Lula internado: o que se sabe sobre novo procedimento ao qual presidente será submetido
Segundo boletim médico, presidente complementará cirurgia para evitar acúmulo de sangue na cabeça e evitar novos sangramentos como o que ocasionou hemorragia intracraniana detectada nesta semana.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai passar por um novo procedimento médico na quinta-feira (12/12), para reduzir o fluxo de sangue para a meninge (capa que envolve o cérebro).
Segundo boletim médico do Hospital Sírio-Libanês, o presidente "fará complementação de cirurgia com procedimento endovascular (embolização de artéria meníngea média)".
O procedimento busca evitar novos sangramentos, como o que ocasionou a hemorragia intracraniana detectada na segunda-feira (9/12), após Lula se queixar de fortes dores de cabeça.
Por causa disso, ele foi submetido a uma cirurgia de emergência para drenagem do hematoma.
Segundo os médicos, esse sangramento intracraniano é uma sequela comum da queda que o presidente sofreu em outubro, em sua residência.
O boletim médico divulgado nesta quarta-feira (11/12) também informa que Lula permanece sob cuidados intensivos no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo.
"Passou o dia bem, sem intercorrências, realizou fisioterapia, caminhou e recebeu visitas de familiares", diz ainda o informe do hospital.
Segundo o médico Wuilker Knoner Campos, presidente da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia, o novo procedimento é preventivo e tem baixo risco.
"O objetivo desse procedimento é fechar uma artéria que nutre um pedaço da capa do cérebro, chamada artéria meníngea média. Fechando essa artéria, diminui o risco de no futuro ocorrer um novo sangramento como o que ele teve", disse à BBC News Brasil.
O procedimento, explicou ainda, não interrompe totalmente o fluxo sanguíneo para a região, já que outras artérias vão continuar funcionando. O bloqueio da artéria meníngea média é feito por meio de um cateterismo.
"É feita uma pulsão na virilha, na artéria femoral, e, através de um cateter, se sobe até a artéria da carótida do pescoço, e vai direcionado para essa artéria que fica mais externa, na capa [do cérebro]. Então, por dentro desse cateter é possível jogar uma cola que vai entupir essa artéria", detalhou.
Mais detalhes sobre o novo procedimento serão divulgados pela equipe médica de Lula na manhã de quinta-feira.
Após a primeira intervenção, a equipe médica disse que Lula deixou a sala de cirurgia sem "nenhum comprometimento no cérebro" e está "lúcido, falando e se alimentando", mas ainda precisa se recuperar e só deve receber alta e voltar a Brasília no início da próxima semana.
"O presidente está tranquilo, [precisa] repousar, nada de trabalho por enquanto", disse o médico pessoal de Lula, Roberto Kalil Filho, na terça-feira.
O que é hemorragia intracraniana
Como o próprio nome indica, a hemorragia intracraniana é marcada por um sangramento que ocorre na parte de dentro do crânio.
"Trata-se de um sangramento dentro da caixa craniana, o osso da cabeça", resume a neurologista Sheila Martins, professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Isso pode se desenrolar em algumas das estruturas que estão abaixo dos ossos da cabeça, como o cérebro ou as camadas que revestem as estruturas do sistema nervoso — conhecidas como meninges.
Um artigo assinado por especialistas do Centro Médico da Universidade do Nebraska, nos Estados Unidos, dividem esse quadro em quatro subtipos, de acordo com o local em que ele acontece.
Segundo eles, a hemorragia pode ser epidural (entre o crânio e a dura mater, uma das membranas protetoras do sistema nervoso), subdural (abaixo da dura mater), subaracnoide (abaixo da membrana aracnoide) e intraparenquimal (nas próprias estruturas do cérebro).
O caso de Lula foi uma hemorragia subdural.
"O sangramento estava entre o cérebro e a meninge, embaixo de uma membrana chamada dura mater", detalhou o neurocirurgião Marcos Stavale, que esteve envolvido com o procedimento.
"Esse sangramento comprimia o cérebro e foi removido. O presidente está com as funções neurológicas preservadas", complementou o especialista.
Nesse caso, o acúmulo de sangue acontece na superfície do cérebro, no espaço que existe entre o órgão e aquelas camadas que protegem o sistema nervoso.
Segundo o texto da Universidade do Nebraska, casos de hemorragia intracraniana exigem "avaliação neurocirúrgica imediata", algo que aconteceu com o presidente brasileiro.
Já a Clínica Mayo, instituição de referências em pesquisa de saúde dos EUA, destaca que a hemorragia intracriana é marcada "por um acúmulo de sangue no crânio" e isso pode gerar uma espécie de pressão no cérebro.
"As causas mais comuns são rompimentos de vasos sanguíneos, mas o quadro também pode ser causado por pancadas na cabeça após quedas ou acidentes automobilísticos", informa o texto.
Mas como um acidente ocorrido com Lula em outubro pode ter causado um efeito só agora, em dezembro?
Martins explica que uma batida na cabeça, como a sofrida pelo presidente há dois meses, pode romper pequenas veias, responsáveis por retirar o sangue pobre em nutrientes e oxigênio do cérebro e levá-lo em direção aos pulmões e ao coração.
"Muitas vezes, após uma batida na cabeça, o tratamento é conservador e envolve apenas observar o paciente", diz a médica, que também é chefe do Serviço de Neurologia e Neurocirurgia do Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre.
"Mas esses pequenos vasinhos rompidos podem ficar porejando sangue ali, que aos poucos se acumula e forma um hematoma", responde a especialista.
O neurologista Rogério Tuma, do Sírio-Libanês, confirmou que foi isso o que aconteceu Lula.
O hematoma se desenvolveu não no local da pancada, na parte de trás da cabeça, mas no lado esquerdo. Isso porque, quando acontece o choque, o cérebro "chacoalha" dentro da caixa craniana — e a lesão pode se desenvolver em outra área.
"O presidente já tinha sorvido um primeiro sangramento, mas teve um segundo. E isso provavelmente está relacionado à queda que ele sofreu", disse o médico.
Esses eventos, claro, não acontecem com todo mundo que passou por uma situação parecida — em alguns indivíduos, o hematoma inicial desaparece naturalmente; em outros, ele cresce e passa a incomodar.
O problema é que, aos poucos, esse sangue acumulado começa a pressionar o cérebro.
"A depender de onde a hemorragia ocorre, o paciente pode apresentar dificuldade para falar, dormência e até entrar em coma", diz Martins.
A neurologista destaca como quadros como esse são comuns após pancadas na cabeça.
"É algo muito frequente em acidentes de trânsito. Também trata-se de uma das lesões mais corriqueiras nos acidentes domésticos", aponta ela.
"Muitas vezes, o paciente nem vai ao hospital após a batida. Ele só busca um médico meses depois, porque nota que ficou mais esquecido, apresenta fraqueza num lado do corpo ou dor de cabeça."
"Muitas vezes, a pessoa nem se lembra que chocou a cabeça. E olha que nem precisa ser um trauma importante para ver isso acontecer: às vezes, até uma batida mais leve gera uma hemorragia intracraniana", destaca ela.
Sintomas de hemorragia intracraniana
A Clínica Mayo explica que os principais sinais de hemorragia intracraniana são:
- Dor de cabeça progressiva;
- Vômito;
- Mal-estar e perda de consciência;
- Tontura e vertigem;
- Confusão mental;
- Pupilas dos olhos de diferentes tamanhos;
- Dificuldade para falar;
- Perda de movimento e paralisia.
Pelas informações divulgadas até o momento, Lula queixou-se de dor de cabeça — e esse foi o motivo para os médicos pedirem exames de imagem, como a ressonância magnética.
Kalil também disse que o presidente teve mal-estar e indisposição.
"Uma hemorragia intracraniana pode ser fatal e necessita de tratamento de emergência", alerta a Clínica Mayo.
Martins orienta que todo mundo que bateu a cabeça e apresenta incômodos como dor de cabeça, vômitos, perda de consciência e falta de força em um lado do corpo procure um pronto-socorro.
"Indivíduos que tomam remédios da classe dos anticoagulantes precisam ter uma atenção ainda maior, pois têm um risco mais alto de sofrer uma hemorragia", diz ela.
Os tratamentos da hemorragia intracraniana
A forma de lidar com o quadro depende da extensão e da gravidade dele.
A Clínica Mayo pontua que hemorragias pequenas, que não produzem muitos sintomas, não precisam de intervenção imediata.
"No entanto, os sintomas podem aparecer ou piorar dias ou semanas após o acidente", alerta a entidade.
Isso, aliás, foi o que aconteceu com Lula. O presidente sofreu o acidente em outubro e foi queixar-se de dor de cabeça quase dois meses depois, em dezembro.
Quando a hemorragia é maior ou está pressionando o cérebro, os médicos costumam partir para a cirurgia.
Há dois tipos principais de procedimento aqui.
O primeiro é a drenagem cirúrgica. "Se o sangue está concentrado numa área e mudou de um coágulo sólido para um líquido, é possível fazer um pequeno buraco no crânio e fazer uma sucção", resume a Clínica Mayo.
Há também a possibilidade de remover parte da calota craniana para retirar o sangue acumulado. Essa opção, conhecida como craniotomia, foi a escolhida para tratar Lula.
"A cirurgia envolve abrir um pedacinho do osso e aquela capa protetora que está em volta do cérebro para aspirar o coágulo", resume Martins.
O neurocirurgião Mauro Suzuki, do Sírio-Libanês, afirmou que o presidente Lula passou mais especificamente por uma trepanação.
"Nós fazemos pequenas perfurações no crânio, onde são introduzidos drenos. É um procedimento padrão em neurocirurgia", detalhou ele.
Segundo o médico, essas perfurações se fecham sozinhas e não precisam de nenhum outro procedimento complementar.
Martins diz que, após os procedimentos cirúrgicos, os pacientes costumam ter uma recuperação "ótima".
"O resultado costuma ser excelente e a pessoa fica 100%", aponta a médica.
Os profissionais de saúde que cuidaram de Lula asseguraram que ele poderá ter "vida normal" após a alta.
Martins pondera que, em muitos casos, é necessário fazer alguns exames complementares no pós-cirúrgico para checar se os vasos que se romperam continuam a gotejar sangue dentro do crânio.
Se isso estiver acontecendo, uma nova hemorragia pode aparecer depois de algum tempo.
"Para lidar com essa situação, pode ser necessário realizar um novo tratamento por cateterismo para fechar esses vasinhos", pontua a neurologista.
O cateterismo é um procedimento minimamente invasivo que envolve inserir cateteres por vasos sanguíneos.
Com auxílio de exames de imagem, esses fios são guiados até o local onde está ocorrendo o vazamento, para interromper de vez a perda de sangue.