Governo Bolsonaro: Incra precisa voltar a atender MST, reforça Ministério Público
Órgão fez nova recomendação ao Incra para que órgão volte a atender movimentos sociais. Em fevereiro, presidente do Incra decidiu não receber mais representantes de movimentos
No fim de fevereiro, o ouvidor nacional do Incra, e também coronel do Exército, João Miguel Souza Aguiar, enviou um ofício aos chefes do órgão nos Estados com uma mensagem simples: eles não deveriam mais atender representantes de movimentos que não tenham CNPJ, e nem "invasores de terras". A instrução, encaminhada em um ofício, atinge em cheio o Movimento dos Trabalhadores sem Terra (MST), já que este não possui um CNPJ único.
Nesta semana, o Ministério Público Federal (MPF) publicou uma nova recomendação para que o Incra volte a atender de forma simplificada e ágil os representantes dos movimentos sociais e os ocupantes de terras improdutivas, sob pena de ingressar com um processo contra o órgão. A recomendação foi feita pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), e aconteceu após algumas idas e vindas.
Uma semana depois do ofício de Aguiar, o governo recuou e disse que a ordem anterior não estava mais valendo: o memorando foi elaborado por "iniciativa própria", "sem a anuência da Presidência do Incra".
O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) é o órgão do governo que tem por objetivo destinar terras, assentar agricultores e cuidar do ordenamento fundiário do país.
Após assumir o governo em janeiro, Jair Bolsonaro subordinou o Incra ao Ministério da Agricultura e nomeou para a presidência do órgão o general do Exército Jesus Corrêa.
"Esclarecemos que não há a determinação do Governo Federal de suspender as ações das políticas de reforma agrária", disse o comando do Incra, em novo ofício. A mudança de orientação veio depois de uma primeira recomendação da PFDC/MPF sobre o assunto.
E então, no dia 08 de março, o Incra apresentou uma nova regra para os atendimentos aos representantes do MST e de outros movimentos sociais do campo. Os agricultores seriam recebidos, desde que solicitassem o encontro com antecedência e usando um formulário próprio. No formulário, o interessado precisa informar seus dados pessoais e "o número do processo administrativo ou judicial relacionado" ao caso, se existir.
Para o Ministério Público, a nova regra - criada por meio de uma portaria interna do Incra - é uma forma do órgão não atender os movimentos sociais do campo. O documento trata apenas de atendimentos a casos individuais. Além disso, criaria burocracia desnecessária justamente para dificultar o acesso ao Incra.
"A pretexto de regulamentar o atendimento, o texto (da nova portaria) foca no pleito particular. E reforça a mesma lógica, de atendimento individualizado, ou em nome de terceiros. Burocratiza muito o atendimento, claramente excluindo os movimentos", disse o procurador da República Julio José Araujo Junior à BBC News Brasil. Araujo é o coordenador do grupo de trabalho de reforma agrária da PFDC.
Na semana passada, a PFDC/MPF voltou a recomendar ao presidente do Incra a "imediata revogação da Portaria (...), pela sua desconformidade com a Constituição e com as leis acima referidas. E, ainda, que não adote qualquer medida no sentido de obstar ou prejudicar (o atendimento)".
"Advirta-se que a presente recomendação deve ser cumprida a partir do seu recebimento, sob pena das ações judiciais cabíveis, sem prejuízo da apuração da responsabilidade civil e criminal individual de agentes públicos", diz outro trecho do documento da PFDC. O documento é assinado pela titular da PFDC, Deborah Duprat, e por Julio José Araujo Junior.
A criação do Incra remete ao período da ditadura militar (1964-1985). O órgão foi criado em 1970 justamente para mediar os conflitos de terra que cresciam no campo, e para organizar o assentamento de agricultores do sul do país nas regiões Norte e Centro-Oeste. No governo de Jair Bolsonaro, passou a ser responsável também por demarcar terras indígenas e quilombolas.
A Ouvidoria Agrária, hoje ocupada por Aguiar, foi criada nos anos 1990 para intermediar e tentar pacificar uma série de conflitos agrários em andamento durante o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Sua principal função era a de ser um canal de diálogo entre governo, fazendeiros e movimentos como o MST.
Dentro da estrutura do Ministério da Agricultura, o órgão está subordinado ao Secretário Especial de Assuntos Fundiários, Luiz Antônio Nabhan Garcia.
A reportagem da BBC News Brasil procurou Nabhan Garcia por telefone e por mensagens de texto. O secretário chegou a atender a reportagem e disse que poderia falar dentro de uma hora - ele estava numa reunião. Nas ligações posteriores, porém, a reportagem não conseguiu completar o contato.
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