Liberdade de deputado bolsonarista preso depende do mesmo Congresso que ele defendeu fechar
Parlamentar foi alvo de mandado de prisão em flagrante expedido por ministro Alexandre de Moraes, do STF, devido a vídeo em que ataca integrantes da Corte.
Embora tenha feito apologia ao AI-5, decreto da ditadura militar que fechou o Congresso e institucionalizou a censura, no vídeo que motivou sua prisão, o deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) disse, por meio de sua defesa, ser vítima de um "violento ataque à liberdade de expressão" e agora depende da própria Câmara dos Deputados decidir por sua liberdade.
Silveira foi preso na noite de terça-feira (16/2) por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Horas antes, ele havia gravado um vídeo com ofensas e ameaças contra os ministros do tribunal. Essa decisão de prendê-lo foi de ofício, ou seja, sem um pedido prévio da Procuradoria-Geral da República (PGR) ou da Polícia Federal, como costuma ocorrer no rito processual brasileiro.
Isso gerou críticas de parte do Congresso à decisão de Moraes, mas a legalidade da prisão foi referendada de forma unânime no dia seguinte pelos outros 10 ministros do STF.
Assim que o tribunal concluiu a votação, a PGR denunciou o deputado federal ao próprio Supremo. A denúncia foi feita no âmbito do inquérito dos atos antidemocráticos, que investiga a organização e o financiamento de atos que defendem o fechamento do Congresso e do STF.
Segundo os procuradores, as declarações de Silveira não estão protegidas pela imunidade parlamentar, ou seja, ele pode ser punido por elas. A PGR argumenta que desde que se tornou alvo de investigação, o deputado bolsonarista adotou como estratégia deliberada atacar ministros do Supremo com agressões verbais e graves ameaças com o objetivo de intimidá-los, já que caberá ao tribunal julgá-lo.
Se o plenário do Supremo aceitar a denúncia, o deputado se tornará réu. O julgamento ainda não tem data marcada.
Apoiador ferrenho do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e uma das principais vozes de sua "base ideológica" na Câmara dos Deputados, o deputado é alvo de dois inquéritos na Corte —um investiga atos antidemocráticos e o outro, espalhamento de fake news.
Moraes é relator de ambos os casos, e a ordem de prisão contra Silveira foi expedida na investigação sobre notícias falsas.
Como se trata da prisão de um deputado federal, a decisão precisa ser avaliada pelo Plenário da Câmara, que tem o poder de derrubá-la. A manutenção da prisão depende de maioria simples (ou 257 votos) e deve ser definida nesta quinta-feira (18/2).
A votação deve ser aberta, segundo entendimento manifestado pelo STF em uma ADI (ação direta de inconstitucionalidade) de 2017.
"Autos da prisão em flagrante delito por crime inafiançável ou a decisão judicial de imposição de medidas cautelares que impossibilitem, direta ou indiretamente, o pleno e regular exercício do mandato parlamentar e de suas funções legislativas, serão remetidos dentro de vinte e quatro horas a Casa respectiva, nos termos do §2º do artigo 53 da Constituição Federal, para que, pelo voto nominal e aberto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão ou a medida cautelar", diz um dos pontos desse acórdão.
"O que quero saber é quando que vocês vão lá prender o general Villas Bôas. Eu queria saber o que que você [Fachin] vai fazer com os generais? Os homenzinhos de botão dourado, lembra? Você lembra do AI-5 [Ato Institucional nº 5]. Você lembra. Para. Eu sei que você lembra", diz Silveira no vídeo que motivou sua prisão.
"Ato Institucional número 5, de um total de 17 atos institucionais. Você lembra. Você era militante lá do PT, partido comunista. Você era da aliança comunista do Brasil. Militante idiotizado, lobotomizado, que atacava militares junto com a Dilma [Rousseff], aquela ladra", acrescenta ele.
O Ato Institucional nº 5, decretado em 13 de dezembro de 1968 durante o governo de Artur da Costa e Silva, é entendido como o marco que inaugurou o período mais violento da ditadura militar (1964-85) no Brasil.
O decreto institucionalizou a repressão, a censura e a perseguição a oponentes políticos — a liberdade de expressão, portanto, deixou na prática de existir.
Por meio dele, o regime ganhou uma série de poderes, como: fechar o Congresso Nacional, cassar mandatos eletivos, suspender por dez anos os direitos políticos de qualquer cidadão, intervir em Estados e municípios, decretar confisco de bens por enriquecimento ilícito e suspender o direito de habeas corpus para crimes políticos.
Críticas a Fachin
O ponto de partida para o vídeo de Silveira foi a manifestação do ministro do STF Edson Fachin, que havia criticado na segunda-feira (15/2) a tentativa de interferência de militares no Poder Judiciário.
Fachin havia dito ser "intolerável e inaceitável qualquer tipo de pressão injurídica sobre o Poder Judiciário".
O comentário do ministro foi feito após divulgação de trecho de livro no qual o ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas diz que discutiu com Alto Comando da Força uma postagem, que muitos consideraram uma ameaça, às vésperas do julgamento de habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em 2018.
No vídeo, Silveira usa palavras de baixo calão contra Fachin e outros ministros do Supremo, acusa-os de vender sentenças e sugere agredi-los.
"Hoje você se sente ofendidinho, dizendo que é pressão sobre o Judiciário, é inaceitável. Vá lá, prende Villas Bôas. Seja homem uma vez na tua vida, vai lá e prende Villas Bôas. Seja homem uma vez na tua vida, vai lá e prende Villas Bôas. Fala pro Alexandre de Moraes, o homenzão, o fodão, vai lá e manda ele prender o Villas Bôas."
"Vai lá e prende um general do Exército. Eu quero ver, Fachin. Você, Alexandre de Moraes, Marco Aurélio Mello, Gilmar Mendes, o que solta os bandidos o tempo todo. Toda hora dá um habeas corpus, vende um habeas corpus, vende sentenças", acrescentou.
Silveira depois diz ofensas e palavras de baixo calão ao se referir aos ministros. Acusou Fachin de ser "militante do PT" e de partidos e nações "narcoditadoras".
"Foi aí levado ao cargo de ministro porque um presidente socialista resolveu colocá-lo na Suprema Corte para que ele proteja o arcabouço do crime no Brasil, que é a Suprema, a nossa Suprema, que de suprema nada tem."
Silveira diz ainda ter "imaginado" o ministro e seus colegas da corte levando uma "surra".
"Por várias e várias vezes já te imaginei levando uma surra. Quantas vezes eu imaginei você e todos os integrantes dessa corte aí. Quantas vezes eu imaginei você, na rua, levando uma surra. O que você vai falar? Que eu tô fomentando a violência? Não, só imaginei", diz Silveira no vídeo.
"Ainda que eu premeditasse, ainda assim não seria crime, você sabe que não seria crime. Você é um jurista pífio, mas sabe que esse mínimo é previsível. Então qualquer cidadão que conjecturar uma surra bem dada nessa sua cara com um gato morto até ele miar, de preferência após a refeição, não é crime."
No vídeo, o deputado bolsonarista também defende a destituição dos ministros.
"Suprema Corte é o cacete. Na minha opinião, vocês [ministros do STF] já deveriam ter sido destituídos do posto de vocês e uma nova nomeação convocada e feita de 11 novos ministros. Vocês nunca mereceram estar aí. E vários que já passaram também não mereciam. Vocês são intragáveis, inaceitável, intolerável, Fachin", diz.
Na quarta-feira (17), o YouTube removeu vídeo do canal de Silveira por "violar a política sobre assédio e bullying" da plataforma.
No dia anterior, Moraes havia determinado o bloqueio imediato do material e impôs multa diária de R$ 100 mil caso a decisão não fosse cumprida.
Defesa fala em ataque à liberdade de expressão
Sobre a prisão, a defesa de Silveira afirmou, em nota divulgada na quarta-feira (17/2), que ela representa um "violento ataque" à liberdade de expressão e que tem evidente teor político.
Os advogados de Silveira argumentam que sua fala não configura crime, "uma vez que acobertados pela inviolabilidade de palavras, opiniões e votos que a Constituição garante aos deputados federais e senadores".
"A prisão do deputado representa não apenas um violento ataque à sua imunidade material, mas também ao próprio exercício do direito à liberdade de expressão e aos princípios basilares que regem o processo penal brasileiro", diz o comunicado da defesa.
A defesa do deputado afirmou que confia em sua soltura e que não vai tentar um habeas corpus.
Deputado federal desde 2019, Silveira atuava como policial militar no Rio de Janeiro antes de ser eleito.
Durante a campanha de 2018, ao lado do hoje governador afastado Wilson Witzel (PSC-RJ), e do atual deputado estadual Rodrigo Amorim (PSL-RJ), ele quebrou uma placa com o nome da vereadora Marielle Franco, assassinada em março daquele ano.
Em seu perfil no Twitter, Silveira se descreve como "Policial militar, Conservador, bacharelando em Direito, Deputado Federal, totalmente parcial e ideológico".
Ele também usa uma frase em latim "Non ducor duco" ("Não sou conduzido, conduzo).