No G20, Temer dá 1º passo em 'processo longo' de consolidação internacional como presidente
A 11ª cúpula do G20 - grupo que reúne as maiores economias do mundo - acabou nesta segunda-feira, em Hangzhou, na China, com um saldo considerado favorável ao governo de Michel Temer, que busca consolidar sua legitimidade dentro e fora do país.
No entanto, ainda há um longo caminho para trazer o Brasil de volta ao centro da política internacional, como nos anos do governo Lula (2003-2010), apontam analistas. Na cúpula do G20 de Londres, em 2009, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, chegou a dizer que o petista era "o cara".
Além disso, Temer lidera o país com o pior desempenho econômico do bloco, como uma espécie de "doente em recuperação". Se no ano passado a economia brasileira foi a que menos cresceu entre os membros do G20 (com queda de 3,8%), em 2011 seu índice de crescimento (3,9%) tinha ficado à frente de Estados Unidos, Reino Unido e Alemanha.
Agora, a controversa troca de comando do país e o debacle econômico dos últimos anos acabam desbotando a imagem externa do Brasil, nota Rafael Cortez, cientista político da consultoria Tendências.
A foto oficial do evento acabou ilustrando bem o atual contexto, já que Temer ficou posicionado na ponta, um tanto isolado do núcleo do G20. Um critério que costuma ser usado para determinar a distribuição dos líderes é a antecedência da confirmação no evento - mas o Itamaraty não tinha conseguido confirmar se foi esse o motivo de Temer ter ficado na margem do grupo até a publicação desta reportagem.
"O legado do Lula era muito positivo. Ele conseguiu transferir parte de sua popularidade interna para o plano internacional. Dilma em algum momento já havia perdido isso, seja por características pessoais, seja porque a economia brasileira já dava sinais de inconsistência ao longo do seu mandato", opina Cortez.
"E agora com o Temer a gente está em um nível ainda mais baixo nesse sentido, mais difícil para que o Brasil se torne um protagonista", avalia.
Sem brilho
O fato de Temer não ter sido eleito diretamente para o cargo de presidente tira o "brilho" da sua autoridade, acredita também Oliver Stuenkel, professor de Relações Internacionais da FGV.
Ele, no entanto, considera que a participação no G20 foi um bom começo para o novo mandatário do país. Apesar de ter sido confirmado no cargo apenas poucos dias antes da cúpula, Temer realizou cinco encontros bilaterais enquanto esteve em Hangzhou, com os líderes de Arábia Saudita, Espanha, Itália, China e Japão - os dois últimos respectivamente a segunda e terceira economias do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos.
Para Stuenkel, os encontros revelam o pragmatismo dos governantes do G20, que buscam estabelecer rapidamente relações com a nova administração brasileira, sem dar muito peso aos debates sobre a legitimidade do processo contra Dilma.
Já o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, aproveitou a cúpula para fazer encontros bilaterais com seus equivalentes de EUA, França e Canadá.
"O fato de Temer ter se reunido agora (com os líderes) demonstra que os outros o reconhecem como presidente legítimo claramente. Mas acima de tudo demonstra também que o Brasil se mostrou importante demais para ser deixado de lado", acredita Stuenkel.
O professor observa que a participação de Temer no G20 - ao aparecer em imagens ao lado dos demais líderes - serve também para reforçar internamente sua autoridade como presidente junto à população brasileira.
Cortez concorda que o G20 representou uma oportunidade para Temer começar a se consolidar internacionalmente. No entanto, ele considera que alguns fatores internos tendem a alimentar a desconfiança sobre a legitimidade de seu governo lá fora.
Um desses elementos, nota, é o fato de o Senado ter decidido fatiar o julgamento de Dilma, votando separadamente sua cassação e a a análise de seus direitos políticos. Os senadores acabaram condenando a petista, mas mantiveram sua elegibilidade.
"Acho que a forma como o impeachment acabou se encerrando dificultou bastante esse processo de se legitimar perante à comunidade internacional. Já era um desafio grande, porque tampouco ficou claro que o processo era legítimo", opina Cortez.
Outro fator negativo para a imagem de Temer no exterior são os protestos que têm ocorrido nos últimos dias, já que acabam contrariando a imagem que ele tem procurado passar de "pacificação do país".
"Ontem (domingo) à noite os jornais do mundo inteiro falaram dos protestos. Isso é um desafio para ele, porque ele quer passar a mensagem de que vai unir o país", concorda Stuenkel.
Presente no G20, Henrique Meirelles minimizou o possível impacto das manifestações sobre a estabilidade do governo. Palco do principal protesto, São Paulo reuniu 100 mil pessoas contra Temer neste domingo, segundo estimativas dos organizadores.
Meirelles reconheceu que o tamanho da manifestação era "substancial", mas disse que ainda assim representa um sentimento minoritário da população. "É uma manifestação razoável, mas nós já tivemos manifestação de 1 milhão de pessoas no Brasil (a favor do impeachment de Dilma Rousseff)", ressaltou o ministro.
Meirelles disse à BBC Brasil que o foco das conversas de Temer com os outros líderes foi a intensificação da relação econômica, mas reconheceu que a situação política do país também foi "mencionada".
"A finalidade (dos encontros bilaterais) não é meramente atestar a legalidade da evolução dos acontecimentos do país. Todos que estão acompanhando estão vendo que foi um processo constitucional, democrático", afirmou.
"Às vezes pode-se mencionar isso até, digamos assim, por um dever de ofício, faz-se essa menção. Mas a principal finalidade das bilaterais são exatamente, com a mudança da perspectiva econômica do país, um interesse dos países de aumentar as relações comerciais com o Brasil, as relações com investimento".
As principais resistências ao governo Temer partiram de países vizinhos - Venezuela, Equador e Bolívia chamaram seus embaixadores no Brasil após a conclusão do impeachment, em protesto contra a cassação de Dilma.
Já neste fim de semana, o papa Francisco disse, sem fazer menção direta à troca de governo, que o Brasil "atravessa um momento triste" e que não sabia mais se visitaria o país em 2017, como estava planejando.
Próximas viagens
Nos encontros que teve no G20, Temer recebeu convites para visitas de Estado - viagens que em geral envolvem uma grande comitiva, para vários encontros entre autoridades dos países - a China, Japão e Espanha.
Ainda sem data confirmada, deve ocorrer em breve uma vista de Temer à Argentina. No fim do mês, ele também vai a Nova York, para a Assembleia Geral da ONU, quando deve ter mais encontros bilaterais. Já em outubro, ocorre na Índia o encontro dos Brics - grupo de nações emergentes que inclui também China, Rússia, Índia e África do Sul.
Em seus contatos com outros líderes, Temer tem passado como mensagem principal sua intenção de implementar reformas para recuperar o crescimento econômico - entre elas está a proposta de criar um teto que limite a expansão dos gastos públicos, o que depende de aprovação por ampla maioria do Congresso.
Para Stuenkel, o grande desafio de Temer é "convencer a comunidade internacional não de sua legitimidade mas da sua capacidade de aprovar as reformas" para recuperar o crescimento.