'Não sou petista, sou lulista': o que dizem os colegas de sindicato de Lula sobre condenação
Participantes de greves dos metalúrgicos nos anos 1970 e 1980 admitem erros do partido em esquema de corrupção, mas dizem que há 'perseguição política' contra ex-presidente.
A ex-faxineira Maria Elicélia da Silva tem uma paixão incondicional por Lula, sentimento que a condenação por corrupção e lavagem de dinheiro dada pelo juiz Sergio Moro não esgotou. "Se Lula fosse um cachorro, eu votaria em um cachorro. Se fosse um gato, eu iria de gato. Não sou petista, sou é lulista, vê a diferença?", diz.
Essa separação entre Lula e o PT é usada por antigos colegas do ex-presidente quando falam sobre os imbróglios jurídicos que envolveram o petista e sua sigla nos últimos anos. O PT pode ter errado, mas Lula é sempre poupado, apesar de ser a maior força da sigla.
Na semana passada, o ex-presidente foi condenado a nove anos e seis meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no julgamento em que era acusado de receber um apartamento tríplex no Guarujá (SP), mais a reforma do mesmo imóvel, em troca da promoção de interesses da empreiteira OAS junto à Petrobras.
O caso do tríplex ainda será julgado em segunda instância. Caso seja condenado, Lula pode ficar inelegível ou ser preso.
Em denúncia de setembro do ano passado, o Ministério Público Federal (MPF) classificou Lula como "comandante máximo" do esquema de corrupção na Petrobras.
O petista também responde a outros processos, no âmbito de operações como a Lava Jato e a Zelotes. Entre as acusações, há lavagem de dinheiro, corrupção e obstrução da Justiça. O ex-presidente nega todas elas.
'Mostre as provas, infeliz'
Na última semana, depois da condenação pelo caso do tríplex, a BBC Brasil ouviu seis ex-colegas do petista que participaram das grandes greves dos metalúrgicos no final dos anos 1970 e início dos 1980, no ABC paulista. Na época, Lula presidiu o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e liderou greves que pararam grandes empresas da região. A maioria não tem mais contato com o antigo líder - dois deles, que vivem no Ceará, só veem o político pela televisão.
Questionados sobre as diversas acusações ao ex-presidente, os ex-colegas repetem os argumentos de Lula: 1) Moro é parcial e não tinha provas de que o ex-presidente fosse o dono do tríplex no Guarujá; 2) os processos contra Lula são parte de uma perseguição de quem nunca o aceitou como político, as chamadas "elites"; 3) o petista só foi condenado porque lidera as pesquisas de opinião para as eleições em 2018.
Na sentença sobre o caso do tríplex, o juiz Sergio Moro afirmou que sim, é imparcial, e que a condenação nada tem a ver com as eleições de 2018.
O magistrado também alegou que não era necessário que o apartamento estivesse no nome do ex-presidente para provar vantagens indevidas dadas a ele. O magistrado cita a argumentação do Ministério Público Federal, para o qual a manutenção do imóvel em nome da empresa foi feita para "ocultar e dissimular o ilícito".
Para dona Zelinha, como Maria Elicélia é conhecida, as provas não apareceram. Ela era faxineira do sindicato quando Lula discursava para milhares de operários em assembleias em estádios do ABC. Hoje, tem uma lanchonete no prédio da organização.
No dia em que a condenação foi anunciada por Moro, ela não quis dar entrevista. Estava triste, nervosa. "Como vou falar do meu companheiro para um repórter? Não tenho esse direito", diz.
No dia seguinte, mais calma, conversou normalmente. "Eu falaria para esse juiz Moro: infeliz, mostre as provas. Cadê as provas?", diz.
"Eu acho que o pecado de Lula é ser popular demais. Tem gente que não aceita", diz o ex-metalúrgico Antonio Luiz, o Robozão, hoje assessor de um deputado estadual do PT. "Se Lula não fosse o primeiro nas pesquisas, ninguém estava nem aí para ele."
Antonio militou com Lula desde a primeira grande greve, em 1978, na Scania. Depois, quando as paralisações tornaram-se frequentes, a polícia começou a procurar líderes do movimento. "A gente escondia Lula em qualquer canto. Foi um momento muito difícil", diz.
O ex-presidente foi preso em 19 de abril de 1980, acusado de ser o principal "agitador" das greves, que não eram aceitas pela ditadura que governava o país. Djalma Bom, um dos diretores do sindicato na época, também foi detido e ficou com 31 dias com Lula na mesma cela.
Ele elege uma cena daquele mês como a mais difícil da vida do amigo, momento mais complicado do que o vivido hoje: "Lula estava no beliche em cima da minha. Ele abaixou, com lágrimas nos olhos e disse: 'Djalma, minha mãe morreu", conta.
Cachaça e uísque
Na primeira ligação da BBC Brasil, horas depois de o ex-colega de militância ser condenado por Moro, ele disse que não tinha condições de falar. "Estou mal, né?", afirmou. Dois dias depois da sentença, deu entrevista. Ainda filiado ao PT, Djalma tornou-se bastante crítico à trajetória que o partido tomou nos últimos anos.
"Eu não concordo com os desvios praticados por algumas pessoas que comandaram o Partido dos Trabalhadores", diz. "Como partido que acumulava força para mudar a sociedade, no fim, o PT entrou no caminho que só se preocupa com eleição, um caminho distanciado dos seus objetivos iniciais. Antes, era democrata, socialista, colado aos trabalhadores."
Djalma foi um dos primeiros deputados federais eleitos pelo PT, em 1982. Recebeu 164.398 votos. "Na minha eleição, a gente arrecadava dinheiro para a campanha dentro das fábricas, com os trabalhadores. Hoje, o PT corre atrás de empresários. Os anseios dos trabalhadores não são os mesmos dos empresários", diz ele, hoje com 78 anos.
"O PT se afastou de sua base, se afastou dos movimentos sociais que sempre foram sua sustentação."
No entanto, ele poupa Lula das acusações feitas ao petista. "Eu colocaria meu corpo inteiro na fogueira por Lula, ele me provou que é honesto. Ele foi preso uma vez injustamente e isso não vai acontecer de novo", diz.
Por outro lado, Djalma faz uma crítica ao amigo, que não vê mais com a mesma frequência de outros tempos. "O poder mexe com a vaidade das pessoas. Você bebe cachaça 51 e, depois do poder, passa a beber uísque 18 anos. Acho que isso aconteceu com ele."
Lula já disse querer voltar ao poder, e anunciou sua candidatura a um possível terceiro mandato na Presidência. Segundo pesquisa Datafolha de junho, ele tem 30% das intenções de voto, seguido por Jair Bolsonaro (PSC), com 16%, e Marina Silva (Rede), com 15%.
Apesar de líder nas intenções de voto, o petista tem alto índice de rejeição: 46% dos entrevistados disseram que nunca votariam nele.
'Emoção à parte'
Ainda militante metalúrgico, Januário Fernandes da Silva repete o discurso de Lula sobre uma suposta perseguição. "A elite brasileira nunca engoliu que um operário de uma fábrica fosse o comandante máximo do país. Essa condenação é mais uma fase do golpe dado na democracia brasileira", diz, sentado em sua mesa no sindicato.
Ele evita criticar diretamente líder e o PT. "Não vou fazer autocrítica para um repórter, né? A gente faz isso, mas internamente."
Januário hoje tem 62 anos e é fotógrafo do sindicato. Nas greves, participou de uma comissão de fábrica da Ford no fim dos anos 1970. Esses grupos foram uma inovação de Lula na presidência do órgão.
Até então, o sindicato ficava afastado dos peões das fábricas, segundo os trabalhadores da época. Lula propôs o oposto: os sindicalistas deveriam participar das decisões internas das fábricas, por meio de comissões de metalúrgicos em cada unidade.
"Lula dizia que a gente deveria ficar na porta da fábrica, dentro dela, a gente devia participar da vida do trabalhador. Essa proximidade criou um novo sindicalismo no Brasil", diz Djalma. O então líder sindical ganhou popularidade entre os peões por sua oratória inflamada e a simplicidade com que tratava os colegas, lembram os amigos.
Foi nessa época, em 1978, que José Alves Bezerra se aproximou do futuro presidente da República. "Eu estava sempre com Lula, nas assembleias, no sindicato", diz, acrescentando que foi demitido por justa causa da Volkswagen por sua participação nas greves.
Nos anos 1990, ele abandonou o sindicalismo e voltou para sua cidade natal, Várzea Alegre, município de 40 mil habitantes no interior do Ceará. "Meu amigo, aqui em Várzea está todo mundo revoltado com essa condenação. E digo isso com a emoção à parte", afirma.
Por telefone, Bezerra também separa a figura de Lula do PT. "Lula é uma coisa, o partido é outra. A gente não sabe quem são essas pessoas que tomaram conta do PT. Votaria nele mil vezes, quatro vezes mil", diz.
Maria do Socorro, que também abandonou a militância e voltou para a mesma cidade no Ceará, acrescenta sobre as acusações do líder: "Se Lula errou, por que só ele vai pagar? E Michel Temer, que está todo enrolado, e continua aí todo bonitão? E Aécio Neves?", pergunta, em referência ao presidente e ao senador tucano, também investigados pela operação Lava Jato.
O dia mais feliz
A ex-faxineira dona Zelinha conta que 27 de outubro de 2002, quando Lula foi eleito pela primeira vez presidente do país, foi o dia mais feliz de sua vida. "Eu só chorava. Só fiquei triste porque ele não poderia mais falar palavrão, igual falava para mim. O cargo não deixa", diz.
Na tarde da sentença de Moro, um homem passou na frente do sindicato e xingou o petista de "ladrão". Dona Zelinha saiu até a porta do prédio. "Eu queria pegar pelo pescoço... Ninguém fala mal dele perto de mim. Estou muito triste, mas tenho certeza da inocência dele", diz ela, que tem 68 anos.
Nordestina como Lula (nasceu em João Pessoa, Paraíba), ela explica de novo seu amor incondicional pelo ex-sindicalista, presidente da República por duas vezes, e hoje condenado por corrupção e lavagem de dinheiro: "Não sou petista, sou lulista. Lula corre aqui nas minhas veias."