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Política

Indígenas denunciam Bolsonaro em Haia por genocídio

Pedido diz que presidente cometeu crimes contra a humanidade

9 ago 2021 - 08h31
(atualizado às 09h50)
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Pedido de investigação pelo Tribunal Penal Internacional alega que presidente cometeu crimes contra a humanidade e genocídio ao incentivar invasão de terras indígenas por garimpeiros e propagar covid, entre outras ações.O presidente Jair Bolsonaro pode ser o primeiro brasileiro a se tornar réu no Tribunal Penal Internacional (TPI), o principal órgão de Justiça das Nações Unidas. Um pedido de investigação por crimes contra a humanidade e genocídio praticados pelo presidente contra os povos indígenas foi protocolado na corte nesta nesta segunda-feira (09/08) pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).

Mulher indígena protesta contra Bolsonaro em Brasília, em junho de 2021
Mulher indígena protesta contra Bolsonaro em Brasília, em junho de 2021
Foto: DW / Deutsche Welle

O extenso documento enviado à instância internacional, redigido por advogados indígenas, apresenta uma série de discursos, decisões - e omissões - registradas desde 1º de janeiro de 2019, início do mandato de Bolsonaro, que comprovariam a intenção de extermínio dos povos originários.

"A gente demonstra a falta de demarcação de terras, incentivo do presidente à pratica de desmatamento, garimpo e mineração em territórios indígenas. Isso mostra que há, sim, indícios de crime de genocídio, já que esses eventos colaboram para a destruição dos povos, aumento da violência e morte", afirma a advogada Samara Pataxó em entrevista à DW Brasil.

Em dezembro do ano passado, o TPI iniciou formalmente, de forma preliminar, a avaliação de um outro pedido de investigação feito por advogados brasileiros. No fim de 2019, após o aumento do desmatamento e das queimadas na Amazônia, o Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos (Cadu) e a Comissão Arns enviaram uma comunicação ao tribunal alegando que os atos de Bolsonaro implicavam crimes contra a humanidade e incitação ao genocídio de indígenas.

"A nossa compreensão é de que, desde então, o presidente agravou os seus atos em relação aos direitos socioambientais e dos povos indígenas. Agora não se fala mais em incitação, mas em genocídio", detalha Eloísa Machado, advogada do Cadu que colaborou com a Apib.

A tramitação do pedido no TPI ainda é incerta e, caso avance, pode ser bastante longa. "A nossa expectativa é causar um impacto politico e social. Nós, indígenas, temos medo de retaliações, de ataques, o que se tornou comum neste governo. Mas esperamos que a sociedade veja que nós criamos formas de reagir e que nos apoie", comenta Pataxó. "Esperamos também que sirva de incentivo a outros grupos que estão sendo atacados."

Crimes de genocídio e contra a humanidade

Sediado em Haia, na Holanda, o TPl foi criado com base no Estatuto de Roma, assinado em 1998, para julgar crimes de guerra, crimes contra a humanidade, de genocídio e de agressão de forma independente dos Estados.

Segundo o artigo 6º do estatuto que rege o tribunal, são considerados genocídio "atos cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo étnico, racial ou religioso" - como homicídio; ofensas graves à integridade física ou mental de membros do grupo; sujeição intencional do grupo a condições de vida que provocam a sua destruição física, total ou parcial; medidas destinadas a impedir nascimentos; transferência à força de crianças.

São considerados crimes contra a humanidade, previstos no artigo 7º, ataques sistemáticos à população civil, como extermínio, tortura, escravidão, apartheid e outras condutas.

Para os advogados da Apib, Bolsonaro comete tais crimes ao incentivar a invasão de terras indígenas por garimpeiros e madeireiros; contrapor essas atividades, ressaltadas como "contribuições à economia brasileira", aos modos de existência indígenas; prometer liberar e legalizar o garimpo e não aplicar a legislação ambiental aos criminosos; não demarcar ou homologar terras indígenas; destruir a infraestrutura pública de garantia dos direitos indígenas e propagar a covid-19.

"Essa política afetou a vida, a saúde, a integridade e a própria existência dos povos indígenas no Brasil, com especial atenção para povos isolados ou de recente contato, os Mundukuru, os que vivem na Terra Indígena Yanomami, os Guarani-Mbya e Kaigang, os Guarani-Kaiowá, os Tikuna, os Guajajara e os Terena", diz o documento encaminhado ao TPI.

O que mostram os dados

Desde o início do mandato de Bolsonaro como presidente, a média do desmatamento na Amazônia cresceu 70% em relação à registrada entre 2009 e 2018 pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Entre agosto de 2019 e julho de 2020, a floresta perdeu uma área de 11 mil km², a maior taxa registrada em 12 anos.

O aumento dos conflitos e da violência, que culminou em crimes emblemáticos como o assassinato de guardiões da floresta como Paulino Guajajara, morto a tiros na Terra Indígena Arariboia, é apontando no levantamento anual feito pela Comissão Pastoral da Terra. Em 2020, das 18 lideranças de movimentos sociais por acesso à terra assassinadas no país, sete eram indígenas.

Além da disputa pelo território, o garimpo, mesmo sem regulamentação, já provoca graves problemas a essas populações, como surtos de malária e poluição ambiental, além de ataques. Em março último, a sede da Associação de Mulheres Munduruku Wakoborun, no Pará, foi depredada e incendiada por garimpeiros. No território Yanomami, na divisa entre Amazonas e Roraima, lideranças denunciam há meses a presença de mais de 20 mil invasores em busca de ouro, que já destruíram uma área estimada em mais de 500 campos de futebol.

"A disputa pelo território é a base sociológica da violência praticada contra os povos indígenas e suas lideranças", afirma o documento enviado ao TPI. "A política anti-indígena em curso no Brasil hoje é dolosa. São atos articulados, praticados de modo consistente durante os últimos dois anos, orientados pelo claro propósito da produção de uma nação brasileira sem indígenas, a ser atingida com a destruição desses povos, seja pela morte das pessoas por doença ou por homicídio, seja pela aniquilação de sua cultura, resultante de um processo de assimilação", alegam os advogados.

Atualmente, o país conta com 305 povos indígenas, 114 povos isolados e de recente contato, falantes de mais de 270 línguas diferentes. Eles habitam em torno de 1.300 terras indígenas - 408 delas formalmente reconhecidas pelo Estado.

Próximos passos

O pedido de investigação deve ser encaminhado ao gabinete da procuradoria do TPI, que faz uma análise preliminar. Ele só se transformará numa ação penal caso a procuradoria entenda que houve de fato os delitos alegados. Do contrário, o pedido é arquivado.

"No TPI vale o Principio da Complementariedade: a responsabilidade primeira para punir indivíduos que cometeram crimes de altíssima gravidade é do Estado. Se o Estado não pode, ou não quer punir, o TPI tem jurisdição para julgar", explica André de Carvalho Ramos, professor de Direito Internacional da Universidade de São Paulo (USP). "E quem decide se o Estado não pode ou não quer julgar é o próprio TPI", adiciona.

O Brasil reconheceu em 2002 a jurisdição da corte internacional, o que, segundo o entendimento de Ramos, possibilita a entrega de um brasileiro nato caso haja uma ordem do TPI. "Nesses crimes de alta gravidade não há qualquer tipo de imunidade", diz o professor, mencionando o Estatuto de Roma.

Na avaliação de Ramos, o pedido de abertura de investigação no TPI pode funcionar como um alerta, uma espécie de apelo, para que o sistema de Justiça brasileiro priorize essa demanda. "Quando envolve os povos indígenas, a relevância é evidente. É a questão de sobrevivência de um grupo importante", comenta.

Para os advogados que recorrem à instância internacional, não se trata de ganhar a ação. "A gente quer que Bolsonaro pare de promover crimes contra povos indígenas, que cesse a perseguição, o extermínio, essa politica de destruição ambiental", ressalta Eloísa Machado.

Deutsche Welle A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas.
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