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'Não vejo meus filhos há 3 anos': a saga de refugiados para trazer a família ao Brasil

Jeff Bobolibanda é um dos 280 refugiados que aguardam emissão de vistos de reunião familiar; diretor de ONG afirma que pedidos como esses chegam a demorar mais de 2 anos.

2 abr 2018 - 13h42
(atualizado às 14h23)
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Jeff Mokendju Bobolibanda, de 45 anos, foi preso minutos após denunciar a pessoa que matou sua irmã em um protesto contra o presidente do Congo, Joseph Kaliba, no poder desde 2001. Uma vez trancafiado, ele conta que só lhe restaram duas opções: suportar a vida na cadeia, sem previsão para deixá-la, ou fugir.

Ele diz ter escolhido a segunda. Após 13 semanas dividindo uma cela com outros presos, avisou aos guardas que estava passando mal e foi levado às pressas a um hospital, onde despistou os policiais e conseguiu escapar, segundo seu relato. Mas ele se deu conta de que precisava deixar o país o mais rápido possível para não ser recapturado e sofrer penas ainda mais duras.

"Um amigo que tinha trabalhado na imigração falou que o Brasil facilitava o processo de refúgio. Eu não pensei duas vezes e voei para cá", conta.

O congolês viajou sozinho, sem dinheiro e falando apenas francês. Diz que chegou ao aeroporto de Guarulhos (SP) em maio de 2015 "como se tivesse caído do céu". "Cheguei às 4h. Eu não sabia para onde eu deveria ir nem o que fazer. Ninguém sabia me explicar também. Seis horas depois, eu conheci um homem de uma ONG de refugiados, que me levou para o Cáritas, da Igreja, onde eu comi e morei até conseguir trabalho."

Ele teve dificuldade para aprender português, fez trabalhos braçais - embora tenha dois diplomas universitários - e enfrentou dificuldades financeiras. Mas, na sua avaliação, é agora que vive seu maior desafio: trazer sua mulher e três de seus cincos filhos para lhe fazer companhia em terras brasileiras.

Com dinheiro para as passagens, arrecadado em uma vaquinha por seus colegas de trabalho, Bobolibanda esbarrou na burocracia: solicitados há seis meses, os vistos ainda não foram expedidos pelo Ministério das Relações Exteriores (MRE), revelando um problema que afeta outras pessoas que, como ele, tentam reunir suas famílias.

Segundo o Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), órgão ligado à pasta responsável pela concessão desses vistos, a média de espera para a emissão do documento é de quatro meses, mas que alguns fatores podem causar atrasos, como falta de documentos exigidos, documentação em baixa resolução ou "outros trâmites relacionados aos processos internos do MRE, que são particulares à competência deles, a de expedição de visto".

Questionado pela BBC Brasil sobre o status do caso do congolês, o Conare afirmou apenas "somente o interessado tem acesso a essa informação". Bobolibanda diz que o órgão nem sequer lhe avisou se os documentos enviados por ele para o processo estão corretos.

Ele está preocupado: sua mulher, desempregada, depende do dinheiro que ele manda todos os meses para pagar o aluguel e as escolas dos filhos. "Lá, a situação é grave, não tem escola ou hospital públicos. Se você for ao Congo, você chora. Eu trabalhava em três empregos para colocar comida em casa. Só queria que eles viessem para perto de mim. Minha mulher era costureira lá e também poderia trabalhar aqui."

O desafio de recomeçar

Quando o refugiado chegou ao país, nem a formação em informática de gestão e contabilidade nem a experiência como professor universitário foram suficientes para lhe garantir um emprego. Nesses pouco mais de três anos no Brasil, ele já trabalhou carregando pedras de mármore, foi ajudante em um restaurante francês e operário em uma fábrica de plásticos.

Há sete meses, finalmente conseguiu migrar para uma de suas áreas de atuação. Agora, trabalha como assistente contábil na consultoria Gradual Investimentos, em São Paulo. Entre suas funções está fazer o controle do dinheiro que entra na empresa e, neste mês, está aprendendo funções de outras áreas, como a de pagamentos.

Jeff Mokendju Bobolibanda, de 45 anos, foi preso após denunciar a pessoa que matou sua irmã no Congo
Jeff Mokendju Bobolibanda, de 45 anos, foi preso após denunciar a pessoa que matou sua irmã no Congo
Foto: BBC News Brasil

Sensibilizados pela trajetória do congolês, colegas de trabalho de Bobolibanda fizeram uma vaquinha e conseguiram juntar R$ 25 mil para pagar as passagens aéreas que trariam a família do refugiado ao Brasil.

"Eu estou muito feliz com toda essa ajuda que eu tive para conseguir emprego e conseguir o dinheiro. Quero crescer na empresa e continuar estudando, mas trazer minha família (para o Brasil) é minha prioridade. Não vejo minha mulher e meus filhos há três anos. É duro, mas eu tenho paciência e sei que daqui a pouco eles vão chegar aqui", disse ele à BBC Brasil no escritório onde trabalha, na zona oeste de São Paulo.

Após ouvir uma pergunta sobre as três ou quatro conversas semanais de áudio e vídeo que tem com a família por meio do WhatsApp, Bobolibanda faz uma pausa. E anuncia: "Vou chorar".

O casal, junto há 30 anos, tem filhos de 9, 11, 13, 18 e 22 anos. "Durmo e acordo sozinho na quitinete onde eu moro. Não é fácil. Meu sonho é um dia poder viajar com meus filhos pelo Brasil. Os lugares que eu acho mais lindos são Curitiba e Porto Alegre", conta.

De acordo com o Conare, há 280 pedidos de vistos como os de Bobolibanda "aguardando expedição", sem previsão para serem emitidos. Somente em 2017, 473 pessoas foram reconhecidas como refugiadas no Brasil - requisito para pedir a reunião familiar.

A assessora jurídica da Missão Paz (comunidade de religiosos que auxilia migrantes em 34 países), Livia Lenci, diz que a presença da família é vital para a adaptação do refugiado em seu novo país. "O suporte familiar faz parte de uma necessidade humana básica. Sem ele, ocorre um impacto psicológico muito grande e essa pessoa com certeza não vai ter a mesma adaptação, no trabalho, sozinha", diz.

Segundo ela, a distância ainda ajuda a perpetuar a pobreza dos refugiados, pois a maior parte deles precisa sustentar duas casas, como Bobolibanda. "Eles mandam dinheiro para o país de origem para ajudar a família e acabam pagando dois aluguéis e outras despesas. Sem contar que, para isso, precisam trabalhar exaustivamente", completa Lenci.

Sem estrutura

O diretor da ONG Adus (Instituto de Reintegração do Refugiado), Sidarta Martins, diz que o Brasil não tem estrutura para julgar os casos de reunião familiar pedidos pelos refugiados.

"Muitas vezes, demora mais de dois anos. Isso é causado por vários fatores, mas um deles é a grande quantidade de pedidos. Há dez anos, o Brasil recebia 200 pessoas por ano pedindo refúgio. Hoje, esse número está em cerca de 20 mil", afirma.

Martins diz ainda que outro impasse para a emissão do visto é a quantidade de documentos exigidos aos estrangeiros, como comprovante de vacinação e de residência de todos os familiares do refugiado. Segundo ele, o governo brasileiro também tem dificuldade para entender o conceito de família de outros países.

"O Brasil trata o refugiado como se fosse um turista comum - e não alguém que deixou para trás uma situação de risco ou conflito. Muitos parentes, como sobrinhos, têm dificuldades para provar que fazem parte da família do refugiado, pois o governo brasileiro só reconhece como família pais e filhos. Na África, é diferente", explica.

Esse é o caso da chefe de cozinha angolana Bernarda Brenda Kayembe, de 34 anos, que tenta há sete meses trazer a irmã, de 24 anos, e seu filho mais velho, de 14, para o Brasil.

"É importante que minha irmã venha porque corre perigo. Ela está sendo ameaçada politicamente. E quero que o meu filho fique do meu lado. Lá ele não estuda, está passando fome, está sofrendo muito. Aqui, ele poderia estudar porque tudo é de graça", disse à BBC Brasil.

De acordo com seu relato, em maio de 2014, seu marido foi preso após vender produtos de seu supermercado para tropas da Frente para a Libertação do Enclave de Cabinda - uma guerrilha separatista que luta pela independência da cidade de Cabinda.

Sozinha, a mulher vendeu o supermercado da família, pagou um advogado para defender o marido e fugiu com os três filhos para o Brasil. Dois meses depois, ele conseguiu a liberdade, vendeu a casa e foi ao encontro dos filhos e esposa em terras brasileiras.

"Ele veio num navio. Quando ele chegou no Brasil, sabia que a gente estava aqui, mas não onde. Os voluntários do Cáritas nos ajudaram, nos identificaram e nos uniram", conta a mulher, que trabalha em uma loja em um shopping da zona sul de São Paulo.

Hoje separada do marido, ela cuida sozinha dos quatro filhos. O dinheiro que ganha, conta, é suficiente apenas para comprar comida. Kayembe não sabe como vai pagar a passagem para trazer a irmã e o filho quando os vistos forem aprovados.

"Não sei o que vou fazer. Eu vou pedir ajuda, tentar trabalhar mais. Mas sinto muito medo quando lembro das tropas que estão atrás da minha irmã. Eles matam, cortam a cabeça e as colocam em cima dos muros. Farei o que eu puder para trazê-la com meu filho para perto de mim", diz.

Estrutura de acolhimento

Em 2017, o presidente Michel Temer aprovou uma nova Lei de Migração, que entrou em vigor no dia 21 de novembro. A intenção da portaria é facilitar a regularização dos estrangeiros no Brasil.

A lei evita a deportação imediata de migrantes na fronteira brasileira e cria o visto humanitário para pessoas vindas de países com conflitos armados ou vítimas de violações de direitos humanos. Ela também permite que o estrangeiro tenha os mesmos direitos trabalhistas de um brasileiro.

Para o diretor da Adus, o governo brasileiro deveria montar uma estrutura que orientasse os refugiados em aeroportos internacionais.

"Hoje, a Adus dá orientação jurídica aos refugiados. Enviamos para a Defensoria da União todos os documentos necessários para regularizá-los aqui. Quando é algo simples, a gente até ajuda a formular o pedido, mas falta estrutura para tanta gente", afirma Sidarta Martins.

O projeto social Estou Refugiado também vem ajudando quem chega no Brasil nessas condições. A ONG os ajuda a montar o currículo e distribuí-los para as empresas. Foi dessa forma que a CEO da Gradual investimentos, Fernanda de Lima, contratou três refugiados, entre eles Bobolibanda.

"O currículo deles me impressionou pela boa formação. Depois que entraram aqui, vi que, além de tudo, são muito dedicados e esforçados", conta ela.

Mas a dificuldade de conseguir um emprego e o preconceito com alguns refugiados fazem com que eles aceitem trabalhar em ambientes insalubres e sem direitos trabalhistas.

"Quando o Jeff chegou aqui, ele disse para mim que aprendeu nos empregos anteriores que não poderia receber salários todos os meses porque era refugiado. Eu fiquei indignada, disse que era uma mentira e ele ficou surpreso", conta Lima.

Segundo a executiva, a trajetória dos refugiados inspira outros funcionários. "Eu diria a outros empresários que os refugiados são profissionais capacitados, com muita vontade de trabalhar. Pessoas que valem a pena contratar".

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