Justiça intima Bolsonaro a se manifestar sobre celebração do golpe
Juíza dá cinco dias para presidente se pronunciar no âmbito de ação que tenta barrar as comemorações de 31 de março. Bolsonaro volta a dizer que não houve ditadura, enquanto vítimas apelam ao STF para que proíba festejo.A juíza federal Ivani da Silva Luz, da 6ª Vara de Brasília, determinou que o presidente Jair Bolsonaro e a União se manifestem no âmbito de uma ação popular que busca impedir as comemorações de aniversário do golpe de 1964 determinadas pelo governo federal.
A magistrada se refere à ação movida na terça-feira (26/03) pelo advogado Carlos Alexandre Klomfahs, que pede para que sejam proibidos os festejos em 31 de março para lembrar o início da ditadura militar no Brasil, a 55 anos atrás.
A Defensoria Pública da União apresentou horas depois uma ação civil pública idêntica à do advogado, mas a juíza ainda não despachou nesse segundo processo.
Em intimação proferida na terça-feira, Silva Luz deu cinco dias, contados a partir da notificação, para que Bolsonaro e a União se pronunciem sobre o caso. "É imprescindível a oitiva preliminar dos réus, em homenagem aos princípios do contraditório e da ampla defesa", justificou.
O prazo concedido pela juíza, contudo, torna difícil que uma decisão seja tomada antes das comemorações de 31 de março. Por ser um domingo, os festejos devem ser celebrados na sexta-feira, conforme consta na agenda do comandante do Exército, general Edson Leal Pujol. Uma cerimônia às 8h do dia 29 aparece como "solenidade comemorativa ao dia 31 de março de 1964".
Na ação popular, o advogado Klomfahs afirma haver um "problema incontornável quanto à violação à moralidade administrativa" e pede que as celebrações nos quartéis sejam proibidas, sob pena de multa diária de 50 mil reais.
A Defensoria Pública, por sua vez, diz em sua ação que são de conhecimento público os "horrores" vividos durante a ditadura no Brasil, mencionando relatórios da Comissão da Verdade e dados sobre mortos, torturados e desaparecidos no período, que se estendeu de 1964 a 1985.
O órgão argumenta ainda que comemorar um regime que perseguiu, torturou e assassinou pessoas violaria a moralidade administrativa, bem como a memória coletiva, estimulando "que novos golpes e rupturas democráticas ocorram" e atentando contra a democracia e o Estado de Direito.
Nesta quarta-feira, vítimas e parentes de vítimas da ditadura, bem como o instituto Vladimir Herzog, se somaram ao coro e pediram ao Supremo Tribunal Federal (STF) que conceda uma liminar impedindo as comemorações autorizadas pelo presidente. O caso está sob análise do ministro Gilmar Mendes.
Entre os autores do texto estão familiares do jornalista Vladimir Herzog, assassinado durante a ditadura; a militante de esquerda Maria Amélia de Almeida Teles, torturada pelo coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, e seus dois filhos, que viram os pais sofrerem tortura; e a militante Crimeia Alice Almeida, presa e torturada enquanto estava grávida de seis meses.
Bolsonaro: "Não houve ditadura"
A data havia sido retirada do calendário oficial de comemorações do Exército em 2011 por determinação da ex-presidente Dilma Rousseff, que foi torturada no regime ditatorial. Agora, com Bolsonaro na Presidência e diversos militares ocupando cargos ministeriais, a volta do 31 de março ao calendário oficial do Exército estaria sendo avaliada pelas Forças Armadas.
O período da ditadura, que se estendeu de 1964 a 1985, teve início com a derrubada do governo do então presidente democraticamente eleito, João Goulart, e foi marcado por censura à imprensa, fim das eleições diretas para presidente, fechamento do Congresso Nacional, tortura de dissidentes e cassação de direitos.
Bolsonaro sempre afirmou que o período de 21 anos não foi uma ditadura. Durante a votação do impeachment de Dilma, ele chegou a homenagear o coronel Ustra, reconhecido pela Justiça de São Paulo como torturador durante o regime militar.
Nesta quarta-feira, em entrevista à TV Bandeirantes, o presidente voltou a afirmar que não houve ditadura no Brasil e disse que todo regime tem alguns "probleminhas".
"Temos de conhecer a verdade. Não quer dizer que foi uma maravilha, não foi uma maravilha regime nenhum. Qual casamento é uma maravilha? De vez em quando tem um probleminha, é coisa rara um casal não ter um problema, tá certo?", disse ele ao jornalista José Luiz Datena.
Bolsonaro ainda afirmou que o processo de entrega do poder para os civis por parte dos militares, ao fim do regime militar, prova que não houve ditadura comandada pelas Forças Armadas no Brasil. "Onde você viu uma ditadura entregar para a oposição de forma pacífica o governo? Só no Brasil. Então, não houve ditadura."
Cúpula militar e ministro ecoam opinião
A posição do presidente ecoa em seu governo, que reúne o maior número de ministros militares desde a ditadura. O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, disse nesta quarta-feira que não considera que tenha havido um golpe militar em 1964.
"Não considero um golpe. Considero que foi um movimento necessário para que o Brasil não se tornasse uma ditadura. Não tenho a menor dúvida disso. Essa é minha leitura da história", afirmou Araújo em seu primeiro comparecimento à Comissão de Relações Exteriores da Câmara.
Em tom mais sóbrio, a cúpula militar brasileira também defendeu o "papel desempenhado por aqueles que, ao se depararem com os desafios próprios da época, agiram conforme os anseios da nação brasileira" em 31 de março de 1964.
O trecho consta em um texto divulgado pelo Ministério da Defesa e assinado pelo ministro da pasta, general Fernando Azevedo e Silva, e os comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, referente à "ordem do dia alusiva ao 31 de março de 1964".
O texto se distancia das "comemorações" determinadas por Bolsonaro e celebra a "transição para uma democracia" viabilizada pela Lei de Anistia de 1979. Por outro lado, defende que os militares agiram de forma constitucional ao depor o presidente João Goulart e evita chamar o regime militar de ditadura, em linha com o presidente.
EK/ots
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