O que é ser bolsonarista?
Bolsonaristas são uma parcela bastante relevante do eleitorado. Por isso, desde que Bolsonaro despontou como favorito em 2018 e durante todo seu governos, pesquisadores têm se debruçado para entender o que pensam seus apoiadores e o que os movem.
Na boca de defensores do presidente e do governo, o adjetivo bolsonarista é usado para ostentar uma posição política. "Quanto mais eu conheço os inimigos de Bolsonaro, mais bolsonarista eu me torno", disse o deputado federal Otoni de Paula (PSC-RJ), num discurso na Câmara em julho de 2021.
Já para os críticos, que usam o termo com mais frequência que simpatizantes, bolsonarista beira o insulto, em um mecanismo não tão diferente do observado no uso de palavras como petista ou comunista por eleitores de direita.
Depois de quase quatro anos de governo Bolsonaro, pode parecer estranho perguntar: mas, o que, afinal, significa ser bolsonarista?
A pergunta é importante porque este conceito está ligado a um dos fenômenos políticos mais importantes da história recente do Brasil e que ainda deve gerar repercussões por muitos e muitos anos: o bolsonarismo.
Para entender tudo isso, as primeiras perguntas a serem respondidas são: quem são e o que defendem os bolsonaristas? Depois, é preciso entender o que está na origem do caldeirão do pensamento bolsonarista. Ou seja, o que há de novo e quais são as ligações com movimentos históricos, a exemplo do fascismo (como defendem alguns) ou do conservadorismo.
Bolsonaristas
Então, vamos lá. O que é ser bolsonarista?
Bolsonaro foi eleito presidente com 58 milhões de votos em 2018. Mas, em uma eleição em que muitos dos eleitores que votaram no atual presidente no segundo turno haviam escolhido outros candidatos no primeiro, é difícil classificar todas essas 58 milhões de pessoas como bolsonaristas — assim como nem todos os 47 milhões que votaram no candidato Fernando Haddad (PT) são petistas.
De qualquer forma, em 2018, Bolsonaro atraiu um eleitorado bastante amplo. Em seu livro O Brasil Dobrou à Direita, o cientista político e especialista em eleições Jairo Nicolau aponta que Bolsonaro venceu Haddad em 2018 em todos os níveis de escolaridade, sendo a primeira vez que o PT perdeu entre eleitores de ensino fundamental e médio (40% do eleitorado total) desde a vitória de Lula em 2002.
"Essa foi a primeira eleição em que praticamente todos os moradores de prédios e os porteiros votaram no mesmo candidato", Nicolau disse ter ouvido de um porteiro.
Isso não significa, no entanto, que todos que votaram em Bolsonaro concordavam necessariamente com todas as declarações e as bandeiras do candidato. Nicolau explica que parte dos eleitores disse em 2018, por exemplo, que o voto em Bolsonaro era muito mais algo contrário a um partido/candidato do que a favor de outro. Ou seja, o voto de alguns eleitores era muito mais antipetista do que bolsonarista, por assim dizer.
Mas, após quase quatro anos de governo Bolsonaro e a entrada de Lula na disputa eleitoral de 2022, a composição dos bolsonaristas se transformou.
Segundo pesquisa do instituto Datafolha de junho de 2022, Bolsonaro só liderava em quatro grupos de eleitores: aqueles com renda familiar acima de 5 salários mínimos, empresários, evangélicos e habitantes da região Centro Oeste. Lula liderava em todos os outros grupos de eleitores.
Por isso, definir exatamente qual a parcela de bolsonaristas na sociedade brasileira atualmente não é uma tarefa tão simples.
Para alguns especialistas, podem ser classificados como bolsonaristas todos os cerca de 30% dos eleitores (46 milhões de pessoas aptas a votar) que apoiam o governo do presidente Jair Bolsonaro e dizem — segundo pesquisas — que vão votar por sua reeleição em 2022.
Já outros acadêmicos defendem que bolsonaristas não seriam todos os apoiadores de Bolsonaro, mas somente a parte considerada mais combativa e radical, os "bolsonaristas raiz", pegando emprestada a expressão do próprio Datafolha.
São aqueles eleitores e políticos que consideram o governo bom ou ótimo, que não abrem mão de votar no presidente e que dizem "acreditar sempre" nas declarações dele, segundo o instituto. Quase 15% do eleitorado formaria este grupo (cerca de 23 milhões de pessoas).
O que move os bolsonaristas?
Levando-se em conta qualquer uma dessas medidas, os bolsonaristas são uma parcela bastante relevante do eleitorado. Por isso, desde que Bolsonaro despontou como favorito nas pesquisas eleitorais em 2018 e durante todo seu mandato, acadêmicos têm se debruçado para entender o que pensam seus apoiadores.
Dentre as várias pesquisas produzidas neste período, dois estudos jogam luz sobre o tema. Segundo as pesquisas Quem são e no que acreditam os eleitores de Jair Bolsonaro (Fespsp), de 2018, e Bolsonarismo no Brasil (Iree/Uerj), de 2021, os sentimentos e valores que, de modo geral, são compartilhados pela maioria dos apoiadores do presidente incluem, entre outras coisas:
- sentimento de "abandono" pelos políticos tradicionais
- ódio ao PT relacionado às políticas de inclusão defendidas pelo partido (sejam de renda, racial, social, de gênero ou de orientação sexual)
- rejeição ao PT como resultado da corrupção revelada no mensalão e na Operação Lava Jato
- rejeição aos principais partidos políticos (também alvos da Lava Jato)
- esperança de que alguém que melhore a política
- medo de ser vítima de crimes
- defesa do uso de armas para auto-proteção
- temor de mudanças na estrutura da família tradicional e na liberdade religiosa
- mal-estar com as novas identidades de gênero e com educação sexual na escola
- liberalismo econômico (ou seja, atuação menor do Estado na atividade econômica)
- nostalgia da ditadura militar e defesa da participação de militares na política
- crítica constante ao Supremo Tribunal Federal e a veículos jornalísticos pela cobertura supostamente injusta do governo Bolsonaro
- anticomunismo (contra a chamada "doutrinação marxista" nas escolas, por exemplo)
- defesa da flexibilização das leis ambientais para facilitar o avanço do agronegócio
- postura crítica, ainda que sem embasamento, de recomendações científicas em temas que geram conflito com metas econômicas, como a pandemia e o aquecimento global
É importante lembrar, claro, que nem todos os apoiadores de Bolsonaro são movidos por todos estes valores, e eles podem aparecer em maior ou menor intensidade dependendo do grupo, classe social, religião ou gênero do eleitor. O bolsonarismo é um fenômeno complexo.
Podemos ter, por exemplo, uma eleitora evangélica hipotética que seja contrária ao armamento da população mas que, temerosa com o que enxerga como ameaças à família tradicional, escolha o bolsonarismo ainda que não concorde com o cardápio completo de ideias.
Ou o caso de um eleitor ultraliberal que é contrário a cotas e outras ações afirmativas, mas que discorda do conservadorismo religioso que freia mudanças, por exemplo, em regras de aborto.
Já para os pesquisadores Paulo Gracino Junior (Iuperj), Mayra Goulart (UFRJ) e Paula Frias (Uerj), uma emoção específica uniria a maior parte dos bolsonaristas: o ressentimento.
"No caso da direita, o ressentimento volta-se contra a classe política e setores da população por ela privilegiados através de esquemas de corrupção e de clientelismo", afirmam os pesquisadores, que dizem que, no caso da esquerda, esse ressentimento se manifesta contra as elites econômicas, a concentração de renda, e símbolos da riqueza e do luxo.
Segundo o trio de estudiosos, esse ressentimento tem bastante força entre evangélicos porque nas últimas três décadas eles passaram de grupo humilhado cultural e socialmente, para uma camada social organizada e com forte representação cultural e política. Atualmente, dizem os pesquisadores, esse grupo se vê numa variação de um dos versículos bíblicos mais populares no meio evangélico pentecostal: "os humilhados serão exaltados".
Os evangélicos conservadores foram e são fundamentais no bolsonarismo. Estima-se que hoje os evangélicos representem um terço do eleitorado brasileiro e que Bolsonaro tenha vencido em 2018 nos principais segmentos religiosos, com margem expressiva entre os evangélicos (quase 70%).
Mas a identificação desse público com o bolsonarismo não é automática: pesquisas de intenção de voto em 2022 têm apontado uma pequena dianteira, porém crescente, de Bolsonaro contra Lula entre os eleitores evangélicos.
Aliás, um dado curioso sobre eleitores de Bolsonaro e de Lula: eles não pensam de forma tão diferente assim sobre alguns dos principais temas do país, como descriminalização do aborto e do uso de drogas.
Segundo pesquisa Datafolha feita em dezembro de 2017, havia inclusive mais eleitores de Lula que defendiam a prisão de mulheres que fazem aborto (67%) e a proibição da maconha (69%) do que eleitores de Bolsonaro (52% e 66% respectivamente).
Origens dos bolsonaristas
Se a gama de valores é complexa, a discussão sobre as origens do bolsonarismo não fica para trás.
Ao longo de sua trajetória, Bolsonaro sempre foi um parlamentar ligado à defesa de interesses corporativos de militares (como melhores salários e condições de trabalho). Mas em 2011, ele começou a ampliar sua base eleitoral conservadora ao se apresentar como defensor da "família tradicional" e ficar ao lado da bancada evangélica nos embates contra a esquerda.
Não por coincidência, é neste mesmo ano, 2011, que surge na imprensa a primeira referência ao termo "bolsonarismo". Aparece em uma coluna do jornalista Xico Sá na Folha de S.Paulo que abordava ataques homofóbicos de torcedores contra um jogador de vôlei em um ginásio em Minas Gerais.
A palavra só voltaria a ser vista na grande imprensa três anos depois, em 2014, no jornal O Estado de S. Paulo, em artigo opinativo do jurista e professor da USP Conrado Hübner intitulado Reféns do Bolsonarismo, sobre como, nas palavras do autor, "a filosofia da discriminação dá voto e, invocada com raiva e fé, elege e reelege".
O artigo começa com a seguinte definição: "O Brasil tem assistido a surtos agudos de primitivismo político. O fenômeno não é de direita nem de esquerda, não é de oposição nem de situação, não é conservador nem progressista. Merece outro adjetivo porque não aceita, por princípio, a política democrática e as regras do jogo constitucional. Esforça-se em corroê-las o tanto quanto pode. Não está disposto a discutir ideias e propostas à luz de fatos e evidências, mas a desqualificar sumariamente a integridade do seu adversário (e, assim, escapar do ônus de discutir propostas e fatos). Cheio de convicções, é surdo a outros pontos de vista e alérgico ao debate. Não argumenta, agride. Dúvidas seriam sinais de fraqueza, e o primitivo quer ser tudo menos um fraco. Suas incertezas ficam enrustidas no fundo da alma."
No ano seguinte, 2015, segundo Wilson Gomes, professor da Universidade Federal da Bahia e autor do livro Crônica de uma Tragédia Anunciada: Como a Extrema Direita Chegou ao Poder, o bolsonarismo começaria a despontar com a aproximação de dois grupos que o autor identifica como eleitores de extrema direita e conservadores religiosos.
Segundo Gomes, o primeiro grupo, que ele classifica como de de extrema direita, é formado em grande parte por saudosistas da ditadura militar e defensores de valores antidemocráticos. Já o grupo identificado como conservador religioso é formado em sua maioria por evangélicos que têm críticas de ordem moral contra parte da esquerda, em especial a pautas ligadas a questões de direitos e identidades de mulheres e de pessoas LGBT.
Esses e outros grupos ganharam cada vez mais força na esfera pública a partir das manifestações de junho de 2013. Para Gomes, esse foi um momento deflagrador no Brasil em que diversas insatisfações da população "saíram do armário" em direção à esfera pública. Muitas nunca mais voltaram.
De 2015 a 2018, explica Gomes, o número de bolsonaristas foi se multiplicando graças a outros sentimentos — como antipetismo e o repúdio ao sistema político-partidário tradicional — e fatores variados, como a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos e o uso eficiente das mídias sociais por pessoas no entorno de Bolsonaro, como seu filho Carlos.
O contexto nesses anos também não era favorável ao PT. A Operação Lava Jato fazia acusações de corrupção contra políticos de 33 partidos, mas caía principalmente na conta do governo petista que estava no poder. Além disso, o país vivia a pior recessão em décadas e, no ano da eleição de 2018, o ex-presidente Lula, que liderava pesquisas eleitorais, foi condenado em um processo iniciado pelo então juiz Sergio Moro.
Foi neste cenário que nasceu o bolsonarismo. Mas, para a antropóloga Rosana Pinheiro-Machado e o historiador Adriano de Freixo, embora o movimento gire em torno de Jair Bolsonaro, ele vai bem além do presidente.
"(O bolsonarismo é) um fenômeno político que transcende a própria figura de Jair Bolsonaro, e que se caracteriza por uma visão de mundo ultraconservadora, que prega o retorno aos 'valores tradicionais' e assume uma retórica nacionalista e 'patriótica', sendo profundamente crítica a tudo aquilo que esteja minimamente identificado com a esquerda e o progressismo", escreveu no livro Brasil em Transe: Bolsonarismo, Nova Direita e Desdemocratização.
O presidente Bolsonaro (ao lado de seus principais aliados, como oficiais de alta patente das Forças Armadas, que em 2014 abriram as portas da Academia Militar das Agulhas Negras para o candidato se aproximar de jovens oficiais e atualmente fazem parte do núcleo duro do governo Bolsonaro) teria se posicionado, portanto, como a pessoa que, no lugar certo e no momento certo, conseguiu projetar nacionalmente esse conjunto de valores que já orbitava no Brasil.
"Poderia ter sido chamado de 'cunhismo' se Eduardo Cunha não tivesse falecido politicamente para 'matar' Dilma. Ou 'felicianismo', se Marco Feliciano pudesse representar a ponta de lança dessa posição política", diz o professor Wilson Gomes sobre o mesmo assunto.
Berço histórico?
Mas se a união de várias vertentes conservadoras em torno de Bolsonaro deu origem ao bolsonarismo, alguns pesquisadores tentam ir mais longe e buscar na História as raízes deste movimento. E, mesmo entre eles, não há consenso.
Para alguns especialistas, o bolsonarismo é um herdeiro de ideias e ações do fascismo, movimento político autoritário criado por Benito Mussolini na Itália do início do século 20 e que inspirou outras ideologias como o nazismo na Alemanha e o franquismo na Espanha.
Outros apontam semelhanças com o bonapartismo, conceito da Ciência Política usado para descrever, grosso modo, regimes políticos caraterizados pela presença de um líder carismático que cria dificuldades (instabilidade política) para vender facilidades (salvador da pátria).
Por outro lado, há pesquisadores que apontam raízes no conservadorismo e no tradicionalismo, duas correntes que defendem a preservação de valores morais e religiosos de um tempo em que "tudo era diferente e melhor". Importante lembrar que essas ideias foram amplamente disseminadas pelo escritor Olavo de Carvalho, considerado por muitos guru do bolsonarismo.
Há, por fim, analistas que apontam como bolsonaristas adotaram estratégias de comunicação de seus maiores adversários: os petistas.
Isso não significa que sejam equivalentes, parecidos ou dois lados de uma mesma moeda. Mas que o bolsonarismo, na visão desses especialistas, incorporou discursos políticos bem-sucedidos dos petistas, como dicotomia (nós contra eles), a autovitimização e até as críticas à chamada grande imprensa.
Para entender melhor essas teorias, vamos explorar mais detalhadamente cada uma dessas ideologias e analisar suas semelhanças — e diferenças — com o bolsonarismo.
Fascismo
É comum ouvir em redes sociais ou na imprensa comparações do bolsonarismo com o fascismo. Para o cientista político Armando Boito Jr., da Universidade de Campinas (Unicamp), por exemplo, o bolsonarismo é um movimento de massas neofascista (herdeiro do fascismo italiano) e reacionário (defesa da volta a um passado tido como glorioso).
Segundo Boito Jr., o bolsonarismo é formado principalmente pela classe média e caracterizado por bandeiras como anticomunismo, culto à violência (contra criminosos ou até adversários políticos), nacionalismo autoritário e conservador, críticas à corrupção e à velha política democrática e politização do machismo, do racismo e da homofobia.
Mas nem todos os acadêmicos concordam que se busquem etiquetas históricas para fenômenos novos.
É o que pensa o historiador Emilio Gentile, considerado o maior especialista vivo em fascismo na Itália. Para ele, os termos fascismo ou fascista só devem ser adotados para descrever os movimentos de massa organizados militarmente que tomaram o poder entre as duas Grandes Guerras Mundiais.
"É um grande erro porque não nos permite compreender a verdadeira novidade destes fenômenos e o perigo que eles representam. E o perigo é que a democracia possa se tornar uma forma de repressão com o consentimento popular. A democracia em si não é necessariamente boa. Só é boa se realiza seu ideal democrático, isto é, a criação de uma sociedade onde não há discriminação e na qual todos podem desenvolver sua personalidade livremente, algo que o fascismo nega completamente", disse Gentile à BBC em março de 2019, quando se completou 100 anos da origem oficial do fascismo italiano.
"Então, o problema hoje não é o retorno do fascismo, mas quais são os perigos que a democracia pode gerar por si só. Ou seja, quando a maioria da população — ao menos, a maioria dos que votam — elege democraticamente líderes nacionalistas, racistas ou antissemitas."
Bonapartismo
Há pesquisadores, por outro lado, que apontam semelhanças entre o bolsonarismo e o bonapartismo, um conceito disseminado pelo filósofo alemão Karl Marx (1818-1883) a partir de um estudo (O 18 de Brumário de Luís Bonaparte) sobre o imperador francês Luís Napoleão Bonaparte.
Segundo Marx, em linhas gerais, um bonapartista é um líder político carismático e autoritário que se alimenta da instabilidade para se apresentar como garantidor da estabilidade. Ou seja, é como se ele se aproveitasse da dificuldade para vender facilidade.
Além disso, essa liderança chamada de bonapartista ocupa um papel de representante direto do povo, subordina a sociedade e os poderes Legislativo e Judiciário ao seu próprio poder (o Executivo), persegue inimigos e conta com o apoio das classes dominantes que temem perder seus privilégios com o avanço da classe trabalhadora.
No artigo Democracia e Bonapartismo no Brasil, o historiador e professor Felipe Demier (Uerj) afirma que o projeto bolsonarista pode ser caracterizado como um semibonapartismo associado a um ultraneoliberalismo (individualista e contrário à participação do Estado na economia) que ataca direitos sociais, censura universidades e amplifica a violência do Estado contra minorias.
Conservadorismo e tradicionalismo
Outros especialistas apontam ligações do bolsonarismo com duas correntes de pensamento um pouco parecidas, mas com diferenças fundamentais: o tradicionalismo e o conservadorismo.
Segundo alguns estudiosos, como o americano Benjamin Teitelbaum, o tradicionalismo chega aos bolsonaristas por influência do escritor Olavo de Carvalho (1947-2022), chamado por alguns analistas de guru da nova direita brasileira e, por extensão, de guru do bolsonarismo. Ele ministrou cursos de filosofia pela internet por duas décadas e influenciou diversos nomes próximos ao presidente, a exemplo de seus filhos.
Católico e conservador, Olavo é associado por Teitelbaum ao tradicionalismo, doutrina abraçada também por ideólogos como Steve Bannon, estrategista da vitória de Trump em 2016. Os tradicionalistas acreditam que a humanidade vive em um tempo cíclico: sendo a era de ouro aquela regida por valores tradicionais e religiosos e o período de escuridão, por progresso material e em governos democráticos ou comunistas.
No caso do conservadorismo, especialistas apontam diversas facetas que podem ser associadas ao bolsonarismo no Brasil. Em entrevista à BBC News Brasil, a pesquisadora e professora Esther Solano Gallego (Unifesp) aponta cinco eixos: segurança pública, disciplina e ordem do militarismo, o tripé tradição-família-religião, medo do comunismo e a figura do cidadão de bem.
Lulismo/Petismo
Há especialistas, por outro lado, que apontam raízes do bolsonarismo em uma reação ao próprio petismo/lulismo. Tanto como oposto (ou seja, surge para combatê-lo) quanto a inspiração em estratégias de comunicação política.
"O bolsonarismo é fruto de um processo de reação à construção do petismo como o movimento político mais competitivo da Nova República (desde 1985). O PT conseguiu se consolidar como o único partido da República realmente estruturado de baixo para cima, ou seja, da militância para a liderança, apesar de ter Lula como ícone. O bolsonarismo acaba, por outro lado, consolidando a expectativa daqueles que faziam oposição ao PT pelo surgimento de um anti-Lula", afirma em entrevista à BBC News Brasil o cientista político e professor Creomar de Souza (Fundação Dom Cabral).
Segundo Souza, muitos esperavam que o anti-Lula seria um político de perfil mais técnico e menos popular, mas "o que aconteceu é que esse anti-Lula, em algum sentido, se assemelha em algumas características do próprio petismo e da própria forma que o PT fez para chegar ao poder, criando dicotomia, binarismo e embate constante".
Para Idelber Avelar, professor de literatura latino-americana na Universidade Tulane, nos EUA, e autor do livro Eles em Nós: Retórica e Antagonismo Político no Brasil do Século 21, houve nos últimos anos um processo de alimentação mútua entre o lulismo e o bolsonarismo que possibilitou a emergência dos bolsonaristas. Ele cita, por exemplo, que a retórica bolsonarista se assemelha à lulista em temas como a "autovitimização", os constantes ataques à imprensa, às referências a teorias conspiratórias e ao culto do líder como infalível.
Avelar propõe ainda que o bolsonarismo ganhou força e serviu como instrumento de cidadania e participação política para muitas pessoas que se sentiam excluídas e ressentidas no debate político tradicional.
- Este texto foi publicado originalmente em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-62490534