'Golpe de Estado mata': o julgamento que tornou Bolsonaro réu em 8 frases
Ministros defenderam a gravidade dos atos que levaram à invasão dos três poderes em 8 de janeiro de 2023. 'Não foi um passeio no parque', disse o relator Alexandre de Moraes.
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) agora é réu por tentativa de golpe de Estado, decidiu a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quarta-feira (26/3), após dois dias de julgamento em Brasília.
Os ministros Alexandre de Moraes, Luiz Fux, Flávio Dino, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin decidiram de forma unânime aceitar a denúncia da Procuradoria Geral da República (PGR) contra Bolsonaro e outros sete ex-integrantes do seu governo.
Entre os réus, estão três generais do Exército — Augusto Heleno (ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional), Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa), Braga Netto (ex-ministro da Casa Civil) —, além de Almir Garnier Santos (ex-comandante da Marinha), Anderson Torres (ex-ministro da Justiça), Alexandre Ramagem (ex-diretor da Abin) e Mauro Cid (ex-ajudante de ordens de Bolsonaro que fechou um acordo de delação premiada). Todos negam as acusações.
Agora, o processo criminal terá três fases, entre produção de provas, interrogatório dos réus e, finalmente, o voto dos juízes do STF.
Ao longo dos próximos meses, o julgamento vai mobilizar militares de alta patente e autoridades, convocados como testemunhas.
Nos bastidores de Brasília, a expectativa é que o processo seja concluído ainda neste ano, o que gera controvérsia entre juristas. Bolsonaro, por sua vez, tem se queixado da celeridade do andamento do caso.
O julgamento da denúncia da PGR ficou marcado pela tentativa dos advogados dos réus em refutar os pontos levantados contra seus clientes, além da defesa dos ministros do STF sobre a materialidade dos fatos que levaram aos ataques de 8 de janeiro de 2023 às sedes dos Três Poderes, em Brasília.
A BBC News Brasil selecionou frases que se destacaram no julgamento que tornou Bolsonaro réu.
Flávio Dino: 'Golpe de Estado mata'
Segundo ministro a votar, Flávio Dino acompanhou o voto do relator Alexandre de Moraes pela aceitação da denúncia e argumentou para refutar aqueles que relativizaram a tentativa de golpe quanto à sua gravidade.
"Se diz também: 'Ah...mas não morreu ninguém'. No dia 1º de abril de 1964 [dia do golpe que iniciou a ditadura militar] também não morreu ninguém. Mas centenas e milhares morreram depois. Golpe de Estado mata. Não importa se isto é no dia, no mês seguinte ou alguns anos depois", disse o ministro.
Para o ministro, "é uma desonra à memória nacional" minimizar uma tentativa de golpe porque não houve mortos.
"Esse tipo de raciocínio é uma agressão às famílias que perderam familiares no momento de trevas da vida brasileira".
"Pouco importa se a pessoa tinha uma arma de fogo, o que importa é que o grupo era armado", declarou Dino.
Alexandre de Moraes, sobre o 8 de janeiro: 'Nenhuma Bíblia, nenhum batom é visto neste momento'
Relator do processo e primeiro a votar pela aceitação da denúncia, o ministro Alexandre de Moraes mostrou um vídeo para demonstrar a violência dos atos de 8 de janeiro.
A gravação tinha também imagens anteriores aos atos, dos acampamentos no Quartel-General do Exército e a ameaça de bomba no aeroporto de Brasília no final de 2022.
Segundo o ministro, as imagens demonstram que a invasão das sedes dos Três Poderes não foi uma manifestação pacífica, como alguns argumentam.
"Temos a tendência infelizmente de ir esquecendo. E as pessoas de boa-fé que têm esse viés de positividade acabam sendo enganadas pelas pessoas de má-fé que, com notícias fraudulentas e com milícias digitais, passam a querer uma própria narrativa de velhinhas com a Bíblia na mão, de pessoas que estavam passeando e estavam com batom e foram só passar um batonzinho na estátua", disse o ministro.
O vídeo trouxe ainda o depoimento de uma policial de que foi jogada no chão no dia 8 de janeiro e ferida com uma barra na cabeça, além de imagens de depredação dos prédios públicos e faixas pedindo intervenção militar.
"Nenhuma Bíblia e nenhum batom é visto nesse momento. Agora, a depredação ao patrimônio público, o ataque à polícia é visto. O pedido de intervenção militar que é o golpe, intervenção no Congresso", disse Moraes.
"É bom lembrarmos que tivemos tentativa de golpe de Estado violentíssimo. Fogo destruição ao patrimônio público", reforçou Moraes, que classificou o 8 de janeiro como "uma verdadeira guerra campal".
Alexandre de Moraes: 'Não foi um passeio no parque'
O ministro Alexandre de Moraes continuou com seu voto ressaltando que é importante lembrar sempre a gravidade dos ataques em janeiro de 2023.
O ministro reforçou que "não foi um passeio no parque": "Absolutamente ninguém que lá estava, estava passeando. E ninguém estava passeando porque tudo estava bloqueado e houve necessidade de romper as barreiras policiais".
"Os crimes praticados no dia 8 de janeiro, em relação a sua materialidade, não estamos falando em autoria ainda, foram gravíssimos", disse o Moraes.
Ele ressaltou ainda que algumas barreiras "aparentemente" foram abertas, mas "vários policiais de insurgiram contra isso e foram agredidos".
Paulo Gonet: 'Fatos atordoantes foram descobertos'
Primeiro a falar, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, defendeu a sua denúncia apresentada contra Bolsonaro e outros sete acusados ao STF.
Gonet classificou como "fatos atordoantes" os elementos descobertos após a tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023.
"Fatos atordoantes foram descobertos na investigação dos acontecimentos que se seguiram ao resultado das eleições", disse.
Em sua fala, Gonet disse que as provas apresentadas pelo Ministério Público Federal (MPF) são suficientes para atestar que os envolvidos atuaram mediante organização criminosa para a prática de diversos crimes.
De acordo com Gonet, os atos de 8 de janeiro de 2023 foram a última tentativa da organização criminosa.
"A decisão dos generais de se manter no seu papel constitucional foi determinante para que o golpe, por fim, tentado, posto em curso, não prosperasse. Mas crimes houve. E não somente os crimes de dano", afirmou.
Gonet defendeu também que a denúncia que a PGR ofereceu cumpriu todos os requisitos necessários para ser aceita pelo Supremo.
Celso Vilardi, advogado de Bolsonaro: 'Entendi a gravidade de tudo que aconteceu no 8 de janeiro. Mas não é possível imputar o presidente'
O advogado Celso Vilardi, defensor de Jair Bolsonaro, insistiu na tese de que não há elementos que liguem o ex-presidente aos ataques de 8 de janeiro.
"Eu entendi a gravidade de tudo que aconteceu no 8 de janeiro. Mas não é possível imputar o presidente [Bolsonaro] como líder quando ele não participou, pelo contrário, ele repudiou [os atos]", disse.
Vilardi questionou a falta de acesso total ao conteúdo das investigações da PF. Ele ressaltou que não teve acesso a todas as mensagens trocadas pelos investigados no período da suposta operação Punhal Verde Amarelo, cujo objetivo seria matar Lula, Alckmin e Moraes.
Para a defesa, esse acesso permitiria mostrar a falta de envolvimento de Bolsonaro.
Além disso, o advogado de Bolsonaro questionou uma audiência feita com o delator Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do então presidente, em que Moraes fez perguntas sobre omissões da delação, após investigação da PF identificar o plano Punhal Verde Amarelo.
Na visão de Vilardi, houve uma inversão do princípio de que a PF que deve corroborar a versão do delator.
"O delator se adequou aos indícios do Estado. Foi o delator que corroborou a versão da Polícia Federal", criticou, solicitando a anulação da delação — algo que foi negado pelo STF.
Matheus Mayer Milanez, advogado de Augusto Heleno: 'Terraplanismo argumentativo'
O advogado do general Augusto Heleno, Matheus Mayer Milanez, disse que a denúncia da PGR se utiliza de "terraplanismo argumentativo" por querer "colocar seu cliente na organização criminosa".
"Aqui eu me recordo muito de uma série que está passando num grande streaming em que cientistas querem chegar a uma conclusão e eles vão construindo provas para se chegar a essa conclusão", disse Milanez.
"O objetivo é provar que a terra é plana e se fazem inúmeros experimentos e estudos para se provar que a terra é plana. É o que está acontecendo nesse caso. É o que se chama de terraplanismo argumentativo."
Segundo Milanez, Augusto Heleno, que foi ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República, não estava em nenhuma reunião sobre a suposta trama golpista, e não foram encontradas mensagens dele sobre o assunto.
Segundo a investigação da PF, o grupo que tramava o golpe pretendia criar um "gabinete de gestão de crise" comandado por Heleno.
Luiz Fux: 'Nós julgamos sob violenta emoção após a verificação da tragédia do 8 de janeiro'
O ministro Luiz Fux acompanhou Moraes no voto e formou a maioria pela admissibilidade da denúncia.
Fux, no entanto, afirmou que deseja rever as penas que vem sendo aplicadas aos condenados pelos atos 8 de janeiro de 2023.
Na sua visão, está havendo excesso na dosimetria das penas, que variam de 1 ano a 17 anos.
"Nós julgamos sob violenta emoção após a verificação da tragédia do 8 de janeiro", declarou Fux.
"Eu vou fazer uma revisão dessa dosimetria", afirmou sobre o caso da mulher que pichou a estátua da Justiça, que fica em frente ao STF, e que está sendo julgada pela atuação no 8 de janeiro.
"Eu pedi vista desse caso [da mulher], porque eu quero analisar o contexto em que essa senhora se encontrava", disse Fux.
Na segunda-feira (24/3), Fux pediu vista e suspendeu a tramitação da ação penal que tem como ré a cabeleireira Débora Rodrigues dos Santos, que está presa há cerca de dois anos.
Ela pichou estátua da Corte com a frase "perdeu, mané", dita pelo ministro Luís Roberto Barroso após a derrota de Bolsonaro nas eleições.
Cármen Lúcia: 'Julgamento justo e democrático porque felizmente o golpe não deu certo'
A ministra Cármen Lúcia também acompanhou o relator Moraes e disse que não haveria dúvidas de que os atos de 8 de janeiro representaram uma tentativa de golpe de Estado e que seria necessário apurar as responsabilidades pelos atos que antecederam esse episódio.
"É preciso é desenrolar (os fatos) do dia 8 para trás para a gente chegar a esta máquina que tentou desmontar a democracia, o que é um fato. Isso não é negado por ninguém em sã consciência", disse a ministra.
"Todo mundo assistiu pelas televisões, pelas redes sociais, de toda forma, o quebra-quebra, e a tentativa de matar o Supremo."
Cármen Lúcia defendeu que é necessário que o país saiba, em detalhes, quem foram os responsáveis pela suposta trama golpista.
"Alguém planejou, alguém tentou, alguém entrou, alguém executou. Nós precisamos saber isso. É preciso que o Brasil conheça, que o Brasil saiba o que aconteceu, e quem praticou o crime tem que pagar pelo crime cometido", disse a ministra.
Ela concluiu seu voto defendendo o recebimento integral da denúncia. "Nosso compromisso é receber que o país saiba, que a sociedade brasileira saiba que estamos cumprindo nosso dever de dar sequência para a apuração devida, a instrução do processo e julgamento justo e democrático, porque felizmente o golpe não deu certo, temos democracia no Brasil e temos o Supremo atuando como sempre atuou".
