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Lula viaja a Portugal em busca de acordos e sob críticas por declarações sobre guerra na Ucrânia

Presidente fica em Portugal entre os dias 21 e 25 de abril; na sequência, vai à Espanha, de onde volta para o Brasil no dia 26 de abril.

21 abr 2023 - 07h12
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Em Portugal, Lula participa da cúpula bilateral Portugal-Brasil, reunião conjunta dos dois governos
Em Portugal, Lula participa da cúpula bilateral Portugal-Brasil, reunião conjunta dos dois governos
Foto: EPA / BBC News Brasil

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) chega nesta sexta-feira (21/4) a Portugal para uma visita oficial em meio a críticas de partidos de oposição em relação a suas declarações sobre a guerra na Ucrânia e com uma manifestação contra a sua presença convocada pela maior força de extrema-direita do país.

O petista decidiu antecipar seu embarque para Lisboa para a noite de quinta-feira (20/4) — inicialmente a previsão era que ele partiria de Brasília na manhã desta sexta-feira (21/4). Com a mudança, ele aterrissou na capital portuguesa ainda nesta manhã.

Ele fica em Portugal até a próxima terça-feira (25/4), quando viaja à Espanha. Em Madri, Lula deve permanecer por apenas um dia. Seu retorno ao Brasil está previsto para a noite de quarta-feira (26/4).

Em Portugal, Lula participa da cúpula bilateral Portugal-Brasil, reunião conjunta dos dois governos, e tem encontros marcados com o primeiro-ministro português, António Costa, e com o presidente, Marcelo Rebelo de Souza.

Também deve entregar o prêmio Luiz de Camões, a principal premiação de literatura em língua portuguesa, ao cantor, compositor e escritor Chico Buarque, que o venceu em 2019, mas até agora não o recebeu, entre outras razões, pela recusa do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em assinar o diploma de concessão e, posteriormente, pelo confinamento imposto pela pandemia de covid-19.

Além disso, Lula deve participar de uma sessão solene de boas-vindas no Parlamento português (Assembleia da República) na próxima terça-feira (25/4), dia da celebração da Revolução dos Cravos, que pôs fim à ditadura militar em Portugal — inicialmente, Lula faria um discurso por ocasião da data comemorativa, mas o convite gerou polêmica, e partidos de oposição se manifestaram contra a iniciativa (ler mais abaixo). Ele seria o primeiro chefe de Estado estrangeiro a discursar na cerimônia.

Segundo o Itamaraty, a expectativa é que os representantes dos dois países assinem dez acordos e termos de cooperação.

Entre eles, estão o que concede equivalência aos Ensinos Fundamental e Médio do Brasil ao de Portugal e o que permite que a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) tenha validade permanente em Portugal, e vice-versa.

Na sequência, Lula viaja à Espanha, onde deve se encontrar com empresários, com o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, e com o rei Filipe 6º.

Polêmica sobre Ucrânia

A visita de Lula a Portugal acontece em meio à repercussão negativa das declarações do brasileiro sobre a guerra na Ucrânia.

Membro da União Europeia e da Otan, a aliança militar ocidental, Portugal tem declarado apoio aberto ao país invadido pela Rússia e chegou, inclusive, enviar tanques Leopard a Kiev.

As críticas vieram de partidos de oposição e da associação de ucranianos em Portugal.

Em visita recente aos Emirados Árabes Unidos, onde fez uma parada depois de sua viagem à China, o petista atribuiu aos EUA e à União Europeia, a responsabilidade pelo prolongamento da guerra na Ucrânia.

"O presidente [Vladimir] Putin não toma a iniciativa de parar. [Volodymyr] Zelensky não toma a iniciativa de parar. A Europa e os Estados Unidos continuam contribuindo para a continuação desta guerra", disse.

No início do mês, Lula já havia afirmado que a Ucrânia poderia ceder a Crimeia, anexada pela Rússia em 2014, em nome da paz.

Após a polêmica, o petista condenou a invasão russa da Ucrânia.

"Ao mesmo tempo em que meu governo condena a violação da integridade territorial da Ucrânia, defendemos uma solução política negociada para o conflito", disse Lula em encontro com o presidente da Romênia, Klaus Werner Iohannis nesta semana.

O vice-presidente do PSD, Paulo Rangel, cobrou do governo "tomar uma posição pública e formal" sobre as falas de Lula.

Já Rui Rocha, líder do partido opositor Iniciativa Liberal, afirmou que o Parlamento português "não pode receber um aliado de Putin como Lula no 25 de abril". Ele lembrou que o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, discursou por videoconferência no local.

"A AR (Assembleia da República, o Parlamento português) que convidou Zelensky para discursar em 21 de Abril de 2022 não pode receber um aliado de Putin como Lula no 25 de Abril. E o Presidente da República que atribuiu a Ordem da Liberdade a Zelensky não pode estar confortável com a presença de um aliado de Putin como Lula na AR no 25 de Abril", escreveu Rocha em sua conta pessoal no Twitter.

Por outro lado, Jamila Madeira, vice-presidente da bancada parlamentar do PS, defendeu que Lula tem procurado fomentar "a busca pela paz" na Ucrânia, tal como o presidente da França, Emmanuel Macron.

Já o presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, disse não estar arrependido de ter convidado Lula para discursar no Parlamento português.

Segundo ele, Portugal não teria relações com grande parte do mundo se as cortasse devido a divergências relativas à política externa.

"Não me arrependi coisa nenhuma. A posição portuguesa é clara: a Rússia é que invadiu a Ucrânia, não a Ucrânia que invadiu a Rússia. Portugal e a UE estão a apoiar a Ucrânia e vamos continuar. Direi-o ao presidente Lula e ao presidente da Índia, que vem a seguir, e aos presidentes do Senegal e da Argélia, que também virão a Portugal", disse.

Rebelo de Sousa acrescentou que os partidos da oposição têm todo o direito de criticar a posição de Lula, uma vez que "vivemos em democracia", mas que se trata de uma "relação entre Estados".

"Discordamos, mas não temos nada a ver com isso. Cada país tem a sua política externa, se estivermos de acordo melhor, mas se não estivermos de acordo com a nossa política interna e externa, não teríamos relações com 3/4 do mundo", completou.

A Associação dos Ucranianos em Portugal, por sua vez, preparou uma carta para entregar a Lula na noite desta sexta-feira em frente à embaixada do Brasil, segundo disse o presidente da entidade, Pavlo Sadokha, à BBC News Brasil.

O partido Chega convocou manifestação contra Lula para próxima terça-feira, 25 de abril, dia em que se comemora Revolução dos Cravos, que pôs fim à ditadura militar em Portugal
O partido Chega convocou manifestação contra Lula para próxima terça-feira, 25 de abril, dia em que se comemora Revolução dos Cravos, que pôs fim à ditadura militar em Portugal
Foto: Reprodução/Telegram / BBC News Brasil

Manifestação

A oposição mais forte à visita de Lula vem do partido de direita radical Chega, capitaneado pelo deputado André Ventura.

A sigla divulgou nas redes sociais uma convocação para um protesto contra o petista no próximo dia 25 do lado de fora do Parlamento português.

"Lugar de ladrão é na prisão", diz a chamada para a manifestação, que faz referência à prisão de Lula em 7 de abril de 2018.

A convocação do ato foi compartilhada pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que descreveu a manifestação como "justa". O perfil do Chega no Twitter respondeu ao post do deputado dizendo que "Lula, não é bem-vindo em Portugal!".

Fundado em 2019, o Chega, que se define como um partido "conservador, liberal e nacionalista", tem no discurso anti-imigrante um de seus principais alicerces e é hoje a terceira maior força no Parlamento português, com 12 deputados. O Partido Socialista (PS), que governa o país, ainda tem maioria absoluta, com 120 deputados.

Em 13 de janeiro deste ano, em sessão no Parlamento português, Ventura chamou Lula de "bandido".

Na ocasião, o presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva (Partido Socialista), reagiu e afirmou se tratar de "uma expressão ofensiva em relação ao presidente de um país muito amigo de Portugal".

Apesar disso, Ventura replicou e disse ser "difícil se referir ao presidente do Brasil de outra forma".

Ao fim de sua fala, o líder do Chega condenou, no entanto, "os ataques às instituições e a violência" dias antes, em 8 de janeiro, quando milhares de apoiadores de Bolsonaro invadiram as sedes dos três poderes em Brasília.

Mais recentemente, em vídeo enviado às redações em Portugal, Ventura reafirmou a promessa de que o partido vai "mesmo organizar a maior manifestação de sempre contra um dignatário estrangeiro em Portugal", mobilizando "portugueses e brasileiros, todos os que se quiserem juntar, para mostrar que o centro-direita e a direita portuguesa não são o PSD, não são este PSD". O PSD é o principal partido de oposição em Portugal e a segunda maior bancada no Parlamento, com 77 deputados.

Segundo Ventura, Lula deve ser condenado pela "proximidade com a Rússia", pela "incapacidade de ver o sofrimento do povo ucraniano", pela "sua proximidade à China", pela "hesitação em condenar as ditaduras sul-americanas" e "acima de tudo e sobretudo, pelo nível de corrupção que representa".

Para o líder do Chega, o PSD está enfraquecendo a direita e ajudando a esquerda a crescer.

"É ultrajante ver um partido que deve liderar a centro-direita dize que saúda a presença de Lula no dia 25 de abril em Portugal no dia da conquista democrática, no dia da nossa celebração democrática", disse Ventura em referência ao PSD.

"É muito triste ver a direita e a centro-direita em Portugal assim. É esta atitude medrosa, hesitante, mariquinhas que leva a que tenhamos a esquerda a crescer a nível mundial e sempre a apontar o dedo à direita, incapaz de resistir", acrescentou.

Em maio, Ventura deve receber Bolsonaro e o vice-primeiro-ministro da Itália, Matteo Salvini, além de outros nomes da extrema-direita para uma cúpula mundial organizada pelo Chega em Lisboa.

O objetivo, segundo Ventura, é transformar Portugal num dos "centros mundiais da ultradireita contra o socialismo".

Mal-estar

De fato, não foi apenas em Portugal que as falas de Lula sobre a guerra na Ucrânia foram mal recebidas.

John Kirby, coordenador de comunicação estratégica do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca, nos Estados Unidos, chamou a postura do presidente brasileiro de "repetição automática da propaganda russa e chinesa" e "profundamente problemática".

"É profundamente problemático como o Brasil abordou essa questão de forma substancial e retórica, sugerindo que os Estados Unidos e a Europa de alguma forma não estão interessados na paz ou que compartilhamos a responsabilidade pela guerra", disse ele em conversa com jornalistas.

"Francamente, neste caso, o Brasil está repetindo a propaganda da Rússia sem olhar para os fatos", acrescentou.

Para Kirby, "os comentários mais recentes do Brasil de que a Ucrânia deveria considerar ceder formalmente a Crimeia como uma concessão pela paz são simplesmente equivocados, especialmente para um país como o Brasil que votou para defender os princípios de soberania e integridade territorial na Assembleia-Geral da ONU".

O porta-voz para Assuntos Externos da União Europeia, Peter Stano, também rebateu as falas de Lula sobre a guerra, destacando que a Rússia é a "única responsável" pelo conflito.

"O fato número um é que a Rússia — e apenas a Rússia — é responsável pela agressão ilegítima e não provocada contra a Ucrânia. Então não há dúvidas sobre quem é o agressor e quem é a vítima", disse Stano, lembrando que o Brasil condenou a invasão da Ucrânia na ONU (Organização das Nações Unidas).

Stano acrescentou que EUA e EU não estão contribuindo para prolongar a guerra, mas ajudando Kiev em sua legítima defesa.

"Caso contrário, a Ucrânia enfrentaria a destruição. A nação ucraniana e a Ucrânia como país seriam destruídos porque estes são os objetivos declarados da guerra de Putin", afirmou.

O mal-estar se agravou ainda mais com a viagem oficial do ministro das Relações Exteriores russo, Serguei Lavrov, a Brasília no início desta semana.

Uma das propostas do governo Lula é a criação de um "clube da paz", fórum de países que Brasília considera como não alinhados a nenhum dos lados do conflito para mediar as negociações entre Kiev e Moscou.

Na terça-feira (18/4), o governo da Ucrânia, por meio do porta-voz de sua chancelaria, Oleg Nikolenko, voltou a convidar Lula a visitar Kiev.

Em postagem no Facebook, Nikolenko afirmou que deseja que o brasileiro compreenda "as verdadeiras causas da agressão russa e suas consequências para a segurança global".

Lula já havia sido convidado pelo presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, no mês passado, quando os dois falaram por videoconferência pela primeira vez. Na ocasião, o petista afirmou que aceitaria o convite em momento oportuno.

Discurso vetado

Cravinho e Lula em Brasília
Cravinho e Lula em Brasília
Foto: Ricardo Stuckert/Presidência / BBC News Brasil

Lula seria o primeiro chefe de Estado estrangeiro a discursar no Parlamento português por ocasião da comemoração da Revolução dos Cravos, que pôs fim à ditadura militar em Portugal.

A participação do petista chegou a ser anunciada pelo ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, João Gomes Cravinho, em visita ao Brasil.

"É a 1ª vez que um chefe de Estado estrangeiro faz um discurso nesta data", disse Cravinho em entrevista a jornalistas em Brasília.

Mas partidos de oposição, como PSD, IL e Chega, se manifestaram contra o convite e, após uma reunião entre lideranças políticas, chegou-se a um consenso de que Lula discursaria, mas numa sessão solene de boas-vindas, à parte das comemorações da Revolução dos Cravos.

Em entrevista concedida recentemente à Folha de S.Paulo, o assessor especial do presidente Lula, Celso Amorim, esclareceu que a posição do governo brasileiro é a de que a Rússia errou mas defendem que russos e ucranianos conversem. "A guerra não é uma solução nem para a Rússia nem para a Ucrânia. Essa é a questão do Brasil", disse ele.

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