Imigrantes haitianos sofrem racismo e xenofobia no Brasil
Muitos haitianos vêm para o Brasil em busca de emprego e de condições mais seguras do que as de seu país, que sofre desde 2010 com as consequências de um terremoto que causou a morte de 300 mil pessoas. O Brasil optou por acolher esses imigrantes, oferecendo auxílio como alimentação, moradia e vistos provisórios de trabalho. Mas o grande número de imigrantes tem causado impasses, como o que aconteceu recentemente entre o Estado do Acre e a prefeitura da cidade de São Paulo.
A Casa do Migrante, pertencente à paróquia Nossa Senhora da Paz, acolhe há 75 anos pessoas de diversos países como Senegal, Paquistão, Congo e Haiti. Segundo a assistente social Monica Quenca, eles estão passando por diversas situações de preconceito no Brasil. Muitas empresas que recrutam esses migrantes estão fora da cidade de São Paulo, e é comum que alguém da Missão acompanhe os grupos até a estação rodoviária. Em uma dessas ocasiões, Monica estava com um grupo de 20 haitianos no metrô quando, ao sinal de fechar as portas, uma senhora pegou a bolsa de um deles e saiu. “Os outros passageiros acharam errada a minha indignação com a situação e me disseram que eu não tinha que ter pena de uma pessoa que nem deveria estar ali”, se referindo aos haitianos, e que “se eu estava com dó, deveria levar ele pra minha casa”, diz.
Segundo ela, só ao ver um grupo grande de estrangeiros, as pessoas já gritam coisas como "por que está trazendo essa gente pra cá?" e defendem que eles têm que ir embora daqui. Monica conta que isso é frequente, e que a questão é muito complexa, porque a imigração não vai parar, já que o Brasil tem interesse na vinda desses trabalhadores. De acordo com a assistente social, os haitianos são pessoas extremamente pacíficas, que demonstram uma capacidade de resiliência muito grande.
Muitos dos estrangeiros que ficam na Casa do Migrante vivenciam situações de preconceito, segundo a assistente social Josicleide Barbosa de Souza. A maioria tem medo de falar, mas dois deles aceitaram conversar com o Terra por telefone com a condição de não terem seus nomes publicados.
Os dois haitianos falam um pouco de português, estão aqui há cerca de seis meses. Eles têm 21 e 24 anos e vieram do Haiti para o Brasil porque querem estudar medicina e engenharia civil. Ambos são solteiros, mas têm família no Haiti. Um deles pensa em trazer os parentes para o Brasil depois de terminar os estudos, o outro diz que não pensou nisso ainda, que primeiro quer conseguir um emprego que lhe permita estudar ao mesmo tempo.
O preconceito, segundo eles, se manifesta de diversos modos - alguns brasileiros têm o hábito de chamá-los de gays. Um deles conta que, em uma dessas situações, um grupo de crianças, rindo muito, perguntou se ele não tinha sabonete, referindo-se à cor escura de sua pele. O outro conta que muitos aqui o chamam de "macaco" e de “outras coisas assim”. Ambos dizem que tentam ignorar o preconceito, fingem que não ouvem ou tentam não prestar atenção.
Segundo o mais novo, no Haiti, as pessoas não têm esse costume, riem dos outros mas fazem por brincadeira, entre amigos e não para ofender. Um deles diz que as pessoas que fazem isso são "más", mas quando acontece, tenta se manter tranquilo. Sentem falta da família e dos amigos, mas dizem que há brasileiros sempre dispostos a ajudar. Falam com esperança quando dizem que “um dia isso (o racismo) vai parar e eu vou continuar a viver aqui”. Até lá, dizem torcer para que “tudo vá do melhor modo”.
Do Haiti para o Rio Grande do Sul
Muitos haitianos encontraram emprego no interior do Rio Grande do Sul, em empresas que buscam os imigrantes em outras regiões do País como aconteceu com Dieufene Louis, empregado na área da construção.
Louis, de 37 anos, veio para o Brasil há dois anos, procurando trabalho. Fez a viagem sozinho, e entrou no País sem visto de trabalho. Na cidade de Manaus, foi selecionado para um emprego em Lajeado, no interior do Rio Grande do Sul. Ele conta que as maiores dificuldades foram no começo. “O mais difícil é o frio”, diz. A língua não foi um obstáculo, porque Louis fala espanhol e isso facilita a comunicação com os brasileiros. Os idiomas mais falados no Haiti são o francês e o crioulo, um dialeto falado em todo o país. Alguns haitianos também estudam inglês e espanhol, mas são poucos.
Nascido na capital Porto Príncipe, Louis diz que o racismo é algo que sempre acontece. Aqui no Brasil foram poucas vezes, conta ele que prefere esquecer as situações relacionadas com preconceito racial. Em uma das vezes em que foi ofendido, a pessoa que o agredia achou que ele não podia entender o que ela estava dizendo, já que muita gente na cidade gaúcha tem o hábito de misturar alemão com português ao falar . Mas ele entendeu e procurou a empresa para relatar o preconceito, que hoje já não se repete mais. Sobre as palavras que foram usadas, Louis diz que prefere esquecer, que escolheu “não dar importância para essas coisas”.
Louis conta que viajou para o Haiti em julho de 2013, para visitar o pai e os sete irmãos que vivem lá. Diz que não pretende voltar a morar no Haiti porque não existe emprego. Aqui, ele não se relaciona muito com os brasileiros, fala mais com os outros imigrantes. Segundo ele, isso não é por causa do racismo, e sim porque nunca sai de casa, apenas para ir e voltar ao trabalho. Louis conta que um amigo seu, também do Haiti, foi abordado na rua e agredido. “Bateram muito e ele teve que passar oito dias no hospital”, conta. Por causa disso, ele não sai : “Tenho medo que me aconteça alguma coisa aqui, longe da minha família”, diz. O medo não tem relação com o fato de ser negro ou estrangeiro, porque “a violência está em todos os lugares”, complementa.
Manasse Marotiere está no Brasil há dois anos. Passou pelo Panamá, Equador, Peru e Bolívia, até chegar ao Acre, onde esperou um mês pelos documentos que lhe permitiram trabalhar. Segundo o haitiano, em todo lugar existe preconceito, mas quando chegou à cidade de Bento Gonçalves, no interior do Rio Grande do Sul, achou muito complicado. “Todos os haitianos que chegam aqui dizem que sentem o preconceito”, conta. Manasse diz que é comum as pessoas atravessarem a rua para não andarem ao seu lado. “Isso é preconceito porque somos pretos, porque somos haitianos”, diz. Mesmo assim, ele quer ficar na cidade, onde atualmente mora com a esposa, também haitiana.