Mais emprego ou precarização? Os possíveis impactos da lei da terceirização, que está nas mãos de Temer
Após uma manobra que desengavetou um projeto parado há quinze anos no Congresso, a Câmara dos Deputados aprovou a ampla liberação da terceirização do trabalho no país. A nova legislação agora depende apenas da sanção do presidente Michel Temer para entrar em vigor.
Segundo o entendimento atual da Justiça do Trabalho, apenas as chamadas "atividades meio" podem ser terceirizadas hoje no país - ou seja, uma empresa de sapatos não pode terceirizar as atividades diretamente ligadas à produção dos calçados, mas pode contratar trabalhadores de outras empresas para desempenhar funções auxiliares, como limpeza e segurança.
Se a nova lei aprovada no Congresso entrar em vigor, qualquer atividade de uma empresa poderá ser terceirizada. A expectativa agora é que o Senado vote outra proposta de liberação da terceirização que seria menos danosa ao trabalhador. Se isso acontecer, Temer poderá optar entre as duas ou fazer uma mix de ambas as propostas, vetando alguns pontos de cada uma delas.
Entenda abaixo quais podem ser as consequências da ampliação da terceirização no país.
Aumento do emprego ou precarização das condições de trabalho?
Críticos da ampliação da terceirização dizem que esse modelo vai provocar a precarização das condições de trabalho.
Segundo (Central Única dos Trabalhadores) e o Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) a partir de dados de 2013 do Ministério do Trabalho, terceirizados trabalham em média três horas a mais por semana que os contratados diretos, ao mesmo tempo em que ganham salários em média 25% menores.
Além disso, também costumam sofrer mais acidentes de trabalho, aponta a pesquisa.
Outro estudo, (Instituto de Pesquisa Econômica aplicada) a partir de dados de 2007 a 2012 do Ministério do Trabalho, estimou uma diferença menor entre os salários.
De acordo com esse levantamento, terceirizados ganham em média 17% a menos que os contratados. Os autores da pesquisa, porém, concluem que outros fatores impactam essa diferença, como disparidades no nível de escolaridade dos trabalhadores, idade, gênero, cor, tempo de serviço, entre outras. Quando excluídos esses fatores, calculam, a diferença cai para 3% em média.
O deputado Laércio Oliveira (SD-SE), relator da proposta na Câmara, contesta o argumento de que a terceirização promove uma precarização das condições de trabalho.
Segundo ele, o objetivo dela é permitir que companhias contratem serviços de empresas especializadas em determinadas atividades, aumentando a eficiência da produção. Isso, segundo ele, vai melhorar o desempenho delas, possibilitando a geração de mais empregos.
"Terceirização não é precarização, é eficiência. Precarização é falta de emprego. Situação que o país vive hoje por uma legislação ultrapassada. Isso que é precarização", afirma Oliveira.
"O que estamos fazendo, o que o governo Michel Temer está fazendo, é modernizando as relações de trabalho no Brasil para que a gente consiga, em curto prazo, resolver o problema do desemprego", reforçou.
De acordo com o deputado, a terceirização não traz qualquer perda de direitos ao trabalhador, pois os terceirizados são contratados com carteira assinada.
Os críticos à ampliação da terceirização, por sua vez, dizem que o único fator que de fato gera emprego é o crescimento econômico. Segundo eles, eventuais economias geradas pela terceirização para as empresas serão convertidas em aumento das margens de lucro, e não em mais contratações.
"Levamos a proposta de que a nova lei estabelecesse que o trabalhador terceirizado tivesse o mesmo salário do contratado direto. Não foi aceita a proposta, e nem seria, pois justamente na diferença salarial entre o terceirizado e o trabalhador contratado diretamente que há essa margem de lucro da empresa intermediadora", afirma Germano Silveira, presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra).
Aumento da segurança jurídica ou menos garantias para o trabalhador?
Defensores da nova lei para terceirização defendem que ela trará mais segurança jurídica para as empresas e os cerca de 12 milhões de trabalhadores terceirizados que existem no país.
Como atualmente não há legislação específica que regule esses contratos de trabalho, as regras foram estabelecidas por meio de decisões da Justiça do Trabalho.
"O projeto (de lei aprovado) garante, ainda, maior segurança jurídica. Isto é essencial para as empresas que buscam, na terceirização, uma alternativa para serviços especializados e o aumento da competitividade", disse a Firjan (Federação das Indústrias do Rio de Janeiro) em nota divulgada nesta quinta-feira.
O presidente da Anamatra, por sua vez, diz que a nova lei reduz as proteções ao trabalhador e vai gerar mais ações na Justiça.
Um ponto polêmico do projeto aprovado nesta quarta-feira é a definição de que as empresas contratantes dos serviços terceirizados têm apenas responsabilidade subsidiária às empresas prestadoras de serviço.
Na prática, isso significa que, caso a empresa prestadora do serviço deixe de pagar benefícios dos empregados, por exemplo no caso da mesma falir ou ser fechada pelos donos, esses trabalhadores não podem acionar imediatamente a empresa contratante na Justiça.
Primeiro, é preciso acionar apenas a empresa prestadora do serviço.
O outro projeto de lei, aprovado em 2015 na Câmara e que está desde então parado no Senado, previa a responsabilidade solidária das duas empresas. Isso permitiria ao trabalhador processar as duas empresas ao mesmo tempo.
"Na responsabilidade subsidiária, a Justiça tem que primeiro tentar executar aquela empresa que você já sabe que não tem como dar retorno, que não tem patrimônio. Fica-se gastando uma energia absurda processual, procurando bens daquela empresa da qual não tem o que tirar, para somente depois passar a executar a outra empresa responsável. Você vai gastar anos correndo atrás de uma moeda podre e o trabalhador vai ter que ficar esperando", critica Silveira.
"Essa lei não produz nenhuma segurança jurídica. É uma lei ruim, mal redigida e fere a Constituição. Acho que vai gerar um número de ações ainda maior", acrescentou.
Para o deputado Laércio Oliveira, ocorre justamente o contrário. Se houver responsabilidade solidária, cria-se um vínculo de "subordinação" do terceirizado com a empresa contratante, abrindo espaço para processos na Justiça.
"Se a responsabilidade for solidária, não faz sentido algum fazer a terceirização. O funcionário não é dele (da empresa contratante do serviço terceirizado). Já pensou você ter controle do funcionário que não é seu? Isso vai significar subordinação, aí daqui a pouco começa a aparecer milhares de ações contra a empresa buscando o vinculo empregatício", argumentou.
"O funcionário terceirizado é subordinado à empresa prestadora de serviço e não à que contrata", disse ainda.
Qual vai ser o impacto sobre o setor público e os concursos?
A nova legislação vai liberar a terceirização ampla também no setor público. Para o presidente da Anamatra, isso vai aumentar a substituição de servidores concursados por terceirizados.
O deputado Laércio Oliveira diz que isso não é verdade porque as carreiras exclusivas de Estado jamais podem ser terceirizadas.
Silveira, por sua vez, afirma que outras atividades do setor público, com a nova lei, agora poderão.
"A terceirização vai atingir carreiras auxiliares no Poder Público, como técnicos, analistas. Evidentemente que não vão poder ser terceirizados carreira de juiz, procurador, mas carreiras na Petrobras, nos bancos, essas serão certamente terceirizadas", disse.
"Por exemplo, a função de escriturário, cuja terceirização na Caixa Econômica, há 20 anos, foi muito intensificada e depois proibida", acrescentou.
Germano Silveira lembra ainda que está em análise no Supremo Tribunal Federal se o Poder Público pode ser considerado responsável subsidiário no caso das empresas contratadas deixarem de pagar os funcionários terceirizados.
O processo, que terá repercussão geral, trata do caso de uma recepcionista terceirizada que não teve verbas trabalhistas pagas pela empresa.
A União recorreu ao STF contra uma decisão da Justiça do Trabalho que determinou que o Poder Público deveria pagar esses benefícios devido a sua omissão na fiscalização da companhia que prestava o serviço.
O julgamento do Supremo está empatado em cinco a cinco. Caberá ao novo ministro, Alexandre de Moraes, decidir a questão.
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