FMI diz que reforma da Previdência não basta para aumentar potencial de crescimento do Brasil
Fundo afirma que país crescerá 0,9% em 2019 e 2% em 2020 e projeta redução pequena de desemprego.
Embora tenha revisto a expectativa de crescimento da economia brasileira ligeiramente para cima em 2019, o Fundo Monetário Internacional afirma que o governo do país precisa se comprometer a implementar - além da reforma da previdência - que ainda precisa ser votada em segundo turno pelo Senado - uma "ambiciosa agenda de reformas, aberturas comerciais e investimentos em infraestrutura", para aumentar o potencial de desenvolvimento econômico do país.
As recomendações estão no relatório Perspectiva da Economia Global, lançado hoje pelo FMI, e que prevê uma redução da expectativa de crescimento da economia mundial para 3%, a mais severa desaceleração desde a crise financeira global, em 2008.
O ritmo lento é atribuído à redução do comércio internacional. A guerra de tarifas entre China e Estados Unidos, além de outras medidas protecionistas ao redor do mundo, levaram o volume de comércio global a registrar, no primeiro semestre de 2019, seu pior crescimento desde 2012 - apenas 1%.
Crescimento abaixo de 1% em 2019
Em relação ao Brasil, o FMI projeta que o ano terminará com um acumulado de 0,9% de crescimento, uma melhora de 0,1 ponto percentual em relação ao que o próprio fundo estimara em julho, mas 1,2 ponto percentual abaixo da expectativa da instituição em abril de 2019.
A estimativa não vai surpreender o mercado. De acordo com o mais recente relatório Focus, divulgado pelo Banco Central na última segunda-feira, 14, os investidores esperam por um crescimento de 0,87% em 2019.
Efeito Brumadinho
O FMI afirma que a fraca ascensão da economia brasileira se deve, em parte, ao rompimento da barragem de Brumadinho (MG), em 25 de janeiro, que deixou 251 mortos e outros 21 desaparecidos.
Além da tragédia humana e ambiental, o relatório afirma que o episódio prejudicou os resultados de mineração no país. De fato, no final de março, a gigante da mineração Vale - responsável por Brumadinho - registrava quase 20 barragens interditadas por motivos de segurança. A empresa anunciou que reduziria sua produção de ferro no ano em quase um quarto: a Vale previa comercializar 400 milhões de toneladas do minério. Dessas, 92,8 milhões de toneladas foram cortadas.
De acordo com o Fundo Monetário Internacional, a economia brasileira sentiu os efeitos disso em seu primeiro trimestre - o que explica a redução de 1,2 ponto percentual em relação à expectativa de crescimento feita em abril pelo próprio órgão.
A situação da mineração no Brasil produziu reflexos no exterior e colaborou para que o minério de ferro atingisse seu preço mais alto em cinco anos no mercado internacional.
Em 2020, crescimento em 2%, desemprego em 10,8%
O FMI, no entanto, acredita que o resultado tímido de 2019, não se repetirá no futuro e que o Brasil está em rota de recuperação consistente.
Para 2020, a projeção é que a economia cresça 2%, especialmente porque o país deve aprovar, nas palavras do relatório, "a tão esperada reforma previdenciária".
"No Brasil, a reforma da previdência é um passo essencial para garantir a viabilidade do sistema de seguridade social e a sustentabilidade da dívida pública", afirma o FMI em seu relatório. A reforma das pensões e aposentadorias é condição necessária mas não suficiente para a melhora da economia brasileira, alerta o relatório.
"Mais ajustes fiscais serão necessários para garantir que o teto constitucional de gastos seja respeitado nos próximos anos", afirmam os analistas do FMI no texto.
O teto de gastos, aprovado em emenda à Constituição na gestão Temer, prevê o congelamento das despesas públicas por 20 anos, a partir de 2017. Os gastos totais podem apenas ser reajustados com base na inflação do ano anterior, mas não sobem, mesmo que a receita do governo cresça.
A medida já foi alvo de críticas do presidente Jair Bolsonaro (PSL) que, no começo de setembro, chegou a advogar por uma revisão da norma. "Eu vou ter que cortar a luz de todos os quartéis do Brasil, por exemplo, se nada for feito", disse Bolsonaro. A declaração caiu mal no mercado, que vê a medida como um compromisso de austeridade, e levou a um recuo do presidente 24 horas mais tarde.
"Temos que preservar a emenda do teto. Devemos sim, reduzir despesas, combater fraudes e desperdícios. Ceder ao teto é abrir uma rachadura no casco do transatlântico. O Brasil vai dar certo. Parabéns a nossos ministros pelo apoio às medidas econômicas do (ministro da Economia) Paulo Guedes", escreveu Bolsonaro no Twitter.
Inflação em baixa
O FMI destaca ainda que "a política monetária deve seguir no caminho atual para garantir crescimento, dadas as expectativas de inflação baixa".
O fundo prevê que o aumento de preços ao consumidor deve fechar o ano em 3,8% e baixar ainda mais em 2020, para 3,5%. Ambas as estimativas estão abaixo do centro da meta de inflação do Banco Central, de 4,25%. A estimativa do FMI, no entanto, está 0,5 ponto percentual acima do que projetam os economistas no mercado brasileiro. Nesta segunda, eles revisaram o índice pela décima vez e previram que o ano fechará em 3,28%.
O acumulado do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) medido pelo IBGE até setembro ficou em 2,89% e foi comemorado pelo ministro Guedes.
"O que está acontecendo é que a economia está começando a crescer e com a inflação baixa", disse Guedes, que passará a semana em Washington D.C. em visita ao FMI. "Mostra que está tudo sob controle, isso é bom. Inflação baixa quer dizer que o Brasil tem condições de baixar juros", concluiu.
A taxa de juros básica da economia, a Selic, está em 5,5% ao ano, patamar mais baixo na história. E o Comitê de Política Monetária do Banco Central já indicou que deve reduzir ainda mais os juros.
Patinando
Como resultado, os economistas esperam que investidores retirem seu dinheiro de aplicações financeiras de renda fixa — com rendimentos cada vez mais modestos - e invistam em empreendimentos da economia real. O FMI aposta que esse movimento está em curso, o que deve levar à geração de empregos, ainda que lentamente. Para a instituição, o Brasil passará de um desemprego de 12,3%, em 2018, para um índice de 11,8%, em 2019. Em 2020, o desemprego alcançará o patamar de 10,8%.
Os juros afetam também o acesso ao crédito. De acordo com o FMI, no caso do Brasil, o crédito tem mostrado recuperação, muito embora a razão entre crédito e produto interno bruto ainda se mostre abaixo do pico alcançado em 2015.
O país patina, no entanto, em relação à "agenda de reformas" defendida pelo FMI para acelerar o crescimento do país. Economistas do fundo esperavam que a própria reforma da previdência fosse aprovada em meados de 2019, o que não aconteceu. A nova expectativa é que o texto seja aprovado e sancionado até o fim do ano. Na última votação no Senado, a PEC acabou desidratada em quase R$ 80 bilhões - agora, a economia prevista em 10 anos com a medida é de R$ 800 bilhões.
Outra reforma considerada urgente é a tributária. Quanto a essa, no entanto, não há nem mesmo proposta unificada do governo - a expectativa é que a equipe de Guedes tenha um projeto finalizado até o início do próximo ano. O dissenso em relação à reforma já custou a demissão de um dos auxiliares de Guedes, Marcos Cintra, ex-secretário da Receita Federal, e defensor do retorno da CPMF. Bolsonaro rechaçou essa possibilidade.
O mais provável é que a reforma tributária comece pela criação do Imposto sobre Valor Agregado (IVA), que unificaria tributos cobrados hoje separadamente como PIS (Programa de Integração Social) e COFINS (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social).
Se Estados e municípios aderirem, isso eliminará ainda o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) e o ISS (Imposto sobre Serviços). Embora não deva reduzir impostos, a medida racionaliza e simplifica a arrecadação do governo.
Estão ainda em análise a correção da tabela de Imposto de Renda, a tributação sobre lucros e dividendos e a desoneração da folha de pagamento, uma das bandeiras de Guedes.
A América Latina pode melhorar, a Venezuela, não
Puxada pelos desempenhos vacilantes das economias de Brasil e México e pela situação difícil de Argentina e Venezuela, a projeção de crescimento da América Latina é de meros 0,2% em 2019.
O FMI, no entanto, projeta que a melhora da condição brasileira em 2020 vai ajudar a elevar também o crescimento da América Latina como um todo, projetado em 1,8% no ano que vem.
Ainda assim, é um resultado abaixo da média global, em 3%. Os maus resultados acumulados nos últimos anos (por exemplo, em 2017, os latinos juntos cresceram 1,2% e, em 2018, 1%) tem feito economistas falarem em uma nova década perdida para a América Latina.
Mas se o continente tem perspectivas de melhora, o mesmo não pode ser dito sobre a Venezuela, de acordo com o FMI. A profunda crise humanitária e a implosão econômica na Venezuela continuam a ter um impacto devastador, com previsões de que a economia diminua em cerca de um terço em 2019", diz o relatório. A recessão de 35% é uma cifra histórica.
A inflação venezuelana estimada pelo fundo será de 200 mil% em 2019 e de 500 mil% em 2020. O desemprego esse ano ficará em 47,2% e atingirá 50,5% da população em 2020.
"Na Venezuela, o colapso plurianual da produção deve continuar, ainda que em ritmo mais lento do que se viu em 2019", assevera o relatório.