Lula presidente: silêncio dos militares é saudável para democracia, diz especialista em Forças Armadas
Para Vinicius de Carvalho, professor da Universidade King's College London 'isso demonstra que não tem um apetite político ou de politização dessa eleição entre o ambiente militar'.
O silêncio dos militares sobre a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é "saudável para a transição democrática".
A opinião é de Vinicius de Carvalho, professor de Estudos Brasileiros e Latino-Americanos do Departamento de Estudos de Guerra da Universidade King's College London, no Reino Unido.
Segundo ele, "militares não são força política. Militares não têm que reconhecer ou não reconhecer governos. Eles têm que simplesmente se circunscrever às suas funções, a aquilo que a Constituição determina", diz Carvalho à BBC News Brasil.
"Acho que o fato de não haver pronunciamento de militares nesse momento no Brasil é o mais saudável. Isso demonstra que não tem um apetite político ou de politização dessa eleição entre o ambiente militar", acrescenta.
Carvalho foi diretor do Brazil Institute da universidade King's College London e oficial técnico temporário no Exército Brasileiro.
Passadas 36h da vitória de Lula, o presidente Jair Bolsonaro (PL) ainda não reconheceu a derrota. Os três militares mais importantes de seu governo — o general Braga Netto (seu candidato a vice), Luiz Ramos (Secretaria-Geral da Presidência) e Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), todos na reserva — tampouco se pronunciaram até agora, nem oficialmente e nem nas redes sociais.
Durante todo seu governo, Bolsonaro, que é capitão reformado, manteve relação estreita com os militares, o que gerou críticas em setores da sociedade civil. Muitos deles, ainda na ativa, têm cargos comissionados no segundo e terceiro escalão de seu governo.
Um relatório de 2021 do Tribunal de Contas da União (TCU) mostrou que, sob a presidência de Bolsonaro, o governo federal mais que dobrou a presença de militares em cargos até então ocupados por civis.
Para Carvalho, no entanto, não há "nenhum sinal de fragmentação dentro da estrutura das Forças que demonstre que certos grupos estão propensos a atividades golpistas".
Questionado sobre a forte presença de militares no atual governo e como Lula lidará com isso quando assumir a Presidência, no dia 1º de janeiro de 2023, Carvalho acredita que ele "não terá que negociar com a força. Uma vez eleito presidente, ele é chefe supremo das Forças. Então, não é uma questão de negociação".
"O que está em jogo aqui é com relação à presença de militares em outros escalões do governo. Como todos eles estavam ali e não como parte de sua carreira, eles retornarão para seus quartéis, para suas funções que desempenhavam anteriormente. Alguns deles, talvez até já em período de entrarem para a reserva das Forças Armadas."
"Então, acho que o que vai acontecer simplesmente é o esvaziamento das posições de militares nos postos de governo, nas posições de governo, porque necessariamente eles não têm mais [esses cargos]. Eles não estão mais ali indicados pelo presidente para alguma função. Caso o presidente Lula decida que ele necessite de algum militar exercendo alguma função, ele também fará isso. Então não será estranho caso isso venha a acontecer."
Carvalho diz acreditar, no entanto, numa provável redução "drástica" da presença dos militares no governo do petista.
"No entanto, é bem provável e basicamente certo que essa quantidade de militares que estão desempenhando funções de governo hoje ou funções no governo hoje, isso diminuirá drasticamente."
E como se dará essa transição? Ela acontecerá suavemente?
Carvalho avalia que sim.
"Não acho que haverá contrariedade à maioria desses que estão ainda militares que estão na ativa e que estão no governo", assinala.
"Eles também compreendem muito bem que o que significa a dinâmica de suas carreiras. E reconhecem que estavam ali numa função política designada pela Presidência da República. Do ponto de vista de carreira, de desenvolvimento de carreira, eles vão voltar para o lugar que ocupavam nas escalas de promoções. O termo militar que se diz para isso é que eles estavam 'agregados', ou seja, estavam afastados da função para a qual eles deveriam estar desempenhando se estivessem na regularidade da força."
"Então, quer dizer, eles vão voltar para o que foi a dinâmica de carreira que eles tinham até então. Não vejo que haverá problemas neste retorno para essas funções anteriores", conclui.
Eleições
Na reta final da corrida presencial, Bolsonaro convocou os três comandantes das Forças Armadas para uma reunião na qual foi discutido o relatório de sua campanha sobre um suposto boicote à propaganda de rádio e televisão do chefe do Executivo.
Compareceram os três comandantes militares: o general Marco Antônio Freire Gomes (Exército), o tenente-brigadeiro do ar Carlos Baptista Júnior (Aeronáutica) e o almirante Almir Garnier Santos (Marinha). Também estava presente o ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira.
- Este texto foi publicado originalmente em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63458032