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MP diz que missionário nomeado para Funai foi escolhido por entidade para mudar política para índios isolados

12 fev 2020 - 10h19
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A Missão Novas Tribos do Brasil (MNTB) planejou colocar o ex-missionário Ricardo Lopes Dias à frente da diretoria de índios isolados da Fundação Nacional do Índio para mudar a política dessa área, mostrou fala de Edward M. Luz, filho do presidente da organização missionária, citada pelo Ministério Público do Distrito Federal em ação que quer cancelar a nomeação de Dias.

Índio da tribo Guarani Mbya durante protesto em São Paulo 
05/02/2020
REUTERS/Amanda Perobelli
Índio da tribo Guarani Mbya durante protesto em São Paulo 05/02/2020 REUTERS/Amanda Perobelli
Foto: Reuters

Na ação, o MP apresenta uma declaração dada por Luz na sede da Funai em Altamira (PA), em que o missionário fala claramente da indicação de Dias pela MNTB.

"Nós vamos colocar um novo presidente na CGIIRC, nós acabamos de indicar uma nova pessoa para a CGIIRC (Coordenação-Geral de Índios Isolados e de Recente Contato), acho que você já deve ter lido e nós vamos formalmente mudar essa política, porque nós acreditamos que por mais inteligente que ela tenha sido até agora, ela permite manipulações, nós desconfiamos de manipulações", diz Luz.

Com mestrado em antropologia, mas expulso da Associação Brasileira de Antropologia em 2015, segundo a própria associação, por seus posicionamentos contrários à tradição antropológica, Luz é conhecido como "antropólogo dos ruralistas".

Foi consultor da Frente Parlamentar Agropecuária durante a CPI da Funai que, dominada pela bancada, tentou indiciar indígenas, antropólogos, procuradores e integrantes da Igreja Católica por supostas fraudes nos processos de demarcação de terras e na aplicação de recursos destinados às tribos

Na sua fala na Funai de Altamira, Luz afirma que a política para os índios isolados está afetando a economia da região e defende os produtores.

"Agora, ela está afetando profundamente a economia de uma região, a vida de pessoas também, é isso que a gente queria ver, esse drama. Até pouco tempo atrás o discurso da antropologia, até porque só tinha basicamente isso pra falar, se você era antropólogo você só falava de sofrimento indígena. Hoje a ação de vocês me permite falar do sofrimento dos produtores, agricultores e é por isso que eu estou aqui", disse.

"Enquanto a gente conseguir equilibrar isso daí, a gente vai chegar numa boa conversa", disse ele, de acordo com a transcrição feita pelo Ministério Público.

Ex-missionário da MNTB, onde atuou por 10 anos, e antropólogo, o novo coordenador da Funai indicado pelos missionários só pôde ser nomeado depois de uma alteração no regimento interno da Funai, feita pelo presidente do órgão, Marcelo Xavier, para que pessoas de fora da administração pública pudessem ocupar o posto.

Uma das coordenações mais importantes e sensíveis da Funai, a CGIIRC monitora os 28 povos indígenas isolados sobre os quais se tem comprovação e acompanha os indícios de existência de outros 86. Desde o final da década de 1980, a política indigenista brasileira é de não fazer contato com essas populações.

No entanto, a MNTB, organização de origem norte-americana que atua no Brasil desde a década de 1950, tem um histórico de tentar burlar a política brasileira já há algumas décadas. A ação civil pública contra a nomeação de Dias cita a atuação da organização evangélica em relação entre os Zoé, os Waiãpi, os Ianomami e os povos do Vale do Javari.

Os Zoé, uma das tribos relativamente isoladas que habita o noroeste do Pará, foi contatada pela MNTB à revelia da Funai no início dos anos 1980. Em 1991, quando a Fundação estava sob o comando do indigenista Sidney Possuelo, os missionários foram retirados do local.

A Missão tentou na Justiça o direito de permanecer na terra indígena, mas sua retirada do local foi confirmada em decisão do Supremo Tribunal Federal.

A Funai acusa a MNTB de ter causado a morte de pelo menos 37 indígenas, em um processo que foi arquivado em 2007 por falta de provas.

O próprio novo coordenador da Funai trabalhou por 10 anos tentando evangelizar o povo Matsé, do Vale do Javari, e chegou a construir uma igreja evangélica em um dos locais das terras Matsé.

O MNTB não tinha permissão para atuar nas áreas indígenas, mas mesmo assim entrava nas terras. De acordo com uma fonte ouvida pela Reuters, o grupo missionário entrava com um pedido de autorização mas se instalava nas terras antes de receber a resposta. Mesmo depois dos missionários serem retirados, voltava a agir.

Documentos de entidades evangelizadoras citados pelo MP mostram o esforço desses grupos - entre eles a MNTB - de chegar até os índios isolados, assegurar sua conversão e cumprir o que chamam de "missão não finalizada".

"A persistência missionária em realizar a tarefa colossal de evangelização dos povos indígenas explica-se pelo compartilhamento, pela MNTB, da interpretação fundamentalista segundo a qual a humanidade vive a sétima era da história sagrada, que está destinada a ver a consumação dos tempos com a segunda vinda de Cristo, que só será realizada através da 'conquista das últimas fronteiras desse mundo'", diz a ação.

Na ação, o MP pede uma liminar para o imediato afastamento de Dias do cargo e a nulidade das portarias que o nomearam e que permitiram a nomeação de pessoas de fora do serviço público. Os procuradores argumentam que há evidente conflito de interesses, incompatibilidade técnica e risco de retrocesso na política de não-contato.

Em nota, a Funai atribuiu a ação à "inconcebível intransigência" por Dias ser evangélico, e que cumpriu os parâmetros para nomeações determinados pela Constituição.

Dias disse à Reuters em mensagem no WhatsApp que está sendo "perseguido".

(Edição de Eduardo Simões)

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