Lista de Fachin pode abrir ainda mais espaço para 'outsiders' e igrejas, dizem analistas
A autorização do ministro Edson Fachin, do STF (Supremo Tribunal Federal), para que sejam investigados oito ministros, 63 congressistas e três governadores citados nas delações da Odebrecht pode abrir ainda mais espaço na política para candidatos que se apresentem como "outsiders" e igrejas, segundo analistas ouvidos pela BBC Brasil.
Na terça-feira, Fachin deu sinal verde às investigações, que afetarão grande parte dos mais poderosos políticos e dirigentes partidários brasileiros. O ministro também enviou a instâncias inferiores pedidos para investigar outras duas centenas de pessoas, entre os quais os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.
Vice-diretora do Instituto de Ciência Política da UnB (Universidade de Brasília), Flávia Biroli diz que as investigações expõem mais do que um caso de corrupção, e sim "como o Estado brasileiro é permeável à influência dos interesses empresariais".
Nesse cenário, diz ela, "quando os partidos se enfraquecem e há uma percepção de que o sistema está corrompido, podem se fortalecer atores individuais que se dizem independentes do sistema".
Entre essas figuras a professora lista o prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), e o deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ). Cotados como presidenciáveis, os dois costumam criticar a política tradicional e se apresentar como alheios ao sistema.
Biroli diz, porém, que tanto Doria quanto Bolsonaro "têm uma relação genética com a política, seja via empresariado ou via política partidária".
Ela afirma que, quando a política partidária perde legitimidade, igrejas também ganham força "como canais para a construção de carreiras políticas".
"Me preocupam os atores que, surfando na ideia da apolítica, possam trazer para a política soluções não democráticas."
Renovação?
Também professor de Ciência Política da UnB, David Fleischer diz que as investigações baseadas nas delações da Odebrecht podem levar a uma renovação de até 70% da Câmara dos Deputados na próxima eleição, em 2018. Normalmente esse índice é próximo de 50%, segundo ele.
Fleischer afirma, no entanto, que a renovação poderá ser limitada se os parlamentares aprovarem algumas reformas políticas que estão em discussão.
Uma das principais propostas instituiria, na eleição para a Câmara dos Deputados, o voto em listas definidas pelos partidos. Hoje o voto para deputado é em políticos individuais.
Com a mudança, dirigentes partidários investigados pela Lava Jato teriam mais chances de se reeleger, pois provavelmente estariam entre os primeiros nas listas de suas siglas.
Para Fleischer, os mais cotados a ocupar as vagas de políticos investigados são deputados estaduais.
Mas ele diz que também pode haver mais espaço para figuras como Doria e o prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil (PHS), outro empresário a se lançar recentemente na política institucional.
Fleischer diz que partidos menores não afetados pelas denúncias, como PSOL e Rede, terão dificuldades para ocupar eventuais espaços deixados pelos grandes.
Ele lembra que, na eleição municipal em 2016, as duas siglas não conseguiram aumentar seus números de prefeitos e vereadores, embora naquela época a Lava Jato já estivesse golpeando os partidos tradicionais.
Fragilidade
Para Pedro Arruda, professor de ciência política da PUC-SP, as investigações não devem mudar a correlação de forças em Brasília no curto prazo.
Ele diz que pode levar vários anos até que os casos sejam julgados e que muitos políticos alvos de inquéritos "já estavam envolvidos de alguma maneira em denúncias de corrupção".
Mas as investigações debilitam o governo Michel Temer, afirma Arruda, por envolver oito ministros, os presidentes da Câmara e do Senado e os principais dirigentes tucanos e do PMDB, fazendo "com que o governo tenha pouca legitimidade para aprovar as reformas que vem tentando".
O professor diz que um impacto provável das delações é a saída do senador Aécio Neves (PSDB-MG) da lista de candidatos à Presidência em 2018.
Alvo de cinco inquéritos no STF, Aécio "ficou muito fragilizado dentro do partido", segundo o professor.
Com isso, Arruda avalia que o candidato tucano ao Planalto será o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), também sob investigação, ou ainda João Doria, caso a situação do governador também se complique.
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