'Machopopulismo' de Bolsonaro é parte de tradição que remonta ao fascismo, diz historiador
Líderes como Trump, Berlusconi e Duterte também recorreram à bravata viril e grosseria machista, lembra Federico Finchelstein, estudioso do radicalismo e do populismo.
"Bolsonaro acaba de celebrar seu próprio pênis em um peculiar discurso de Dia da Independência do Brasil. Trump fez o mesmo no passado. Por mais chocante que seja, isso segue um padrão de tendência fascista e machopopulista."
A análise é do historiador argentino Federico Finchelstein, professor da New School for Social Research (EUA) e autor do livro Do Fascismo ao Populismo na História (Edições 70, 2020), e foi feita pouco depois de o presidente Jair Bolsonaro (PL) puxar um coro de "imbrochável" para si mesmo, em discurso na Esplanada dos Ministérios no 7 de Setembro, em Brasília.
Mas o que é esse "machopopulismo", que na visão de um dos principais estudiosos do radicalismo e do populismo da atualidade une líderes como Donald Trump (EUA), Silvio Berlusconi (Itália), Abdalá Bucaram (Equador), Carlos Menem (Argentina), Rodrigo Duterte (Filipinas) e Jair Bolsonaro?
"É uma característica notável de todos esses populistas e, antes deles, dos movimentos fascistas. Um entendimento da sociedade baseado na supremacia masculina, num senso particularmente reacionário de virilidade e na distinção entre gêneros", disse Finchelstein, em entrevista à BBC News Brasil nesta quarta-feira (7/9).
"Por mais chocante que soe o presidente do Brasil celebrar dessa forma sua própria virilidade, isso não é algo novo ou original. É parte de uma tendência reacionária e da história do fascismo e do populismo", completa o pesquisador.
Finchelstein lembra episódios diversos de bravata viril e grosseria machista por líderes contemporâneos considerados populistas.
Durante debate no processo de eleições primárias do Partido Republicano, Trump se gabou do tamanho de seu órgão genital. E num vídeo de 2005, recuperado durante a campanha eleitoral de 2016, usou termos chulos ao falar sobre beijar, acariciar e tentar fazer sexo com mulheres ("Pegue-as pela vagina. Você pode fazer qualquer coisa", dizia Trump no vídeo).
O ex-primeiro-ministro da Itália, Silvio Berlusconi, fez referências grosseiras ao físico da ex-chanceler alemã Angela Merkel e constantemente se gabava de sua performance sexual, além de ter dito certa vez que sua paixão pelas mulheres era "melhor do que ser gay", lembrou Finchelstein.
"Se eu posso amar 100 milhões [de Filipinos], eu posso amar quatro mulheres ao mesmo tempo", disse certa vez o ex-presidente filipino Rodrigo Duterte, que também fez piada sobre querer estuprar uma missionária australiana, morta após ser torturada e sofrer estupro coletivo.
Segundo o professor da New School for Social Research, todos esses episódios revelam líderes cujo entendimento da política e da sociedade é extremamente discriminatório com relação às mulheres.
"Eles consideram que as mulheres têm um papel secundário e que os homens, por suas alegadas proezas sexuais, devem ser os líderes das nações", diz Finchelstein. "Isso não faz o menor sentido de um ponto de vista racional e democrático, mas é parte da lógica irracional dessas tradições reacionárias."
'Dois lados da mesma moeda'
Para o especialista, a exaltação à própria sexualidade, combinada a um conservadorismo repressor da sexualidade da população, são dois lados de uma mesma moeda.
"Essa ideia bastante violenta de dominação masculina já implica em si na repressão de outros. No passado, líderes fascistas e populistas eram um pouco mais discretos com relação a essa dimensão. No caso de Trump, Berlusconi e Duterte, a coisa se torna cada vez mais explícita. Mas, embora a vulgaridade seja algo mais recente, a ideologia é bastante antiga, com origem em [Adolf] Hitler e [Benito] Mussolini. Essa ideia de um líder macho que, devido a essa masculinidade exacerbada, deve ser aceito como o líder da nação", diz Finchelstein.
Para o pesquisador, essa perspectiva machista e chauvinista apela a uma parcela da população que se vê refletida nessas declarações repressoras e discriminatórias, se identificando com essas mensagens.
"Esse líderes têm apelo não para a maioria da sociedade, mas para aqueles que estão insatisfeitos com a democracia e com a diversidade", afirma.
Ele cita a comparação feita por Bolsonaro entre sua esposa Michelle Bolsonaro e as esposas de outros candidatos.
"É ultrajante, porque trata-se de uma clara objetificação das mulheres. Mas não é uma surpresa quando falamos desses 'machopopulistas' e seu senso de masculinidade discriminatória."
Finchelstein lembra que Trump fez o mesmo durante as primárias americanas, ao comparar sua esposa, Melania Trump, com a esposa do também republicano Ted Cruz.
"Isso é parte do manual trumpista, há poucas coisas originais a respeito de Bolsonaro", afirma.
Os quatro elementos do fascismo
Para o pesquisador, apesar de sua falta de originalidade, Bolsonaro se destaca entre os líderes autoritários contemporâneos por estar, assim como Trump, mais próximo do fascismo do que os demais populistas.
Finchelstein enumera os quatro elementos-chave do fascismo:
- Mentiras e propaganda autoritária;
- Militarização da política e glorificação da violência e de armas;
- Política do ódio e total demonização do outro;
- Ditadura.
"Mesmo em seu discurso de Dia da Independência, e isso não é irrelevante, Bolsonaro classificou o outro lado como 'o mal'", observa Finchelstein — as palavras do presidente foram as seguintes: "O mal que perdurou por 14 anos no nosso país, que quase quebrou nossa pátria e que deseja voltar à cena do crime. Não voltarão, o povo está do lado do bem."
Para o pesquisador, "se você tem esses quatro elementos, você está numa situação fascista".
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-62829604