Não vamos pedir autorização para proteger população, diz governador do Pará sobre Bolsonaro e coronavírus
Helder Barbalho diz que pronunciamento de Bolsonaro não influenciará ação no Estado, que segue OMS, ministério e 'quem entende de saúde pública'. 'Não há risco maior que perder vidas'.
Um dia depois de o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) criticar em cadeia nacional de TV o fechamento de escolas, comércio e transporte em diversas regiões do país como forma de combater o avanço do novo coronavírus, nada mudou nos planos do governador do Pará, Helder Barbalho (MDB).
"Estamos fazendo a nossa parte aqui. Nós não vamos nos apegar ao calendário de quem quer que seja, muito menos pedir autorização a quem quer que seja para cumprir com a nossa obrigação que é defender a população paraense", afirmou.
No Estado, continuarão fechados, sob determinação do governo estadual, escolas, estradas e transporte fluvial, bares, restaurantes e casas de show.
Na hierarquia de recomendações sobre como superar a crise, as palavras da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do próprio Ministério da Saúde valem mais para Barbalho que a do presidente da República.
No sábado (21/03), Barbalho divulgou um vídeo em que criticava a demora na atuação do Planalto em propor soluções para a chegada da pandemia ao Brasil.
Em entrevista à BBC News Brasil, concedida em meio à avalanche de críticas ao pronunciamento mais recente de Bolsonaro sobre a pandemia, Barbalho diz que a divergência tão extrema de orientações entre presidente e Ministério da Saúde não ajuda no combate ao coronavírus.
Barbalho, que tem 40 anos e já foi ministro da Pesca e Aquicultura e ministro-chefe da Secretaria Nacional dos Portos no governo Dilma Rousseff (PT), além de ministro da Integração Nacional no governo Michel Temer (MDB), enfatiza que, no Pará, a autoridade máxima do poder Executivo é ele.
Leia, abaixo, os principais trechos da entrevista:
BBC News Brasil - O que acha do posicionamento do presidente Bolsonaro em relação ao coronavírus?
Helder Barbalho - Olha, nós temos dialogado com o Ministério da Saúde de maneira muito frequente e intensa. Temos construído parcerias efetivas e vamos prosseguir nessa busca constante para viabilizar que o governo federal possa nos permitir que tenhamos. Estamos buscando todas as parcerias necessárias para proteger a nossa população. E o Ministério da Saúde é o nosso ponto focal junto ao governo federal.
BBC News Brasil - A ponte tem sido mais o Ministério que o presidente?
Barbalho - Nossa tratativa é com o ministro da Saúde e com a área de vigilância em saúde, que são os nossos interlocutores para que possamos fazer frente a estas ações que nós planejamos aqui no nosso protocolo de contingência que estamos colocando em prática aqui.
Com relação à questão econômica nós assistimos o anúncio do presidente e do ministro da Economia [um pacote de R$ 88 bilhões para ajudar os Estados], achamos que é importante.
BBC News Brasil - O senhor tem seguido as recomendações do Ministério da Saúde sobre as medidas e cuidados de isolamento social. Ontem (24/3), na TV, o presidente orientou com todas as letras que se abra o comércio, que se isolem apenas os idosos, e disse que vai falar com o ministro da Saúde para que se reverta parte dessas medidas. Vai acatar?
Barbalho - Eu respeito e convivo muito bem com o contraditório.
BBC News Brasil - Desculpe a interrupção, mas nesse caso é a União, o governo federal, falando com os Estados, é mais que uma opinião.
BBC News Brasil - Eu respeito o contraditório, porém, como chefe do poder Executivo no território paraense, os procedimentos de orientação do governo do Estado do Pará estão absolutamente alinhados com a Organização Mundial da Saúde, alinhados com as orientações técnicas de todos aqueles que entendem de estratégia de saúde pública.
Temos buscado estudar experiências de outros países que já enfrentaram esta crise, portanto no território paraense não haverá mudança de rota daquilo que tem sido colocado claramente por parte das autoridades locais.
BBC News Brasil - Então, no tema coronavírus, a autoridade máxima não será o presidente da República.
Barbalho - Nós estamos seguindo as orientações técnicas. Os agentes políticos devem assessorar-se dos técnicos para tomada de decisão. As orientações da OMS e as orientações dos técnicos do Ministério da Saúde colocam claramente qual é a estratégia correta a seguir, e é isso que nós vamos fazer.
Respeitando quem pensa diferente, respeitando quem possa defender teses contrárias. Agora, da mesma forma que eu respeito o contraditório, não abro mão que respeitem o contraditório também.
BBC News Brasil - De que cada Estado possa seguir sua decisão?
Barbalho - Sem dúvida alguma.
BBC News Brasil - O senhor acha que essa situação de cada Estado ter que montar seu plano e ouvir, mas não seguir a Presidência da República, atrapalha as estratégias? A população segue as orientações do presidente, quer voltar para a rua, romper o isolamento?
Barbalho - Não ajuda. Não ajuda, é fato. Agora vamos medir qual o nível de repercussão, se isso será restrito a segmentos muito isolados.
BBC News Brasil - Na semana passada o senhor reclamou que o governo federal estava demorando em reagir ao coronavírus. O senhor mantém essa avaliação?
Barbalho - O que eu tenho colocado é de que cada um tem o seu tempo. Não devemos, inclusive, perder tempo fazendo avaliação do outro. Deve se focar em cada um fazer a sua parte e nós estamos fazendo a nossa parte aqui.
Nós não vamos nos apegar ao calendário de quem quer que seja, muito menos pedir autorização a quem quer que seja para cumprir com a nossa obrigação que é defender a população paraense.
BBC News Brasil - Que medidas o senhor considera mais fundamentais no Pará?
Barbalho - Além das medidas de isolamento social, na região metropolitana (de Belém) nós fizemos uma estrutura no estádio de futebol para as pessoas que são moradores de rua, de maior vulnerabilidade social.
Contratamos ontem 720 leitos que começam a ser levantados a partir da semana que vem em quatro hospitais de campanha espalhados, já que o Pará tem uma extensão territorial muito significativa. Teremos em Belém, outro no Oeste, outro no Marajó, e estamos adquirindo equipamentos de UTI para acréscimos de UTI na nossa rede.
E no campo da área econômica, lançamos um fundo de microcrédito para microempreendedores, empreendedores individuais e trabalhadores informais. São R$ 100 milhões. E outra linha para capital de giro e folha de pagamento, para garantir que as pessoas não precisem demitir todo mundo.
Antecipamos o salário dos servidores, todos começam a receber hoje até o dia 27 para dar uma injeção de recursos. Já havíamos, antes da Aneel, suspendido o corte de energia por 30 dias, desde a terça-feira da semana passada. E de água também.
Compramos medicamentos ontem, novas máquinas para ampliar a testagem no laboratório central. Eram 40, vamos chegar na segunda-feira para até 120 testes.
BBC News Brasil - Qual a importância dos recursos federais para essas medidas?
Barbalho - Fundamental. Todas as ações que estamos fazendo demandam custeio e investimentos. Se você vai comprar um conjunto de equipamentos, você tem que pagar. Inclusive o mercado está tão aquecido que se não antecipar 30%, 40%, você não assina contrato.
Da mesma forma, por exemplo, os leitos. Tivemos que antecipar também 30%, senão não saem as carretas de São Paulo para vir montar os leitos. Além dos recursos é fundamental que o Ministério da Saúde possa garantir o funcionamento dos EPIs (equipamentos de proteção individual) para que os trabalhadores da área da saúde tenham condições de trabalho. E que possam ajudar na distribuição de medicamentos.
É muito importante que o teste rápido seja distribuído, que possa verificar e validar os sintomas desde o primeiro dia. E não esse outro modelo de teste rápido que só valida a partir do sétimo dia do vírus. Aí você corre o risco de mascarar o resultado, e até estimular as pessoas negativadas a pensar que estão bem, quando na verdade só não foram positivadas porque o vírus ainda não cumpriu o ciclo dos sete dias.
BBC News Brasil - E os efeitos econômicos? O Pará tem muitos trabalhadores informais.
Barbalho - Me preocupa profundamente. As iniciativas lançadas pelo governo federal são importantes, eu recomendei que eles possam adicionar a isso a possibilidade de facilitar, inclusive, para que os próprios Estados tenham acesso aos fundos constitucionais.
E defendo o raciocínio do ex-presidente do Banco Central, Armínio Fraga, que estimula que o governo federal possa criar uma transferência de renda excepcional neste momento e que possa garantir um seguro para as populações mais sofridas do Brasil.
BBC News Brasil - O coronavírus cria uma expectativa de recessão global, impactos tanto em mortes como depressão econômica. Que riscos vê para o Pará, se o combate não for bem administrado?
Barbalho - Não há risco maior do que perder vidas. Esse é, seguramente, nosso maior desafio, é proteger as pessoas. Garantir que o Brasil possa atravessar esse momento sem que assistamos aqui exemplos como a quantidade de pessoas que vieram a óbito, seja na Itália, seja na China, nos EUA, e outros tantos países.
O principal nesse momento é que consigamos salvar a população. Em paralelo a isso que sejamos capazes de diminuir o sofrimento e as consequências econômicas que a população está vivendo.
Por isso a busca pelo combate do único inimigo que esse país deve ter, que é o coronavírus, deve ser o que nos pauta neste momento.
BBC News Brasil - O senhor está mais otimista ou mais preocupado?
Barbalho -Todos nós devemos estar preocupados, (é preciso) agir e tranquilizar a população. E liderar, de maneira leal, o enfrentamento desse desafio que está posto.