Junho de 2013, o mês que não acabou
Da ira popular com aumento de passagens, cinco anos atrás, gerou-se um dos maiores protestos desde o fim da ditadura militar no Brasil. Se algo daquilo sobreviveu até hoje, é a desilusão com a política.No início de junho de 2013, dificilmente alguém no Brasil poderia imaginar que semanas tão agitadas estivessem à frente. A economia ia bem, o nível de desemprego andava baixo. Milhões de famílias antes pobres haviam ascendido à classe média desde a posse do governo Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003.
Na noite de 20 de junho de 2013, centenas de milhares de brasileiros subitamente tomaram as ruas do Rio de Janeiro, São Paulo e outras metrópoles. A um ano da abertura da Copa do Mundo em seu próprio país, os manifestantes exigiam, em face das caras arenas esportivas construídas, finalmente também escolas, hospitais e um transporte público urbano "padrão Fifa".
Mas não se confiava que a classe política, percebida como totalmente corrupta, fosse capaz de realizar as mudanças. "Sem partidos, sem bandeiras", entoavam milhões de cidadãos. O junho de 2013 foi uma miscelânea dos mais diversos movimentos de base, unidos por um único ponto: a sensação de que a política não os representava mais.
"Em junho de 2013, tinha tudo na rua, era muito heterogêneo, com pautas muito progressistas, pautas da esquerda, mas já tinha pautas da direita, como o combate à corrupção", recorda a socióloga Esther Solano, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). "E tinha um discurso antipolítico, com queima de bandeiras, com gritos de não ter partidos políticos, que se manifesta muito mais forte agora, cinco anos depois. O ano de 2013 já tinha o germe do momento atual."
Cinco anos após os protestos de massa, nenhuma das expectativas postuladas na época se cumpriu. As promessas de reforma não foram mantidas. Em vez disso, no terceiro trimestre de 2013, a polícia reprimiu com violência os protestos.
"Parece que os atores políticos, que estavam no comando, não entenderam o que foi esse movimento", acredita a advogada Camila Marques, do grupo pró-direitos humanos Artigo 19. "Todo o esforço feito em 2013 por esses atores foi no sentido de abafar as vozes, ao invés de compreender e entender o cenário que estava se dando nas ruas."
Era o princípio de uma série de experiências traumáticas para a sociedade brasileira. A partir do começo de 2014, as investigações de corrupção da Operação Lava Jato fizeram cair empresários e políticos poderosos - e, com eles, a crença no sistema político do Brasil.
Além disso, no fim daquele ano veio a batalha eleitoral entre a presidente Dilma Rousseff e seu adversário Aécio Neves, travada com dureza extrema, dividindo de vez o país. E dessa briga não estavam as reivindicações do junho de 2013.
"O espirito de 2013 já morreu em 2014, nas eleições. O candidato da oposição, Aécio Neves, era da velha política, e Dilma Rousseff aplicava depois da sua vitória um surpreendente projeto politico neoliberal", relata a socióloga Esther Solando.
Depois que, em 2015, ainda por cima, a economia caiu em recessão, a nova onda de descontentamento de maio de 2016 varreu Dilma do cargo. "Grupos da direita se aproveitaram dessa energia das ruas e a canalizaram para seus próprios protestos, em favor do impeachment de Dilma Roussseff", resume Solano. "Isso, porque a esquerda, e principalmente o PT, não soube responder a esse mal estar das ruas."
Sobrou o sentimento de que a política não tem nenhuma solução pronta. Diante das eleições de outubro, esse é um cenário preocupante.
"Evidentemente está presente hoje a ideia de não se identificar com o sistema político e as lideranças, e por isso muita gente vai votar branco e nulo, como já fizeram nas eleições municipais de 2016", antecipa o cientista político Ricardo Ismael, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ). "E se não houver algum nível de confiança entre a sociedade e a nova liderança que vai ser eleita, as coisas podem demorar muito mais para serem resolvidas."
Hoje em dia o país está mais dividido do que nunca: o impeachment, percebido por uma parte da população como golpe, e a condenação do ex-presidente Lula por corrupção acentuaram um racha na sociedade.
"Não me preocupo tanto com a esquerda, pois o Lula, mesmo preso, ainda tem sua força de transferência de votos para um outro candidato", diz Solano. "O que me preocupa bastante é a centro-direita, que não tem um candidato forte. O perigo é que esses votos se desloquem para a extrema direita, para Jair Bolsonaro."
O autodeclarado outsider do mundo político se aproveita da frustração política de muitos brasileiros e tira sua força da decadência dos partidos tradicionais. Se algo sobreviveu até hoje dos protestos de junho de 2013, é a desilusão com a política. E com ela, a disposição a eleger um candidato que nega a própria política. Um cenário nada animador para o país abalado por crises.
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