Microcefalia: mães do sertão vivem angústia sem diagnóstico
Em Itapetim, a 400 km de Recife, falta de informação sobre má-formação e longa espera por atendimento causam sofrimento em famílias
Em Itapetim, no sertão de Pernambuco, 11 mães que foram notificadas por estarem com seus bebês suspeitos de terem contraído microcefalia enfrentam a angústia de não saberem o diagnóstico definitivo sobre uma condição que pode mudar a vida de suas famílias.
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Elas moram a cerca de 400 km de Recife e, mesmo notificadas no final do mês de novembro, terão que esperar até o dia 28 de dezembro para que seus bebês sejam examinados no Hospital Oswaldo Cruz, na capital, centro de referência para a investigação da má-formação.
Em todo o estado já são 804 notificações — 251 dos bebês são crianças com o perímetro cefálico (medida da cabeça em sua parte maior) de 32 cm ou menos, que se enquadram na definição de microcefalia da Organização Mundial de Saúde.
Tanto as mães como as autoridades locais têm mais dúvidas do que respostas sobre a má-formação e sua relação com o zika vírus, transmitido pelo mosquito Aedes aegypti.
"Na realidade, para nós é tudo novo. Tem menos de um mês que soubemos, a coisa estourou de uma vez. Soubemos que Pernambuco tinha 300 casos, logo já estava em 700. Tivemos que notificar logo as que chegaram", disse à BBC Brasil Arquimedes Machado, prefeito da cidade.
Em Itapetim, a maior parte das mães foi notificada quando Pernambuco ainda admitia em seu protocolo de microcefalia bebês que nasceram com 33 cm de perímetro cefálico. A mudança, anunciada na semana em que a reportagem visitou a cidade, causou confusão entre elas. Cinco bebês atendem ao novo protocolo, mas todos serão examinados para garantir que nenhum deles teve lesões causadas por uma possível infecção por zika vírus nas mães.
"Eu não queria ir pra Recife porque as pessoas da minha família ficavam dizendo que a criança não precisava. Mas pelo bem do meu filho e para tirar aquele peso, decidi ir", conta Valéria Barros, de 17 anos, mãe do pequeno Arthur Emanuel, de dois meses.
"Se a criança tiver alguma coisa no futuro e eu não tiver feito os exames, posso me sentir culpada."
Arthur nasceu com o perímetro cefálico de 33 cm. Portanto, fora do protocolo atual. Valéria, no entanto, teve os sintomas do zika pouco antes de completar quatro meses de gravidez. Segundo as autoridades de saúde pernambucanas, foram encontradas lesões no cérebro de um pequeno percentual de bebês com essa medida.
"A pediatra me explicou que estavam confirmando que a microcefalia era por causa do zika e que poderia dar paralisia, falta de visão, falta de audição, essas doenças físicas, falta de desenvolvimento no corpo. Eu fiquei preocupada, deu vontade de chorar."
"Mas se a gente for para Recife e o médico disser que ele tem algum problema, eu vou amar do mesmo jeito. O que vale é o amor da mãe", afirma.
Comparando cabeças
A maior parte das mães afirma não ter tido nenhum dos sintomas característicos da doença. Segundo o Ministério da Saúde, 80% dos casos de dengue, zika e febre chikungunya são assintomáticos. Mesmo assim, de acordo com especialistas, ainda é possível que os bebês sejam afetados e, caso a doença seja contraída entre o primeiro e o quarto mês de gestação, tenham microcefalia.
Há pouco mais de um mês, a secretaria de saúde do município começou a conferir os registros de bebês nascidos nas semanas anteriores e informar ao estado os que tinham suspeita de terem contraído a doença. No início do ano, Itapetim teve um surto de dengue, zika e chikungunya com quase 500 casos notificados, dos quais apenas 175 foram confirmados como dengue.
Em abril, o índice de infestação dos imóveis da cidade pelo mosquito da dengue chegou a ser o maior do estado. Agora, o início de uma nova infestação assusta também as grávidas, que temem as consequências da infecção.
"A gente já percebe que tem gestantes muito preocupadas, com medo. Na realidade, elas não sabem direito qual é a situação", disse à BBC Brasil a secretária de saúde de Itapetim, Jussara Araújo.
"Eu fui até comprar um repelente, passei em uma farmácia e em uns dois supermercados e não tinha mais. As gestantes estão loucas, comprando todos."
Algumas das mulheres com quem a BBC Brasil conversou moravam na zona rural da cidade de 13.900 habitantes e sequer sabiam exatamente qual seria o dia em que viajariam para Recife, até a chegada da reportagem.
No sítio de sua família, Thamires Santos da Silva, de 22 anos, ainda sente a dor do parto cesárea da filha Valentina, que nasceu um dia antes de sua conversa com a BBC Brasil e foi imediatamente notificada — tinha um perímetro cefálico de 31 cm.
"Levei um susto, comecei logo a chorar", relembra. "Ela falou que não era bem certo (que a bebê tinha microcefalia), que era para fazer o exame pra ver, mas eu fiquei assustada."
Thamires diz não ter sentido nada durante a gravidez e se apoia nas imagens dos bebês acometidos pela má-formação que vê na TV para diminuir o nervosismo antes da viagem a Recife.
"Eu vi na TV que as cabeças eram menores, né. Não sei se é porque é a minha, mas acho que a dela é maior."
No hospital em Recife, o exame médico determinará se as crianças são realmente microcéfalas – conferindo se seu perímetro cefálico foi corretamente medido ou se os bebês são pequenos por outras razões, como a desnutrição de suas mães.
Os médicos ainda podem pedir ecografias ou tomografias dos bebês para conferir se há lesões aparentes no cérebro, além de outros exames.
A prefeitura conseguiu uma van para levar as 11 mães para a capital e vai abrigá-las em uma casa de apoio mobiliada, onde elas devem ficar por cerca de três dias, até que todas sejam atendidas. Voltarão a Itapetim, com alguma confirmação sobre a saúde de seus bebês, na véspera do Ano Novo.
Custo alto
Em um dos sítios mais afastados da cidade, Ana Paula dos Santos, de 19 anos, também diz não acreditar que a filha Jamile, de dois meses e meio, tenha sido afetada pelo vírus.
"Duas mulheres da fazenda vizinha tiveram chikungunya, mas aqui ninguém teve nada. Nem tem água, como é que vai ter dengue?". Sua família chega a passar quatro dias sem água. A promessa antiga de um poço nas imediações da propriedade ainda não foi cumprida.
"A enfermeira falou que ela nasceu com 32 centímetros (de perímetro cefálico), mas ela nasceu muito magrinha."
Segundo o cirurgião João Pereira Borges Neto, que realiza a maior parte dos partos da cidade, as crianças nascidas nas últimas semanas não parecem ter comprometimento neurológico sério.
"Mas por causa do mosquito, temos o receio muito grande de nascerem bebês com microcefalia", disse a BBC Brasil.
Para mães como Ana Paula, a viagem para Recife no fim do mês traz ainda outras preocupações. Apesar de terem transporte e hospedagem fornecidos pela prefeitura, as mães terão que pagar sua alimentação e a de seu acompanhante.
"Eu estou nervosa porque não tenho condição financeira pra ir. Lá é caro", diz.
"É complicado, porque não temos o recurso para darmos assistência a elas e provavelmente não virá. Mas vamos ver o que o município pode fazer para ajudar, porque elas não podem ficar sem se alimentar", diz a secretária de saúde do município.
Para evitar que mães como as de Itapetim precisem fazer viagens, que podem chegar a ser semanais, para o diagnóstico e atendimento dos bebês, o governo do Estado anunciou que ampliará a estrutura de atendimento de Caruaru, Petrolina e Serra Talhada, cidades maiores do interior.
"Enquanto não nascer, não fico tranquila"
Para as mulheres que não deram à luz, a espera é ainda mais delicada em meio a reportagens na TV sobre crise de saúde e boatos que circulam na cidade.
"Eu prefiro nem ver televisão", diz Flavia Raiane Vasconcelos de Lima, de 17 anos, grávida de oito meses.
"Em maio eu tive febre e depois as pintas vermelhas apareceram no meu corpo todo, mas o médico fez o ultrassom e disse que está tudo bem."
Uma conversa da BBC Brasil com as gestantes da cidade acabou se tornando uma sessão para tirar dúvidas sobre a microcefalia e os perigos da infecção por zika para os bebês.
Duas das mães, Jackeline Palmeira, de 26 anos, e sua amiga Elisangela Pereira, de 19 anos, estão entre as mais apreensivas.
"Perdi meu primeiro bebê, que nasceu morto aos sete meses. Quando ele nasceu, a cabeça parecia cheia de água. Já minha segunda filha, de 11 anos, tem um problema no coração. Ela já fez cirurgia de sopro. Eu já tenho que ir para Recife para fazer o tratamento dela, tenho gastos e fico cansada", diz Jackeline.
Ela afirma que já pagou por mais exames de ultrassom do que o necessário para garantir que nenhuma alteração é observada no bebê: "Eu perco o sono, sou muito nervosa. Enquanto não nascer, não fico tranquila. Dá pra ver no ultrassom?".
"Tento não ficar preocupada porque o que eu sentir ele sente", diz Elisangela. "Mas meu marido chora, se preocupa demais. Não vê a hora de nascer para ver se sai perfeito."