo essas pessoas acho que existem diferenças entre elas.
Quando é o Fernando Henrique dizendo, por exemplo, eu consigo acreditar que seja sincero. FHC nunca pregou o extermínio do PT. Sempre fez oposição, mas de forma democrática.
Já com (Michel) Temer e (Rodrigo) Maia eu fico mais desconfiado. Não que sejam extremistas de direita, mas são políticos para os quais a exclusão do PT é conveniente neste momento.
BBC Brasil - Uma eleição sem Lula nos deixa mais próximos ou mais distantes de acordar com Bolsonaro presidente no dia 1º de janeiro de 2019?
Cláudio Couto - Menos, até por causa daquilo que a gente mencionou antes. Ironicamente,a exclusão do Lula pode ser prejudicial para o Bolsonaro. Pode ser que Bolsonaro e seus seguidores tenham torcido para que isto acontecesse. Mas se eles tivessem feito o cálculo político talvez vissem que não seria positivo para eles.
BBC Brasil - Qual o impacto do julgamento sobre o PT? Há espaço para aumento da radicalização ou o caminho parece no sentido de construir a possibilidade de um nome alternativo para outubro?
Cláudio Couto - O PT sofre a maior derrota da história. É uma derrota não só do PT, mas da esquerda brasileira. É claro que a esquerda não se reduz ao PT, mas quando a principal liderança da esquerda é condenada à cadeia, é claro que se trata de uma derrota monumental.
Não quer dizer que o PT acaba, mas significa que ele sai muito menor. Já diminui nas eleições municipais de 2016, então acho que é muito difícil o partido se recuperar no curto prazo. Corre o risco de ter o seu espaço ocupado por outras siglas de esquerda. Certamente, o partido perde a condição de ator hegemônico da esquerda. É claro, é preciso lembrar que o PT ainda tem um trunfo que os outros partidos não têm: é o mais enraizado na sociedade civil, o partido cuja base social está mais organizada.
BBC Brasil - A Lei da Ficha Limpa, se aplicada no caso Lula, seria uma violação à democracia?
Cláudio Couto - Não. Acho a Lei da Ficha Limpa positiva. Ela se inscreve numa lógica menos liberal, e mais republicana. De preservar a coisa pública, inclusive contra a vontade da maioria. Se a maioria eventualmente achar que o "rouba, mas faz" é legal, vem a lei e diz "não é, não".