Milton Ribeiro deixa o MEC; entenda escândalo que levou à queda
Em gravação, Milton Ribeiro supostamente admitiu que priorizou verba para prefeituras indicadas por Gilmar Santos e Arilton Moura, a pedido do presidente. Ribeiro e Bolsonaro negam irregularidades.
O ministro da Educação, Milton Ribeiro, pediu demissão do cargo nesta segunda-feira (28/3), em meio a denúncias sobre um suposto esquema informal de obtenção de verbas envolvendo dois pastores sem cargo público. O caso é investigado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Em carta em que pede para ser exonerado do cargo, entregue ao presidente Jair Bolsonaro (PL), Ribeiro voltou a negar irregularidades.
"Tenho plena convicção que jamais realizei um único ato de gestão na minha pasta que não fosse pautado pela correção, pela probidade e pelo compromisso com o erário. As suspeitas de que uma pessoa, próxima a mim, poderia estar cometendo atos irregulares devem ser investigadas com profundidade", escreveu o ministro, no documento.
O presidente aceitou a demissão e ela já foi formalizada em seção extraordinária do Diário Oficial da União.
Mais cedo, Ribeiro admitiu em sua conta no Twitter ter autorizado a produção de Bíblias com a sua imagem e a distribuição gratuita delas em um evento de cunho religioso. Ele disse, porém, ter desautorizado a posterior distribuição das obras em outros eventos sem a sua aprovação.
Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, as obras com a foto de Ribeiro teriam sido distribuídas a convidados de evento do Ministério da Educação (MEC) em Salinópolis, no Pará. O encontro reuniu prefeitos e secretários municipais do Estado, além do titular da pasta e os pastores.
Em seu pedido de demissão, o ministro destacou o objetivo de afastar do governo federal o escândalo de suspeita de corrupção.
"Decidi solicitar ao presidente Bolsonaro a minha exoneração do cargo, com a finalidade de que não paire nenhuma incerteza sobre a minha conduta e a do Governo Federal, que vem transformando este país por meio do compromisso firme da luta contra a corrupção", escreveu Ribeiro.
"Meu afastamento é única e exclusivamente decorrente de minha responsabilidade política, que exige de mim um senso de país maior que quaisquer sentimentos pessoais", completou.
Investigação pelo STF
Na quinta-feira (24/3), a ministra Cármen Lúcia, do STF, havia autorizado a abertura de um inquérito para investigar se Ribeiro favoreceu prefeituras ligadas aos pastores evangélicos Gilmar Santos e Arilton Moura, a pedido do presidente Jair Bolsonaro (PL).
A ministra aceitou uma solicitação feita na quarta-feira (23/3) pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, depois de vir a público em uma reportagem do jornal Folha de S.Paulo uma gravação em que o ministro supostamente admite a prática.
Cármen Lúcia disse na decisão que "a gravidade do quadro descrito é inconteste e não poderia deixar de ser objeto de investigação imediata, aprofundada e elucidativa sobre os fatos e suas consequências, incluídas as penais".
Aras argumentou ao STF que o repasse de verbas do Fundo de Desenvolvimento Nacional da Educação (FNDE) nessas condições configuraria corrupção passiva, prevaricação, advocacia administrativa e tráfico de influência.
Milton Ribeiro negou ter cometido qualquer irregularidade e disse ter denunciado os dois pastores à Controladoria-Geral da União (CGU).
No entanto, Aras destacou que, ao responder às acusações, o ministro "em momento algum negou ou apontou falsidade no conteúdo da notícia veiculada pela imprensa, admitindo, inclusive, a realização de encontros com os pastores nela mencionados".
O pedido foi feito à Corte porque Ribeiro tem foro privilegiado como ministro de Estado, e a investigação só pode ocorrer se for autorizada pelo STF.
A ministra determinou um prazo de 30 dias para que a polícia ouça os envolvidos na denúncia e analise as informações que serão enviadas pelo MEC e pela CGU, que confirmou ter apurado denúncias de corrupção na pasta.
Também na quinta-feira, Bolsonaro saiu em defesa de Ribeiro ao dizer que "estão fazendo uma covardia" com o ministro.
"O Milton... coisa rara de eu falar aqui... Eu boto minha cara no fogo pelo Milton", afirmou o presidente, em transmissão ao vivo pela internet.
O que disse o ministro da Educação?
O caso veio à tona após a Folha divulgar áudios em que o próprio ministro afirma que sua prioridade no MEC são as prefeituras que mais precisam e, em seguida, "todos que são amigos do pastor Gilmar". Ele explica aos prefeitos e religiosos que participaram da conversa que a prioridade foi estabelecida por uma solicitação direta de Bolsonaro.
"Foi um pedido especial que o presidente da República fez para mim sobre a questão do [pastor] Gilmar", disse. O ministro complementa que o pedido de apoio não é segredo e que visa a construção de igrejas.
A reportagem da Folha apontou que, segundo liderança evangélica aliada a Bolsonaro, Gilmar Santos e Arilton Moura não tem representatividade no segmento. A liderança ainda afirmou que não defendem que o ministro negocie verba por meio de pastores.
Em nota, o ministro negou ter operado qualquer esquema de favorecimento a pastores. Ribeiro também negou ter sido orientado pelo presidente Bolsonaro neste sentido.
"O presidente da República não pediu atendimento preferencial a ninguém, solicitou apenas que pudesse receber todos que nos procurassem, inclusive as pessoas citadas na reportagem", disse o ministro em comunicado à imprensa.
"Da mesma forma, recebo pleitos intermediados por parlamentares, governadores, prefeitos, universidades, associações públicas e privadas. Todos os pedidos são encaminhados para avaliação das respectivas áreas técnicas", declarou.
"Ressalto que não há qualquer hipótese e nenhuma previsão orçamentária que possibilite a alocação de recursos para igrejas de qualquer denominação religiosa."
Ribeiro afirmou que "não há nenhuma possibilidade de o ministro determinar alocação de recursos para favorecer ou desfavorecer qualquer município ou Estado".
Ribeiro declarou ainda, em entrevista à CNN e à Jovem Pan, que fez uma denúncia sobre uma suposta conduta indevida dos pastores à CGU em agosto do ano passado.
A CGU é um órgão de controle interno do governo que, entre outras atribuições, a defesa do patrimônio público e o combate à corrupção.
No entanto, Ribeiro teria se encontrado pessoalmente com Santos e Moura ainda mais cinco vezes depois disso, segundo a Folha, mas o ministro afirmou que fez isso para que eles não suspeitassem de que estariam sendo investigados.
A CGU confirmou ter recebido duas denúncias em agosto do ano passado, uma delas sobre uma suposta vantagem indevida por parte de terceiros para liberação de verbas do MEC.
Uma comissão investigou de setembro e o início de março e "não constatou irregularidades cometidas por agentes públicos, mas sim possíveis irregularidades cometidas por terceiros", e sugeriu que os autos fossem encaminhados à Polícia Federal (PF) e ao Ministério Público Federal (MPF).
A CGU informou agora que decidiu fazer uma nova investigação para apurar novos fatos divulgados pela imprensa.
Ao defender Ribeiro, Bolsonaro repetiu a versão dos fatos do ministro.
"Está documentado. O Milton, no dia 27 de agosto, oficiou a CGU sobre esses caras que ele suspeitava. Poderiam falar: 'Ah..mas ele recebeu depois dessa data'. Recebeu. No meu entender, não vou botar palavra na boca dele, pra não atrapalhar a investigação", disse.
O que diz a lei?
Vania Aieta, presidente da Comissão de Direito Constitucional da OAB-RJ e professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), aponta que a suposta prática descrita pelo ministro infringe o artigo 37 da Constituição Federal.
O artigo prevê que "a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência."
A especialista em Direito Constitucional explica que há uma margem para que os gestores escolham pessoas para determinadas funções.
"Mas isso desde que as pessoas indicadas tenham um currículo condizente com a nomeação. Agora, só direcionar verbas a pessoas indicadas por pastores, ainda que essas pessoas obedeçam as condicionantes para o recebimento da verba, é 'pular' um processo das regras estabelecidas pelo MEC e pelo CNPQ [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico]."
"Você cria uma casta de privilegiados dentro desse contexto, motivado por vetores não desejados em uma república democrática. Beneficiar apenas os amigos é uma aberração em uma democracia, fere o princípio republicano que rege a administração pública e até o Estado laico, já que a motivação é religiosa."
O professor de Direito Administrativo e Financeiro na Universidade Federal do Paraná (UFPR) Rodrigo Luís Kanayama, complementa que a ação do ministro com os envolvidos se confirmada, violaria, além do princípio de impessoalidade, o de publicidade, já que a tal preferência não seria divulgada para toda a população.
"Pela atuação promíscua de pessoas que não integram o governo, em tese, os envolvidos podem ser punidos. O Ministério Público poderia propor uma ação, inclusive com base na lei em improbidade administrativa. Para o presidente Jair Bolsonaro, pode haver investigação avaliar a responsabilidade."
Na opinião do professor, o governo tem criado um histórico de falta de transparência na alocação de recursos. "Como no chamado 'orçamento secreto', está se tornando uma prática não fazer esforço para a publicidade de verbas públicas. É essencial que todo gasto seja transparente", avalia Kanayama.
*Com reportagem de Giulia Granchi, Leandro Prazeres e Rafael Barifouse, da BBC News Brasil em São Paulo e Brasília.