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O hackeamento do presidente Bolsonaro pode ser julgado como terrorismo?

Para juristas, invasão de celular do presidente só seria crime contra a soberania nacional ou ato terrorista.

26 jul 2019 - 08h08
(atualizado às 09h35)
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Material apreendido revelou que até mesmo os aparelhos do presidente foram alvos de ataque
Material apreendido revelou que até mesmo os aparelhos do presidente foram alvos de ataque
Foto: REUTERS/Adriano Machado / BBC News Brasil

O material apreendido pela operação Spoofing nos endereços dos quatro suspeitos de violar o sigilo telefônico de autoridades revelou que até mesmo os aparelhos do presidente Jair Bolsonaro foram alvos de ataque.

Segundo o Ministério da Justiça, Bolsonaro foi avisado dos ataques aos seus celulares por questão de "segurança nacional". A pasta comandada por Sergio Moro, porém, não esclareceu se houve apenas tentativas de invasão, ou se o acesso a conversas privadas do presidente se concretizou.

A informação de que a ação teria chegado ao Presidente da República levantou questionamentos sobre se os suspeitos podem vir a ser punidos por crimes de terrorismo ou por crimes contra a segurança nacional, caso fique provado que cometeram tal delito.

A hipótese foi levantada pela revista Veja, citando interlocutores da publicação no Palácio do Planalto que avaliam que seria possível enquadrar os investigados como terroristas.

"Ao chegarem até o ponto mais alto da República, os criminosos atentaram contra o próprio Estado brasileiro, num movimento que, a partir de agora, poderá ser enquadrado na Lei de Segurança Nacional", disse uma das fontes, segundo a declaração da fonte à revista.

Para dois professores de direito ouvidos pela BBC News Brasil, entretanto, não há nada na lei que regulamenta o crime de terrorismo (13.260, de 2016) e na Lei de Segurança Nacional (7.170, de 1983) que permita punir as condutas atribuídas, até o momento, aos quatro investigados.

Juristas veem a possibilidade dos investigados serem punidos por crimes cibernéticos e organização criminosa
Juristas veem a possibilidade dos investigados serem punidos por crimes cibernéticos e organização criminosa
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

A lei 13.260 elenca alguns crimes que podem ser tratados como terrorismo, tais como usar explosivos ou armas químicas para causar danos ou promover destruição em massa, ou sabotar meios de comunicação e transporte. No entanto, para que sejam considerados atos terroristas, devem ter sido praticados "por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública". As penas básicas previstas são de 12 a 30 anos.

"Nenhum desses elementos está presente (na invasão do celular de Bolsonaro). Não temos motivação xenofóbica, de preconceito, nem temos finalidade de provocar terror social ou desestabilizar a paz pública", nota o professor de direito penal da FGV-SP Davi Tangerino.

Já a Lei da Segurança Nacional lista crimes "que lesam ou expõem a perigo de lesão: a integridade territorial e a soberania nacional; o regime representativo e democrático, a Federação e o Estado de Direito; e a pessoa dos chefes dos Poderes da União".

Conversas de Telegram são sigilosas?

Em todo o texto, o artigo 13 parece ser o que mais poderia se aproximar dos atos investigados pela operação Spoofing. Ele diz que é crime contra segurança nacional, com pena de 3 a 15 anos, "comunicar, entregar ou permitir a comunicação ou a entrega, a governo ou grupo estrangeiro, ou a organização ou grupo de existência ilegal, de dados, documentos ou cópias de documentos, planos, códigos, cifras ou assuntos que, no interesse do Estado brasileiro, são classificados como sigilosos".

Os dois professores ouvidos, porém, também afastaram essa possibilidade. Davi Tangerino ressalta que conversas privadas de autoridades no Telegram não passam por classificação oficial de sigilo.

"Temos normas claras sobre o que é sigiloso, por quanto tempo informações ficam em sigilo, e quem as classifica como sigilosas. Conversas no Telegram não entram nessa categoria", afirma.

"E, publicamente, pelo menos, as autoridades hackeadas, quando reconhecem a autenticidade (das conversas divulgadas pelo Intercept Brasil), dizem que é uma bobagem, que não tem nada de mais. Então, seria até contraditório considerar isso relevante para fins de artigo 13 da Lei de Segurança Nacional", acrescenta.

Durante evento em Manaus, nesta quinta, Bolsonaro também negou trocar informações estratégicas pelo celular.

"Sempre tomei cuidado nas informações estratégicas, essas não são passadas via telefone. Então, não estou nem um pouco preocupado se porventura algo vazar aqui no meu telefone. Não vão encontrar nada que comprometa. [...]. Perderam tempo comigo", declarou.

O professor de direito da USP Gustavo Badaró também afasta a aplicação do artigo 13. Para ele, o site The Intercept Brasil, braço no Brasil do site americano The Intercept, não configura um grupo estrangeiro. Além disso, ele ressalta que seria preciso provar a intenção dos invasores de ferir a soberania nacional.

"Vamos supor que ocorresse uma invasão na conta do presidente com objetivo de conseguir informações para ajudar estrangeiros a invadir e ocupar a Amazônia, aí seria crime contra a soberania nacional. Mas se alguém acha que o presidente é amante da sua mulher e invade o celular por causa disso, aí é apenas crime cibernético", exemplifica.

Pena de até cinco anos por crime cibernético

Estão detidos provisoriamente em Brasília Walter Delgatti Neto, Danilo Cristiano Marques, Gustavo Henrique Elias Santos, e sua namorada, Suelen Priscila de Oliveira.

Até o momento, apenas Delgatti teria confessado o crime à PF. O casal Santos e Oliveira negam o crime, segundo seu advogado, Ariovaldo Moreira. De acordo com o defensor, Delgatti apenas mostrou a Santos conversas que tinha em sua tela de computador.

"Caso se confirme que houve captação de conversas privadas, repasse a jornalistas e invasão do dispositivo do Presidente da República, a pena máxima pode chegar a 60 meses (5 anos), pela lei de crimes cibernéticos", calcula Badaró, professor da USP.

Também pode levar a essa pena a interceptação de conversas privadas dos presidentes do Senado, Câmara dos Deputados e Supremo Tribunal Federal, além de governadores, prefeitos e presidentes de assembleias estaduais e municipais. Já a invasão das contas de procuradores, juízes ou ministros de Estado não gera agravamento de pena, o que limitaria a punição a quatro anos.

'Sempre tomei cuidado nas informações estratégicas, essas não são passadas via telefone', declarou Bolsonaro
'Sempre tomei cuidado nas informações estratégicas, essas não são passadas via telefone', declarou Bolsonaro
Foto: EVARISTO SA/AFP / BBC News Brasil

Outra possibilidade, nota o professor da FGV Davi Tangerino, é que sejam condenados por organização criminosa. No entanto, para isso, teria que ficar comprovada a participação articulada de ao menos quatro pessoas.

"Com efeito, há fortes indícios de que os investigados integram organização criminosa para a prática de crimes e se uniram para violar o sigilo telefônico de diversas autoridades públicas brasileiras via invasão do aplicativo Telegram", escreveu na sentença que terminou as prisões, o juiz federal Vallisney de Souza Oliveira.

Análise inicial da PF indica que cerca de mil linhas telefônicas teriam sido atacadas em um esquema para invadir contas do aplicativo de mensagens do Telegram de inúmeras autoridades e pessoas comuns.

O site Intercept Brasil pode ter cometido crime?

As informações disponíveis até agora não indicam ilegalidade por parte do Intercept Brasil, afirmam os professores.

O fato de o material ter sido provavelmente obtido por ação criminosa, não impede o site de usá-lo, caso tenha recebido, de forma gratuita e sem envolvimento na realização das invasões.

Vale lembrar que matérias são constantemente produzidas com base em informações de investigações e processos sigilosas - enquanto o autor do vazamento pode responder por crime, o jornalista que divulgou a informação não está sujeito a punições.

O caso mudaria de figura caso venha a ser provado que o Intercept Brasil contratou hackers para realizar a interceptação de conversas. "Nesse caso, os jornalistas envolvidos responderiam como coautores do crime", ressalta Badaró.

Já na hipótese de o site ter sido procurado após o hackeamento das conversas e ter aceitado pagar por elas, pode haver a possibilidade de julgamento pelo crime de receptação.

O Gabinete de Segurança Institucional (GSI), responsável pela segurança do presidente, disse, em nota, que disponibiliza a Bolsonaro, por intermédio da Agência Brasileira de Inteligência, "um Terminal de Comunicação Seguro (TCS), com tecnologia da própria Agência, cabendo às autoridades optar pelo equipamento e operá-lo conforme suas necessidades funcionais".

Esse terminal "é móvel, possui funções de chamada de voz e troca de mensagens e arquivos, criptografados com algoritmos de Estado". No entanto, "não permite a instalação de aplicativos comerciais". Esse seria o motivo pelo qual o presidente mantém seus telefones comuns, já que usa aplicativos de mensagens para se comunicar.

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