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Jovem e negro é perfil dos que mais morrem de forma violenta

2 jul 2014 - 12h43
(atualizado às 12h44)
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Em média, 100 a cada 1 mil jovens com idade entre 19 e 26 anos morreram de forma violenta no Brasil em 2012, mostra o Mapa da Violência 2014, que considera morte violenta a resultante de homicídios, suicídios ou acidentes de transporte (que incluem mortes aéreas e marinhas, além das que ocorrem nas vias terrestres de circulação). O estudo mostra ainda que a situação não é nova. Nos anos 1980, a taxa era 146 mortes por 100 mil jovens, e passou para 149, em 2012. A diferença também é diagnosticada quando comparados homens e mulheres. Entre 1980 e 2012, no total das mulheres, as taxas passam de 2,3 para 4,8 homicídios por 100 mil. Um crescimento de 111%. Entre os homens, a taxa passa de 21,2 para 54,3. Um aumento de 156%.

No caso dos suicídios, a pesquisa revela mortalidade três a quatro vezes maior no caso dos homens, no Brasil. Entre as décadas citadas, as taxas masculinas cresceram 84,9%. Já as femininas, 15,8%.

Uma terceira variável chama a atenção na pesquisa: a vitimização dos negros é bem maior que a de brancos. Morreram proporcionalmente 146,5% mais negros do que brancos no Brasil, em 2012. Considerando a década entre 2002 e 2012, a vitimização negra, isso é, a comparação da taxa de morte desse segmento com a da população branca, mais que duplicou.

Segundo o responsável pela análise, Julio Jacobo Waiselfisz, coordenador da Área de Estudos da Violência da Faculdade Latino-Americana de Ciências, o recorte racial ajuda a explicar o fato de não ter se verificado na pesquisa grandes mudanças nas taxas globais de homicídios, embora o número registrado a cada ano tenha aumentado. Os brancos têm morrido menos. Os negros, mais. Entre 2002 e 2012, por exemplo, o número de homicídios de jovens brancos caiu 32,3% e o dos jovens negros aumentou 32,4%.

De acordo com Jacobo, essa seletividade foi construída por diversos mecanismos, entre os quais o desenvolvimento de políticas públicas de enfrentamento à violência em áreas onde havia mais população branca do que negra, bem como o acesso, por parte dos brancos, à segurança privada. Assim, os negros são excluídos duplamente - pelo Estado e por causa do poder aquisitivo. “Isso faz com que seja mais difícil a morte de um branco do que a de um negro”, destaca o sociólogo.

Ele alerta que essa situação não pode ser encarada com naturalidade pela população brasileira. “Não pode haver a culpabilização da vítima”, diz Jacobo, para quem o preconceito acaba justificando a violência contra setores vulneráveis. O sociólogo, que em 2013 recebeu o Prêmio Nacional de Segurança Pública e Direitos Humanos da Presidência da República, defende o estabelecimento de políticas de proteção específicas, que respeitem os direitos dos diferentes grupos e busquem garantir a vida da população.

2012 registra recorde de violência

Em 2012, 112.709 pessoas morreram em situações de violência no País. O número equivale a 58,1 habitantes a cada grupo de 100 mil, e é o maior da série histórica do estudo, divulgado a cada dois anos. Desse total, 56.337 foram vítimas de homicídio, 46.051, de acidentes de transporte, e 10.321, de suicídios. Entre 2002 e 2012, o número total de homicídios registrados pelo Sistema de Informações de Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, passou de 49.695 para 56.337, também o maior número registrado. 

Segundo Jacobo, ainda não é possível saber “se o que ocorreu em 2012 foi um surto que vai terminar rapidamente ou se realmente está sendo inaugurado novo ciclo ou nova tendência”. Ele lista situações que podem ter gerado o aumento, como greves de agentes das forças de segurança ou ataques de grupos criminosos organizados.

Uma tendência já confirmada é a disseminação da violência nas diferentes regiões e cidades. Entre 2002 e 2012, os quantitativos só não cresceram no Sudeste. As regiões Norte e Nordeste experimentaram aumento exponencial da violência. No Norte, por exemplo, foram registrados 6.098 homicídios em 2012, mais que o dobro dos 2.937 verificados em 2002. O Amazonas, Pará e Tocantins tiveram o dobro de assassinatos registrados no mesmo intervalo de tempo. No Nordeste, o Maranhão, a Bahia e o Rio Grande do Norte mais que triplicaram os homicídios.

Na década, o Sul e o Centro-Oeste tiveram incrementos percentuais de 41,2% e 49,8%, respectivamente. No Sudeste, a situação foi mais variada, com diminuição significativa em Estados importantes, como o Rio de Janeiro e São Paulo. Já em Minas Gerais, os homicídios cresceram 52,3% entre 2002 e 2012.

As desigualdades são vivenciadas entre as regiões e também dentro dos Estados. Nenhuma capital, em 2012, teve taxa de homicídio abaixo do nível epidêmico, segundo o Mapa da Violência. Todas as capitais do Nordeste registraram mais de 100 homicídios por 100 mil jovens. Maceió, a mais violenta, passou dos 200 homicídios. No outro extremo, São Paulo, com a menor taxa entre as capitais, ainda assim registra o número de 28,7 jovens assassinados por cada 100 mil.

O balanço da década mostra, contudo, que não é possível afirmar que há tendência comum de crescimento. Entre 2002 e 2012, as capitais evidenciaram queda de 15,4%, com destaque para meados dos anos 2000, quando a redução foi mais expressiva, o que, segundo o organizador, comprova que a situação pode ser enfrentada com políticas públicas efetivas.

Em cidades do interior, o número tem crescido. Jocobo disse que são especialmente os municípios de pequeno e de médio porte os que têm sofrido com a nova situação. Ele cita dois possíveis motivos para isso: por um lado, o investimento financeiro em políticas públicas nos grandes centros urbanos, como Rio e São Paulo, ajudaram a diminuir a violência. Por outro, houve o desenvolvimento de novos polos econômicos no interior, que atraíram investimentos e também criminalidade, “sem a proteção do Estado como nas outras cidades”.

Acidentes de trânsito

Se o País precisará esperar alguns anos para verificar o comportamento das taxas de homicídios, no caso dos acidentes de transporte há pouca ou quase nenhuma dúvida, dado o crescimento dos registros, à revelia das leis de trânsito que, na década de 1980, foram responsáveis pela redução desses acidentes.

As principais vítimas, segundo o estudo, são os motociclistas. Em 1996, foram 1.421 óbitos. Em 2012, 16.223. A diferença representa cerca de 1.041% de crescimento. Há “uma linha reta desde o ano de 1998, com um crescimento sistemático de 15% ao ano”, conforme a pesquisa.

Segundo o sociólogo responsável pela publicação, a situação é fruto “de um esquema ideológico que apresentou a motocicleta como carro do povo, por ser econômica, de fácil manutenção”. Assim, “em vez de se investir em transporte público, o trabalhador pagaria sua própria mobilidade”. E mais, fez dela o seu trabalho, seja como motoboy, entregador ou mototaxista, “em situação de escassa educação no trânsito, pouca capacidade de fiscalização e baixa legislação”, avalia Julio Jacobo Waiselfisz.

Ao todo, foram registradas 46.051 mortes por acidentes de transporte em 2012,  2,4% a mais que em 2011. Os dados oficiais reunidos para o estudo mostram que ocorreram, naquele ano, 426 mil acidentes com vítimas, que devem ter ocasionado lesões em 601 mil pessoas. A situação “é muito séria e grave”, alerta o autor do trabalho, que destaca que é preciso lembrar que “o cidadão tem o direito a uma mobilidade segura e é obrigação do Estado oferecê-la”.

O suicídio também teve aumento na taxa de crescimento. Diferentemente das outras situações, a elevação vem se dando desde os anos 1980. Conforme o relatório, o aumento foi 2,7% entre 1980 e 1990; 18,8%, entre 1990 e 2000; e 33,3%, entre 2000 e 2012. Nesse caso, a idade das pessoas envolvidas é também menos precisa. Tanto jovens quanto idosos têm sido vítimas.

Com a publicação do estudo, feito com o apoio da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, da Secretaria Nacional de Juventude e da Secretaria-Geral da Presidência da República, espera-se, conforme o texto, “fornecer subsídios para que as diversas instâncias da sociedade civil e do aparelho governamental aprofundem sua leitura de uma realidade que, como os próprios dados evidenciam, é altamente preocupante”.

Agência Brasil Agência Brasil
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