O entrave do Exército ao fim do camping golpista em Brasília
Em depoimentos à PF, ex-chefe da PM e governador afastado do DF dizem que policiais foram impedidos pelos militares de remover bolsonaristas acampados diante de quartel-general.Em depoimento à Polícia Federal (PF), o ex-comandante da Polícia Militar (PM) do Distrito Federal Fábio Augusto Vieira afirma que o Exército impediu em três ocasiões o desmonte do acampamento de bolsonaristas na frente do quartel-general do Exército em Brasília. A ação só foi possível no dia seguinte aos atos golpistas ocorridos na capital federal, por ordem do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes.
Conforme trechos do depoimento divulgados pela imprensa neste domingo (15/01), Vieira afirmou que mobilizou por três vezes policiais militares para a remoção dos bolsonaristas acampados diante do quartel-general do DF, mas que a ação foi impedida pelo Exército.
Vieira foi afastado do comando da PM do DF em 9 de janeiro e teve prisão determinada no dia seguinte por de Alexandre de Moraes, acusado de omissão em relação aos ataques de vandalismo contra as sedes dos três Poderes.
Mobilização de 500 homens contra acampamento
Durante o depoimento, dado em 12 de janeiro, o ex-chefe da PM disse que no dia da invasão e depredação na Praça dos Três Poderes, não havia contingente suficiente de policiais legislativos no Congresso nem de militares para segurança do Planalto, realizada pelo Exército.
"Que o coronel Fábio havia requerido a dissolução do acampamento; que por três vezes ele chegou a mobilizar homens para dissolver os manifestantes em frente ao QG; que o Exército impediu a ação da PMDF; que ele chegou a mobilizar 500 homens com objetivo de acabar com o acampamento", diz a transcrição do depoimento do ex-comandante, segundo o portal UOL.
O acampamento dos bolsonaristas no QG de Brasília só foi desmontado na manhã da segunda-feira seguinte aos ataques.
Além disso, Vieira afirmou que não recebeu ordens para impedir os golpistas de descerem a Esplanada dos Ministérios; que indícios não apontavam possibilidade de violência - como já tinha afirmado durante sua audiência de custódia - e que trocas na cadeia de comando podem ter dificultado o fluxo de informações da PM naquele 8 de janeiro.
"Remoção foi sustada logo no início"
A versão de Vieira sobre o acampamento no QG em Brasília combina com o que foi dito à PF pelo governador afastado do DF Ibaneis Rocha. Ele afirmou que o Exército impediu a retirada do acampamento bolsonarista.
Segundo Ibaneis, o processo de remoção dos acampados - que vinham ocupando o local desde a derrota do ex-presidente Jair Bolsonaro nas urnas e pediam uma intervenção militar para impedir o governo de Luiz Inácio Lula da Silva - teve início alguns dias antes da posse do petista, inclusive com a retirada de algumas barracas, mas o trabalho foi interrompido.
"Foi definida a data de 29/12/2022 e iniciado o procedimento de remoção, mas este foi sustado logo no início por ordem do comando do Exército. Algumas barracas chegaram a ser retiradas, mas o DF Legal, auxiliado pela Polícia Militar, não conseguiu terminar todo o trabalho de retirada em razão da oposição das autoridades militares", diz um trecho do depoimento, ao qual a emissora CNN teve acesso.
Ibaneis negou ter conhecimento de que ataques extremistas e violentos poderiam vir a ocorrer, afirmando que quem recebia as informações da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) era a Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal, ou seja, parte de seu governo, mas que ele próprio não recebeu essas informações.
"Não vai prender aqui"
Reportagem do jornal americano The Washington Post publicada neste domingo também corrobora a versão de que o Exército não permitiu que a polícia prendesse os golpistas acampados diante do quartel-general logo após a invasão das sedes dos três Poderes.
O periódico afirma que naquela noite os militares posicionaram tanques e três linhas de soldados na área e que o comandante do Exército, general Júlio César de Arruda, teria dito ao ministro da Justiça, Flávio Dino: "Você não vai prender pessoas aqui", conforme relato de dois presentes.
O que alega o Exército
Em nota divulgada neste domingo, o Exército afirmou que após os ataques houve uma reunião com os ministros José Múcio (Defesa), Flávio Dino e Rui Costa (Casa Civil) e o comandante do Exército no Comando Militar do Planalto com visando "analisar a situação e coordenar as ações subsequentes em relação aos manifestantes acampados no SMU [Setor Militar Urbano]".
O texto não dá detalhes sobre o que foi discutido no encontro e acrescenta que "ao final da reunião todos os presentes concordaram com as ações a serem adotadas".
O Exército também afirmou, em notas anteriormente enviadas à imprensa, que as suspensões de tentativas de retirada do acampamento bolsonarista em Brasília - ocorridas pelo menos três vezes entre dezembro e janeiro - tiveram "intuito de manter a ordem e a segurança de todos os envolvidos".
md/av (ots)