'Lula está colhendo o que plantou', diz presidenciável do PSTU sobre prisão de petista
Para Vera Lúcia Salgado, ex-presidente optou por governar com partidos corruptos e "se lambuzou". Em campanha, ela promete revogar medidas de Temer e estatizar empreiteiras da Lava Jato
O que acontecerá se a ex-operária e sindicalista Vera Lúcia Salgado, 50, tomar posse como presidente da República no dia 1º de janeiro de 2019, eleita pelo Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU)? No dia 02 de janeiro, diz ela, todas as medidas de Michel Temer serão revogadas, as empreiteiras envolvidas na Lava Jato serão estatizadas.
"E depois disso, dizer aos trabalhadores que se organizem nos conselhos populares, porque eles precisam tomar o rumo do país. Porque não dá para governar com o Congresso eleito dentro dos marcos que ele é eleito hoje", diz ela. No momento, porém, as chances da sindicalista nordestina chegar à Presidência são remotas, de acordo com as últimas pesquisas eleitorais.
Nascida em uma família pobre do sertão pernambucano e crescida em Aracaju (SE), Vera Lúcia Salgado, 50, representa uma renovação no PSTU: desde 1998, o partido é representado na disputa presidencial por José Maria de Almeida, o Zé Maria. Ao longo da vida, Vera Lúcia trabalhou como garçonete, faxineira e até datilógrafa. A militância política surgiu no fim dos anos 1980 e começo dos anos 1990, quando ela já trabalhava como costureira na indústria calçadista da capital sergipana - ela participou da fundação e dirigiu o sindicato de sua categoria no Estado.
Vera Lúcia integrou o PT até ocorrer a dissidência que daria origem ao PSTU, em 1992. Hoje, ela faz críticas severas ao partido de Dilma Rousseff. Para Vera e o PSTU, o foco da esquerda não deveria ser a campanha pró-libertação de Lula, e sim "os mais de 20 milhões de desempregados, os 16 milhões que passam fome, os mais de 6 milhões que não têm uma casa para morar".
Quando o PT era governo, o PSTU estava junto com outros partidos socialistas (PSOL, PCO, PCB) na oposição. Depois da prisão de Lula, porém, as demais siglas integraram a campanha pela libertação do ex-presidente, coisa que o PSTU não fez. "Não saímos em defesa de Lula porque ele optou por governar com esses setores que estão enlameados na corrupção, e se lambuzou também", explica Vera Lúcia. Ela terá por vice outro militante do PSTU: o professor e militante do movimento negro Hertz Dias, de 48 anos.
Casada e mãe de duas filhas já adultas, Vera Lúcia mora hoje em uma ocupação no bairro Coroa do Meio, em Aracaju. Ela conversou com a reportagem da BBC Brasil por cerca de 50 minutos na sede nacional do PSTU, um sobrado no bairro da Bela Vista, em São Paulo. Abaixo, os principais trechos.
BBC Brasil - A senhora poderia contar um pouco da sua história?
Vera Lúcia - A minha trajetória de vida é a das pessoas pessoas comuns do Brasil. Venho do Nordeste brasileiro, do sertão pernambucano, mas vivi mais da metade da minha infância em Aracaju (capital de Sergipe).
Eu mesma comecei a trabalhar aos 14 anos de idade. Quando você é pobre, você trabalha naquilo que aparece, para sobreviver.
Mas, na fábrica (da Azaléia) é quando inicio minha trajetória no movimento das lutas da classe trabalhadora.
Entrei na fábrica com 19 anos de idade (...). E é lá também que eu vou ter contato com o movimento sindical, com o partido (na época, o PT) (...). Em 1992, o PSTU rompe com o PT. Na verdade não era ainda o PSTU, era a Convergência Socialista - que é expulsa do PT. E aí, depois de 2 anos de discussão, em 1994, o PSTU é legalizado como partido.
BBC Brasil - O PSTU marcou uma diferença para os outros partidos de esquerda porque não participou dos atos contra a prisão de Lula. A prisão foi justa?
Vera Lúcia - Não saímos em defesa de Lula porque ele optou por governar com esses setores que estão enlameados na corrupção, e se lambuzou também. Então não é tarefa da classe trabalhadora, no nosso entendimento, ficar numa disputa de se Lula ficará livre ou na cadeia.
A tarefa dos trabalhadores, neste momento de crise econômica e política, é encontrar uma saída para os seus próprios problemas.
Quem está fazendo essa discussão (sobre Lula) não está preocupado, por exemplo, com os mais de 20 milhões de desempregados (e subempregados), com os 16 milhões que passam fome, com os mais de 6 milhões que não têm uma casa para morar. Estamos vendo aqui a tragédia em São Paulo, no Largo do Paissandu. Aquilo não é um acidente: é uma tragédia anunciada e é uma realidade de milhões de trabalhadores.
BBC Brasil - Essas questões são mais relevantes para vocês do que Lula.
Vera Lúcia - Por que? Porque Lula fez uma escolha política ao longo da sua história. Que foi a de governar com o PMDB, com o PP, com todos os partidos que estão envolvidos em corrupção. Optou por ser financiado pelas empresas que estão envolvidas em corrupção. Optou por garantir que os contratos dentro da Petrobras fossem fraudulentos, para satisfazer essas empresas porque elas tinham garantido o financiamento de suas campanhas eleitorais.
Então, na verdade, o Lula está colhendo o que ele plantou.
BBC Brasil - As empreiteiras deveriam ser confiscadas e estatizadas?
Vera Lúcia - E colocadas sob o controle dos trabalhadores. Porque se fica só sob o controle do Estado, sendo este Estado corrupto, essas empresas também entrarão pelo mesmo caminho.
A Petrobras sempre teve esquemas de corrupção dentro dela. Agora, quando se quebra o monopólio estatal do petróleo no Brasil, e se estabelece a relação público-privada ali dentro, aquilo ali virou um jogo de cartas marcadas, de rapina mesmo.
BBC Brasil - Por que uma pessoa que se identifica com o socialismo deveria seguir a linha do PSTU e não de outros partidos que se reivindicam de esquerda, como o PSOL, o PCB ou o PCO?
Vera Lúcia - É que o PSTU é o único partido revolucionário socialista. Esses outros partidos podem até dizer…
BBC Brasil - Mas eles reivindicam essa posição política. O PCB reivindica, o PSOL…
Vera Lúcia - Correntes do PSOL reivindicam. O PSOL, enquanto partido, é um partido eleitoral, com as mesmas características do PT, e menos raízes na base (que o PT) e uma direção com menos caráter de classe do que teve o PT no passado.
O PSOL é um partido reformista. Quem entrar no PSOL achando que está entrando em um partido socialista está entrando no partido errado. Se quiser discutir a estratégia da saída revolucionária, um partido que não se organize em torno de eleições, mas a partir das necessidades da classe trabalhadora, o partido é o PSTU.
BBC Brasil - Vamos supor que no dia 1º de janeiro você tome posse como presidente. O que acontece no dia seguinte?
Vera Lúcia - Revogação de todas as leis que foram feitas contra os trabalhadores neste país. Todas, todas, absolutamente todas.
BBC Brasil - Por exemplo?
Vera Lúcia - Reforma trabalhista, reformas (anteriores) da Previdência, reestatização de todas as empresas que foram privatizadas. Todas as medidas. Fim da Lei das Terceirizações (de março de 2017).
BBC Brasil - A experiência da Venezuela com o "socialismo do século 21" de Hugo Chávez e Nicolás Maduro deixou como saldo a fuga de 50 mil pessoas para o Brasil, nos últimos anos, e muito mais que isso para outros países. O socialismo é uma alternativa, realmente?
Vera Lúcia - A primeira pergunta a fazer não é se o socialismo é uma alternativa, a primeira pergunta é: a Venezuela era realmente socialista? A Venezuela nunca foi socialista, nunca fez uma revolução socialista. A economia venezuelana, e o Estado venezuelano são capitalistas. E mais: é uma economia extremamente dependente da exportação de petróleo e da importação de basicamente tudo que é consumido no interior do país.
BBC Brasil - O PSTU deixou o PT (1992) antes ainda do PSOL (2005). Mas hoje, o PSOL tem 6 deputados na Câmara, e o PSTU não elegeu nenhum. Pode-se dizer que o modelo do PSOL deu mais certo?
Vera Lúcia - O PSOL é um partido eleitoral. Ele se organiza para isso. Ele surge do parlamento. Ele não surge da efervescência das ruas. Ele não se constrói no dia a dia, no seio da classe trabalhadora, nas suas estruturas.
É um partido que se constrói para isso (disputar eleições). E que inclusive, para isto, faz alianças com setores… Por exemplo, para ganhar a prefeitura de Macapá (AP), fez aliança com setores da direita.
BBC Brasil - Este foi o sentido do gesto de Lula de pegar o Guilherme Boulos pelo braço, no comício de São Bernardo?
Vera Lúcia - Pegou e segurou. Foi um "abraço de urso". Mas também tem muita gente ali com um outro interesse, e qual é? É que Lula, ficando impossibilitado (de concorrer), que eles também possam se construir (politicamente). Ora, isso é puro oportunismo. O PSTU não faz isso.
BBC Brasil - Que avaliação a senhora faz de Michel Temer?
Vera Lúcia - Ele é um governante da direita. É corrupto e tem o cinismo da burguesia brasileira. Ele é frio, cruel com os pobres e extremamente servil aos grandes empresários do país.
E quanto ao fato de ser corrupto, nós não temos nenhuma surpresa. Inclusive o volume de dinheiro que ele recebe, e que seus aliados têm recebido, estão aí divulgados para todo mundo ver.
BBC Brasil - Nas pesquisas eleitorais, a gente vê Lula em primeiro lugar, e depois o Bolsonaro. E é inegável que muitos trabalhadores apoiam Bolsonaro. Porque isto acontece, na sua opinião?
Vera Lúcia - Tem a ver, na nossa opinião, com um fator, que é a história da revanche. Os mais pobres e os trabalhadores vivem num nível de violência muito grande. Muito grande. Quem mora nos bairros de periferia, nas favelas, nos morros, é vítima de um grau de violência que é absurdo (...).
E eles querem uma solução rápida. A ilusão que o Bolsonaro coloca é a de que ele vai resolver o problema, com mais violência.
Só que Bolsonaro não diz a esses trabalhadores, por exemplo, que ele votou a favor da reforma trabalhista, que vai precarizar ainda mais a vida dos trabalhadores; que ele está há mais de vinte anos no Congresso Nacional e, portanto, é responsável direto por essa situação. Ele não diz que suas campanhas (anteriores) foram financiadas pelas mesmas empresas que estão envolvidas em corrupção, como a Friboi; ele não diz que é milionário e que seu patrimônio mais que duplicou durante o último período… Ele não conta essas histórias.
BBC Brasil - Vou mencionar o nome de algumas pessoas e queria que você dissesse em uma frase o que pensa delas.
Marina Silva: Finge que é de esquerda, mas não serve aos trabalhadores. Sempre está ao lado da direita e inclusive esteve com o Aécio no 2º turno (das eleições de 2014).
Guilherme Boulos: Não vai servir à classe trabalhadora em aliança com setores da burguesia, e muito menos governando com o PT na sua base aliada.
Ciro Gomes: Ciro Gomes nunca foi de esquerda, né? Convenhamos. Dizer que ele é de esquerda é forçar a barra. Além de ser arrogante.
Rui Costa Pimenta (presidente do PCO): Dispensa comentários.
Manuela D'Ávila: Deveria ser honesta e dizer que ela não é a única candidata à esquerda, mulher, nas eleições brasileiras, porque o PSTU tem uma candidata mulher nas eleições, e somos revolucionários.
Jair Bolsonaro: É preconceituoso, é covarde e é cruel.
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