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Ministra: maior desafio é combater preconceito contra pobre

Em entrevista à BBC Brasil, Tereza Campello discute números que apontam crescimento na quantidade de brasileiros na miséria e descarta cortes em programas

19 nov 2014 - 11h57
(atualizado às 12h31)
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<p>A economista Tereza Campello, que está há quase quatro anos à frente do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome</p>
A economista Tereza Campello, que está há quase quatro anos à frente do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
Foto: BBC News Brasil

Após uma campanha eleitoral acirrada, em que parte da sociedade brasileira vilanizou os beneficiários de programas como o Bolsa Família – muitos deles, pobres e nordestinos –, resta a necessidade de "combater o preconceito contra o pobre", na opinião da ministra do governo federal responsável pelos programas.

Há quase quatro anos à frente do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, a economista Tereza Campello encabeça iniciativas que marcaram os governos petistas na última década, entre eles o Bolsa Família e o Plano Brasil Sem Miséria.

"A gente não pode pegar esse ódio de meia dúzia de pessoas absolutamente nefastas que falam absurdos do Bolsa Família e achar que isso é o Brasil", diz a ministra, que cita dados comprovando que os brasileiros, em sua maioria, apoiam os programas sociais.

Formada pela Universidade Federal de Uberlândia, Campello fez parte da equipe de transição do primeiro governo Lula e foi alçada ao cargo de ministra na administração de Dilma Rousseff. Ela conversou com a BBC Brasil na semana passada, durante um evento na London School of Economics, em Londres.

A ministra reconheceu que a deterioração da economia pode ter um impacto negativo nas populações mais pobres e discutiu dados oficiais divulgados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) que mostram um aumento no número de brasileiros vivendo na miséria.

Sobre sua permanência no cargo no próximo mandato, a ministra diz que a "pergunta deve ser feita à presidenta da República", mas que "pretende continuar ajudando o projeto, independente de onde for".

Confira abaixo os principais trechos da entrevista.

Números divulgados pelo Ipea no início deste mês com base em dados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) mostram que a quantidade de brasileiros vivendo na miséria não só parou de diminuir, mas também cresceu de 10,08 milhões em 2012 para 10,45 milhões em 2013. O que aconteceu? Por que o número de pessoas vivendo abaixo da linha de pobreza cresceu?

Mesmo seguindo essa linha (de pobreza adotada pelo) Ipea, se a gente for olhar, vamos ver que esta variação está dentro da margem de erro. Não podemos dizer que uma coisa subiu ou desceu quando está dentro da margem de erro. O ideal é que a gente olhe a tendência dos últimos dez anos ou do último período, para poder fazer uma avaliação econômica.

Ministra: "Pessoas não estão no Bolsa-Família por preguiça":

No ano passado, por exemplo, essa mesmo pesquisa da PNAD apresentou dentro da margem de erro uma variação de aumento dos analfabetos. Foi o maior escarcéu. Como pode aumentar analfabeto no Brasil? As pessoas deixaram de saber ler? Sabiam ler e deixaram de saber ler? Fomos olhar este ano, e era uma variação estatística.

A minha avaliação é que a pobreza continua caindo. A extrema pobreza continua caindo. O Bolsa Família para os extremamente pobres teve um aumento real de 20% no período analisado pela PNAD, o salário mínimo aumentou e o desemprego para a população extremamente pobre continuou caindo. Então, todos elementos econômicos que dão base à avaliação comprovam que as políticas continuam tendo eficiência.

Na última quinta-feira, a FGV divulgou que o Índice de Preços ao Consumidor – Classe 1, que mede a inflação para as famílias com renda de até 2,5 salários mínimos, voltou a subir em outubro e já acumula alta de 6,24% nos últimos doze meses. Nós sabemos que a inflação acaba por comprometer a renda, especialmente dos mais pobres. Não há o risco de a piora da situação econômica acabar anulando os ganhos com os programas sociais?

Nós temos atualizado os valores da linha de pobreza para garantir a paridade do poder de compra. Recentemente, nós aumentamos o valor do Bolsa Família de R$ 70 para R$ 77 (mensais per capita). Se a gente olhar os dados do Bolsa Família para os extremamente pobres, não tem nenhum outro indicador no Brasil que tenha tido um aumento maior dentro do mandato da presidenta Dilma do que o aumento da renda dos mais pobres com o Bolsa Família.

O Bolsa Família cresceu 84% acima da inflação em quatro anos. Então, nós estamos com valores que já estão bem acima do crescimento inflacionário e a expectativa é que a gente mantenha o poder de compra dos ganhos dessa população.

Então em uma eventual permanência dessas pressões inflacionárias os programas serão reajustados novamente?

Não tem porque a gente mudar a prática. É isso que tem acontecido. Agora, é óbvio que a inflação impacta. A nossa expectativa é que a inflação se mantenha dentro da meta e nós estamos tomando medidas para que isso aconteça.

Ao mesmo tempo, a deterioração da economia faz com que haja uma pressão de diversos setores por ajustes e cortes de gastos. Como resolver esse impasse entre a necessidade de continuar atendendo às famílias na miséria e na pobreza e a necessidade de cortar gastos. A senhora acha que os programas sociais também terão que sofrer ajustes?

Os programas dentro do (Plano) Brasil Sem Miséria certamente não serão objeto de redução. Tem alguns programas que vão ter redução, mas não por conta da agenda de cortes. Por exemplo, no caso de cisternas, nós cumprimos nossa meta. Hoje fizemos uma quantidade de cisternas [750 mil no primeiro mandato Dilma Rousseff] e no próximo período certamente não vamos manter o mesmo nível, porque não tem necessidade.

Existe ainda uma impressão de que o progresso em outros aspectos, como educação, saúde e outros serviços, não andou na mesma velocidade. Não há um problema nisso?

Eu acho que cada vez que a gente conquista um patamar, esse patamar se torna insuficiente. A gente andou um tanto, isso só faz com que a população queira mais ainda. Não só é legítimo querer mais saúde e educação, como isso é bom para o conjunto das famílias e bom para o Brasil. É importante que a gente tenha essa pressão popular e legítima, porque a gente quer melhorar também.

Na visão da senhora, qual são os grandes desafios do governo na área social neste mandato?

O maior desafio é a gente continuar garantindo uma inclusão econômica de qualidade para os pobres. Tem gente que acha que o pessoal do Bolsa Família não trabalha. Metade do público não trabalha mesmo, porque tem menos de 18 anos de idade. Felizmente eles não trabalham. Isso é uma vitória do Brasil, ter tirado as crianças do trabalho infantil, e o Bolsa Família ajudou muito nisso.

Talvez o nosso maior desafio seja lutar contra o preconceito contra o pobre, de dizer que o pobre não trabalha. Porque a população pobre do Brasil trabalha e trabalha muito.

O bisavô foi analfabeto, o avô foi analfabeto, o pai é analfabeto, essa pessoa não teve acesso a educação de qualidade, e tem gente que acha que ela tem de competir no mesmo nível com quem teve tudo isso. Não, nós temos é que ajudá-la a sair dessa situação, que não é a situação de preguiça. Essa pessoa trabalha. É a situação de não ter tido acesso a oportunidades.

O grande desafio hoje é que não só a gente melhore a vida da população pobre, mas principalmente a gente melhore a qualidade do trabalho no Brasil. [Por isso] uma coisa que a gente vai continuar trabalhando é o Pronatec, que são os cursos de qualificação profissional. Parte desses cursos tem sido levada para as populações de baixa renda. Com isso a gente melhorou muito a situação inclusive para a própria classe média. Você tem um garçom de qualidade, um cozinheiro de qualidade no restaurante, um cuidador de idoso, um cuidador de criança...

A senhora diria que deveria haver um prazo para o Bolsa Família acabar, mesmo que seja um longo prazo? Ou esses programas tendem a se tornar permanentes?

Todos os países do mundo, como a Inglaterra, têm programas que são programas sociais, programas de transferência de renda. A ideia de imaginar que você pode abrir mão deles significa que você acha que os países estão imunes (a crises) ou então parte daquela ideia de que o pobre é preguiçoso.

Tem muita gente que diz: você dá dois anos de oportunidade para essa pessoa, se ela em dois anos não se consertar, você tira do Bolsa Família. As pessoas não estão no Bolsa Família por preguiça.

Segundo, se você pega um país como a Espanha, que foi um dos países que mais sofreu com a crise: uma parte grande da população da Espanha hoje está desempregada. Então você estaria sujeitando seus programas a ter prazo segundo o quê?

Terceiro: nós já chegamos, em nossa avaliação, na quantidade de brasileiros que deveriam estar em tranferência de renda. Então esse patamar já se estabilizou.

O exemplo do Brasil tem mostrado como programas que não têm prazo de duração de dois anos são mais eficientes do que esses programas que terminavam artificialmente, jogando muitas vezes as crianças no desalento. A criança estava na escola, estava bem, a família cai na pobreza de novo, a criança sai da escola e vai para o trabalho infantil.

Então seria o caso de tornar o programa um benefício constitucional?

Eu acho que esse é um debate que a sociedade tem de fazer. Hoje o Bolsa Família é lei. Aliás, ele é lei desde 2003 e hoje ele está anunciado como um direito. Qualquer brasileiro que receba - considerando a sua renda e o número de seus familiares - menos de US$ 1,25 (por dia) tem direito ao Bolsa Família, e nós queremos que ele esteja dentro do Bolsa Família. O debate se bota na Constituição como um direito ou não é um debate legítimo que a sociedade tem que fazer.

Como a senhora vê o uso dos programas sociais durante a campanha? A impressão é de que houve nas redes sociais um aumento no preconceito contra os nordestinos usando muitas vezes o Bolsa Familia e os programas sociais como base para essas críticas. Como vê isso?

A gente não pode pegar o número de pessoas que postam coisas preconceituosas e racistas nas redes sociais e achar que isso reflete o povo brasileiro. A gente não pode pegar esse ódio de meia dúzia de pessoas absulutamente nefastas que falam absurdos do Bolsa Família e achar que isso é o Brasil. Não é mesmo.

Tem uma pesquisa do Ibope a que eu tive acesso em setembro, no auge do período eleitoral, que dizia que 75% dos brasileiros eram a favor do Bolsa Família. Os brasileiros não acham que os pobres são preguiçosos e os brasileiros acham que o Bolsa Família deve ser garantido sim.

Essa é uma discussão em que a gente permanentemente tem que informar à sociedade. Por exemplo, a informação de que 75% dos adultos do Bolsa Família trabalham. Na sociedade que não recebe Bolsa Família, 75% dos brasileiros trabalham. Se não é diferente, por que é que acham que são os do Bolsa Família que não trabalham? Não tem nenhuma base factual para que as pessoas afirmem isso.

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