Governo anuncia quedas no garimpo e em mortes de indígenas na Terra Yanomami dois anos após emergência
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou nesta segunda-feira redução de 27% do número de mortes de indígenas na terra Yanomami e queda de 91% de áreas consolidadas pelo garimpo no território, em dados revelados no aniversário de dois anos da decretação de emergência de saúde pública nacional em reação à grave crise humanitária dessa população.
No início da atual gestão federal, a maior reserva indígena no país vivia uma situação extrema após relatos de crianças morrendo de desnutrição e outras doenças levadas pelo garimpo ilegal de ouro, após uma gestão vista por críticos como permissiva para essa atividade no governo do então presidente Jair Bolsonaro (2019-2022), quando a exploração do minério em terras indígenas e unidades de conservação explodiu.
A crise fez com que o Supremo Tribunal Federal (STF) cobrasse providências urgentes do governo, levando o Executivo a adotar uma série de medidas para buscar melhorias aos indígenas e expulsar os invasores garimpeiros da localidade, que tem um tamanho equivalente ao território de Portugal.
Entre as principais providências, o governo liberou 1,7 bilhão de reais em créditos extraordinários para diversas ações de segurança, de saúde e sociais naquele território e que, mais recentemente, em fevereiro passado, levou a instalação da Casa de Governo, uma estrutura em Boa Vista, capital de Roraima, para centralizar as operações de retiradas dos invasores da Terra Indígena Yanomami.
Segundo dados do governo, houve uma queda de 27% no registro de mortes de indígenas no período entre os seis primeiros meses de 2024, em comparação com igual período do ano anterior, momento em que a emergência de saúde era mais intensa. Elas passaram de 213 para 155.
A atual gestão aponta quedas expressivas em mortes decorrentes de desnutrição, uma redução de 68% no período, de infecções respiratórias, com menos 53%, e por malária, que geralmente aumenta em áreas de garimpo, com menos 35%.
Nos dois últimos anos, foram reabertos sete polos de saúde que haviam sido desativados, o que garantiu o atendimento de 5,2 mil indígenas, melhora na assistência de saúde com atendimentos e programas de vacinação, por exemplo.
O garimpo ativo no território diminuiu de 4.570 hectares em março passado para apenas 313,6 hectares em dezembro, uma redução de 91%, segundo dados do Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam), órgão do Ministério da Defesa, vistos pela Reuters. A abertura de novas áreas de garimpo registrou queda de 1.002 hectares explorados em 2022, último da gestão Bolsonaro, para 42 hectares no ano passado.
O balanço do governo aponta que as mais de 3.500 operações de segurança que envolveram diversos órgãos de governo contra a rede criminosa do garimpo ilegal gerou um prejuízo para o negócio de 267 milhões de reais.
O diretor da Casa de Governo de Boa Vista, Nilton Tubino, disse à Reuters que a estratégia montada pelos mais de 20 órgãos de governo envolvidos na operação é impedir o garimpo dentro do território e também sufocar a rede que costumava dar apoio logístico fora da área indígena.
Apesar do elevado valor do preço do ouro no mercado internacional, o custo de exploração do minério de forma ilegal no território Yanomami está cada vez mais alto, segundo Tubino. No início da operação do governo, em 2023, uma passagem aérea de avião para uma pessoa entrar ilegalmente no território para minerar era de 3 mil reais e atualmente chega a 17 mil reais por pessoa. O litro do óleo diesel usado nas máquinas para escavar o ouro era 20 reais há dois anos e hoje chega a 70 reais.
Tubino afirmou que, pelas informações de inteligência, a maior parte dos garimpeiros deixou o território e tem buscado garimpar na Terra Indígena Sararé, em Mato Grosso, na Venezuela, que faz fronteira com parte dos Yanomami em Roraima, e na Guiana Francesa, onde o garimpo é legalizado mas recentemente o governo brasileiro e francês firmaram um acordo para ações conjuntas de combate à extração ilegal nos dois países.
A despeito de todo reforço no combate ao garimpo, o diretor disse que há locais de resistência e novas fronteiras de garimpo dentro do território que ainda tentam extrair o ouro e a cassiterita, outro minério que nos últimos anos teve sua cotação elevada e com amplo uso na indústria.
"Essas regiões devem ter alguém que financia que a Polícia Federal está tentando mapear", revelou o diretor.
Para a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajarara, as conquistas na redução do garimpo, ampliação dos serviços de saúde, a recuperação ambiental e a garantia da segurança alimentar mostram um esforço das instituições em garantir um futuro digno e sustentável para essas comunidades.
"O fortalecimento da presença do Estado na Terra Indígena Yanomami é uma prova de que estamos construindo um novo caminho para a autonomia e a dignidade dos povos da região, em sintonia com seus modos de vida e com a preservação de seu território", afirmou ela, em comunicado do governo.
Entretanto, lideranças indígenas disseram na semana passada em publicações na conta da associação Hutukara Associação Yanomami (HAY) no Instagram, a propósito dos dois anos do decreto de emergência do governo, que o garimpo continua no território, as águas estão contaminadas, que ainda há vários casos de malária, doenças respiratórias e diarreias.
"Queremos que os postos de saúde fiquem bem equipados, que possamos retomar os atendimentos de telemedicina", disse Júlio Ye'kwana, presidente da Associação Wanassedume Ye'kwana (Seduume), na publicação.
PRÓXIMOS PASSOS
O governo deve inaugurar em breve uma unidade hospitalar de apoio ao território, com 75 leitos exclusivos aos indígenas, um destacamento especial de fronteira e concluir a reforma de outra unidade militar, ambos dentro da terra indígena, para aumentar a presença estatal na localidade. A presença das Forças Armadas com a operação Catrimani foi prorrogada até janeiro do próximo ano.
O diretor da Casa de Governo afirmou que há uma discussão entre indígenas e o governo de envolver as comunidades, especialmente os jovens, no monitoramento e preservação após a operação de desintrusão dos garimpeiros. Há sugestões até de remunerar os indígenas para isso.
A iniciativa poderia ser uma alternativa para os indígenas porque há uma ociosidade desde o fim da presença ostensiva de garimpeiros no território até 2022.
"Você tira essa estrutura do garimpo, o jovem não tem o que fazer", contou.
"Os indígenas seriam os monitores do seu território; tanto aqui, na Munduruku (no Pará), que têm uma extensão grande, se não tiver a participação deles nesse pós-desintrusão fica muito difícil", reconheceu Tubino.
O território Munduruku, localizado no Pará e que em novembro passado começou a ser alvo de uma megaoperação de desintrusão, ainda convive com uma dificuldade adicional que é a atuação do próprio indígena nas atividades garimpeiras, conforme mostrou reportagem recente da Reuters.