Impeachment no Rio: Quatro perguntas para entender o processo contra Marcelo Crivella
Vereadores discutem às 14h de hoje a abertura de um possível processo de impeachment contra o prefeito do Rio de Janeiro pelo PRB; entenda as motivações e possíveis consequências do processo.
Às 14h desta quinta-feira, os vereadores do Rio de Janeiro se reunirão para decidir se encerram o recesso do Legislativo local e dão início à análise de pedidos de impeachment do prefeito da segunda maior cidade do Brasil.
A discussão sobre o possível impedimento do prefeito eleito em 2016 começou depois de uma reportagem da semana passada do jornal O Globo, na qual Marcelo Crivella (PRB) foi gravado oferecendo ajuda a líderes religiosos evangélicos para conseguir cirurgias de catarata e varizes para seus fiéis, entre outras facilidades.
Na terça-feira, vereadores contrários a Crivella conseguiram as 17 assinaturas necessárias para convocar a sessão e iniciar o debate sobre o possível impeachment. As regras para uma eventual votação, porém, só serão conhecidas durante a sessão desta quinta - ainda não está claro se o andamento dos pedidos de impeachment dependerá da chancela prévia do presidente da Câmara de Vereadores, Jorge Felippe (MDB).
"O que a gente quer é que todos os vereadores tenham tempo de debater os áudios (da reunião de Crivella). E que, se a gente entrar em votação, que ela seja feita de forma pública, com cada vereador declarando o voto na tribuna. Queremos também saber quantas vezes Crivella fez este tipo de reunião. A agenda dele tem que ser pública", diz o vereador David Miranda (PSOL), que faz oposição a Crivella.
Já a prefeitura do Rio disse, em nota, que recebe "com tranquilidade" as notícias sobre a possível análise de pedidos de impeachment. "O prefeito do Rio, Marcelo Crivella, entende que protocolar pedido de impeachment faz parte do jogo político da oposição. Mas tem certeza [de] que tanto a Câmara de Vereadores quanto o Ministério Público vão saber separar o que é realidade do que é manipulação nesse caso", diz o texto.
A BBC traz abaixo um guia com quatro perguntas para entender a situação no Rio de Janeiro.
Se Crivella cair, o que acontece com a prefeitura do Rio?
Se os vereadores de fato decidirem abrir o processo de impeachment contra Crivella, o prefeito é afastado por até 90 dias, prazo dentro do qual o pedido tem que ser julgado definitivamente. Durante este período, a prefeitura fica a cargo do atual presidente da Câmara de Vereadores, Jorge Felippe (MDB).
O emedebista é o número 2 na linha de sucessão da prefeitura desde a morte do vice-prefeito, Fernando MacDowell, em maio.
Se Crivella vencer na Câmara de Vereadores, o processo é arquivado e ele volta ao cargo. Se perder, há dois resultados possíveis: caso o processo seja concluído antes do começo de julho de 2020, novas eleições são realizadas, e Jorge Felippe fica no cargo até a posse do novo prefeito. Mas, se o processo terminar com menos de seis meses de mandato restantes para Crivella, Felippe ficaria no cargo.
A Presidência da Câmara, comandada por Jorge Felippe, deve anunciar amanhã a forma como o pedido de impeachment será analisado - se a admissibilidade será votada diretamente pelos vereadores, ou se o precisará passar antes pelo crivo de Felippe, como aconteceu com o pedido de impeachment contra a ex-presidente Dilma Rousseff (PT), aceito em dezembro de 2015 pelo ex-deputado Eduardo Cunha (MDB) que presidia a Câmara dos Deputados.
Há também dúvidas sobre qual rito os vereadores vão seguir numa eventual votação sobre a admissibilidade do impeachment. Isto porque a Lei Orgânica da cidade do Rio determina que tanto a votação da admissibilidade quanto o escrutínio final exijam a maioria qualificada de dois terços - 34 dos 51 vereadores. Já a lei federal do impeachment, usada no caso de Dilma Rousseff, determina que a primeira votação ocorra por maioria simples, com 26 dos 51 representantes.
Quais são as chances de Crivella numa possível votação de impeachment?
Dos 19 partidos com representantes na Câmara de Vereadores, só dois fazem oposição aberta a Crivella: o PT (2 representantes) e o PSOL (6 cadeiras). E o prefeito do PRB tem se saído vitorioso até em votações de temas polêmicos e impopulares: em junho, aprovou um projeto que taxa as aposentadorias dos ex-servidores da Prefeitura. Foram 28 votos favoráveis e 20 contrários, o que sugere que este seja o tamanho atual da oposição a Crivella dentro da Câmara.
À BBC News Brasil, o vereador e ex-prefeito do Rio, Cesar Maia, ponderou que "numa votação dessas, com a opinião pública (atenta), é difícil prever (o resultado) extrapolando votações anteriores". Maia acrescenta que a bancada do DEM, hoje com quatro vereadores, ainda não tem posição definida.
A principal preocupação de Crivella, neste momento, é o MDB. O partido tem a maior bancada, com 9 representantes, e está rachado: abriga tanto o líder da situação, Dr. Jairinho, quanto o autor de um dos pedidos de impeachment, o vereador Átila Nunes.
O MDB é também o partido do presidente da Casa, Jorge Felippe, a quem caberão várias decisões importantes sobre o processo. Nos últimos dias, Felippe tem dado mostras de que pode jogar o peso de sua legenda a favor de Crivella - ele chegou a dizer ao jornal Extra que não existia "clima" para um impeachment agora.
O que motivou os pedidos de impeachment? Quantos são?
Estão em análise na Câmara de Vereadores do Rio dois pedidos de impeachment contra o prefeito. Foram formulados pelo Psol e pelo vereador Átila Nunes (MDB). Além disso, o Sindicato dos Servidores Públicos do Rio (Sisep) apresentou um terceiro pedido de impeachment à Justiça.
Os pedidos são motivados por uma reportagem publicada na última sexta-feira pelo jornal O Globo. A reportagem flagrou o prefeito numa reunião fora de sua agenda oficial, oferecendo ajuda a pastores e líderes de igrejas evangélicas para regularizar a isenção de IPTU em seus templos e para fazer cirurgias de catarata e remoção de varizes em fiéis - a fala do prefeito foi gravada de modo furtivo e publicada pelo jornal, além de reproduzida no texto dos repórteres Bruno Abbud e Berenice Seara.
Em outro âmbito, o Ministério Público local também recebeu representações contra o prefeito, e abriu investigações.
"Se os irmãos tiverem alguém na igreja com problema de catarata, se os irmãos conhecerem alguém, por favor falem com a Márcia. É só conversar com a Márcia que ela vai anotar, vai encaminhar, e daqui a uma semana ou duas eles estão operando", disse Crivella.
Crivella, que é bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd), promete ainda resolver pendências tributárias das igrejas. "Igreja não pode pagar IPTU, nem em caso de salão alugado. Mas se você não falar com o doutor Milton (assessor), esse processo (de isenção) pode demorar e demorar. Nós temos que aproveitar que Deus nos deu a oportunidade de estar na Prefeitura para esses processos andarem", diz ele.
"Contem conosco, este palácio está aberto a vocês. Qualquer coisa, nossa equipe está aqui. Se as igrejas estiverem bem, crescendo, quantas tragédias não vamos evitar?", diz o prefeito.
Além disso, Crivella estava acompanhado de ao menos um pré-candidato de seu partido, o PRB, à Câmara dos Deputados.
De quais crimes o prefeito é acusado?
Para os adversários de Crivella, a reportagem mostra que o prefeito rompeu com os princípios da imparcialidade e legalidade da administração pública, além da laicidade (separação entre governo e religião) e do crime de improbidade administrativa. No pedido assinado pelo deputado estadual Marcelo Freixo (Psol) e pela presidente do Psol do Rio, Isabel Lessa, o prefeito é acusado de "praticar ato incompatível com a dignidade e o decoro do cargo".
Ao comparecer ao evento acompanhado de um pré-candidato de seu partido, Crivella teria se usado da estrutura da prefeitura para favorecer o próprio grupo político, sustentam os opositores.
"Marcelo Crivella se utilizou indevidamente de bens e serviços da Prefeitura, em proveito próprio e alheio e, deste modo, procedeu de modo incompatível com a dignidade e o decoro do cargo, o que deve resultar na cassação do mandato do Prefeito", diz um trecho do pedido de impeachment de Freixo, que foi derrotado por Crivella no 2º turno das eleições de 2016.
"(O prefeito) não pode oferecer vantagens pessoais para os 'irmãos da igreja' operarem, nem para os 'pastores com problemas de IPTU', muito menos mudança de ponto de ônibus para porta da igreja. Marcelo Crivella violou o princípio do estado laico e da probidade na Administração", diz outro trecho.
Já Crivella argumenta que a reunião com os pastores foi apenas uma dentre várias do tipo realizadas por ele, com vários públicos. Não haveria, portanto, favorecimento. Crivella "já recebeu os mais diversos representantes da sociedade civil, para tratar dos mais variados assuntos, tanto em seu gabinete quanto no Palácio da Cidade", disse a prefeitura, em nota.