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Mineração em terras indígenas: riscos compensam os ganhos?

15 ago 2019 - 10h26
(atualizado às 12h50)
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Governo Bolsonaro elabora projeto para regulamentar exploração de minérios nessas áreas, enfrentando oposição da maior associação de povos indígenas. Levantamento da DW Brasil aponta aumento de interesse de mineradoras.O governo Jair Bolsonaro se prepara para enviar ao Congresso um projeto de lei para regulamentar a mineração em terras indígenas. A exploração de minérios nessas áreas é uma possibilidade prevista pela Constituição, mas como nunca foi aprovada uma regra específica com critérios e procedimentos, é hoje uma prática ilegal.

O secretário de Geologia, Mineração e Transformação Mineral do Ministério de Minas e Energia, Alexandre Vidigal, afirmou à DW Brasil que o governo entende que a mineração nessas áreas deve ser precedida da busca de consenso com o povo atingido, mesmo que a palavra deles não seja a final.

"Se a comunidade indígena não apresentar interesse, teremos conflitos, e nenhum investidor vai querer investir", diz. Ele afirma que, em todos os casos, haveria pagamento de royalties às comunidades afetadas.

Já a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), representante de 180 povos de nove estados na Amazônia, que ocupam 98% da área de reservas indígenas no país, é contra a regulamentação da mineração, ainda que com autorização das comunidades afetadas e compensações financeiras.

Mario Nicacio, do povo Wapichana, e vice-coordenador da Coiab, afirmou à DW Brasil que para a maioria dos povos indígenas o aspecto econômico não é prioritário, mas sim os aspectos ambiental e cultural.

"Já tivemos experiência com outros empreendimentos com compensações financeiras [como construção de hidrelétricas]. Vimos que não compensa a destruição de um rio, de uma serra, e coloca a vida dos povos indígenas em risco", disse.

Mesmo entre as organizações indígenas favoráveis à regulamentação, há resistência à possibilidade de que isso ocorra na gestão Bolsonaro em função dos sinais emitidos por ele. Em julho, o presidente afirmou que pretende estimular a criação de "pequenas Serras Peladas" pelo país, inclusive em áreas indígenas - em referência à mina de ouro no Pará que atraiu dezenas de milhares de garimpeiros na década de 1980.

No mesmo mês, Bolsonaro nomeou como presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai) o delegado da Polícia Federal Marcelo Augusto Xavier, ligado aos interesses do agronegócio.

A Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro, que representa 23 povos, defende a regularização da mineração, mas no âmbito de um novo Estatuto dos Povos Indígenas, e não por um projeto de lei especifico, como quer o governo. A entidade afirmou à DW Brasil, em nota, que a gestão Bolsonaro ameaça "legalizar atividades de garimpo predatório" em suas terras.

Hoje há garimpo ilegal em diversos territórios, acompanhado de registros de violência. Em julho, o cacique Emyra Waiãpi foi assassinado durante uma invasão de garimpeiros às terras de seu povo, no Amapá.

O projeto do governo para regulamentar o tema está sendo elaborado por um grupo de integrantes dos ministérios de Minas e Energia e do Meio Ambiente, da Casa Civil, da Funai e do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), sem representantes das comunidades indígenas.

Onde há interesse para mineração

As estimativas sobre jazidas minerais em terras indígenas e sua viabilidade econômica são pouco precisas. A maioria dos levantamentos geológicos disponíveis sobre essas áreas foi feita na década de 1970 e 1980, antes das demarcações. Dados mais recentes, coletados a partir de aeronaves e satélites, precisam ser confirmados com trabalhos de campo, mas o acesso a essas áreas é restrito.

Uma maneira de avaliar o interesse pela extração de minérios são os requerimentos de pesquisa ou lavra apresentados ao governo. As jazidas no subsolo pertencem à União, e para explorá-las as empresas ou pessoas físicas interessadas devem fazer um requerimento ao Departamento Nacional de Produção Mineral. Muitos dos pedidos incidentes em terras indígenas foram feitos antes de sua demarcação, em uma corrida entre as empresas para reservar as áreas nas quais havia indícios de minérios.

Um levantamento feito pela DW Brasil identificou 1.882 requerimentos incidentes em 169 das 325 terras indígenas no bioma amazônico. Houve um aumento recente do interesse pela mineração nessas terras. Em todo o ano de 2018, foram 31 requerimentos. Somente nos sete primeiros meses deste ano, foram 76.

Nenhum desses pedidos, porém, é autorizado pelo governo por se tratar de terras indígenas. Vidigal, secretário do Ministério de Minas e Energia, afirma à DW que a tendência é que esses requerimentos sejam invalidados caso a mineração seja regulamentada, pois as áreas seriam levadas a oferta pública e concedidas a quem oferecer o maior percentual de royalties.

Outro indicador do interesse pela mineração são os garimpos ilegais. Uma terra indígena sob a qual há ocorrência confirmada de diamantes, alvo de exploração irregular, é a reserva Roosevelt, dos índios Cinta-Larga, em Rondônia. Os Cinta-Larga são favoráveis à regulamentação da atividade.

Um mapeamento da Rede Amazônica de Informação Socioambiental Georreferenciada (Raisg) identificou, em 2018, garimpos ilegais em 43 terras indígenas no bioma amazônico.

O mapa abaixo mostra terras indígenas no bioma amazônico nas quais há requerimentos de pesquisa ou lavra e garimpos ilegais identificados pela Raisg.

A Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa Mineral apoia a regulamentação da mineração em terras indígenas. À DW Brasil, o presidente da entidade, Luis Mauricio Azevedo, defende que os povos afetados sejam soberanos sobre a mineração em suas terras, mas que antes de decidir eles tenham em mãos estudos sobre as jazidas e propostas de exploração e divisão de ganhos.

"Há povos indígenas em diferentes estágios de desenvolvimento, e não se pode forçar a mineração aos que não querem, mas um projeto bem feito será uma ferramenta de inserção econômica, que pode ajudar a preservar as comunidades de forma digna", afirma.

Segundo ele, a mineração poderia contribuir para que índios que hoje querem se inserir na sociedade, mas o fazem de forma precária por falta de recursos, tenham mais acesso a educação e saúde, "inclusive para preservar e guardar sua cultura".

Quais são os riscos?

A mineração é uma atividade de alto impacto ambiental, que pode destruir serras e áreas hoje ocupadas por matas. Estudo publicado pela Funai em 2007, de autoria da pesquisadora Melissa Volpato Curi, aponta que, no Brasil, "poucos são os casos de recuperação ambiental das áreas degradadas pela atividade minerária [...] O que ocorre, na maioria das vezes, é o abandono do passivo ambiental construído durante o tempo de extração".

Rejeitos da mineração mal gerenciados podem causar danos, como no caso do despejo de resíduos por uma mineradora norueguesa na bacia de Barcarena, no Pará, em 2018, ou tragédias, como o ocorrido em Mariana e Brumadinho. A contaminação de rios ou terras afeta diretamente a vida das comunidades indígenas, pois são suas fontes de alimento.

Outro risco são os danos à imagem do país no exterior provocado por iniciativas que estimulem o desmatamento. A Alemanha anunciou no último sábado (10/08) que irá congelar investimentos de 35 milhões de euros (cerca de 155 milhões de reais) em projetos de proteção ambiental no Brasil.

O Fundo Amazônia, que já captou 1,8 bilhão de reais para reduzir o desmatamento e é financiado sobretudo pela Noruega e, em parte, também pela Alemanha, corre risco de ser interrompido.

Há também preocupação com o impacto social e cultural da mineração nos povos indígenas. A dinâmica dos empreendimentos, que levam às comunidades pessoas com outros estilos de vida e recursos financeiros, introduz elementos estranhos à sua cultura e pode deteriorar sua identidade social e modos de viver, segundo Curi.

Para Nicacio, da Coiab, em vez de discutir a mineração, o governo deveria se dedicar a retirar os garimpos ilegais de terras indígenas. Ele afirma que a prioridade dos povos é preservar seu território e sua cultura.

"Os governos e os parlamentares devem respeitar o modo como os povos indígenas veem a vida e as intervenções no meio ambiente, assim como as regras internas de decisão das comunidades", afirma.

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