O que esperar da indicação de Flávio Dino para ministro do STF
Um aliado no mais alto tribunal, nome que agrada até adversários e abertura de espaço para o Centrão são alguns dos fatores que influenciaram Lula. Indicação, porém, frustra demanda por mais representatividade na Corte.O presidente Luiz Inácio Lula da Silva encaminhou nesta segunda-feira (27/11) para o Senado a indicação do ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, para ocupar a vaga no Supremo Tribunal Federal (STF) deixada pela ministra Rosa Weber, que se aposentou em setembro. Se Dino for aprovado na sabatina do Senado, Lula terá na Corte um aliado de primeira mão, notabilizado pelo enfrentamento ao extremismo bolsonarista de 8 de Janeiro, mas também com ampla experiência nos Três Poderes, já que tem no currículo atuações como juiz, parlamentar e governador.
Por outro lado, a indicação do político filiado ao PSB tira do primeiro escalão um dos rostos mais conhecidos do governo depois do próprio Lula, além de frustrar demandas da sociedade civil que clamam por uma mulher negra no STF. Na primeira indicação para o STF durante seu terceiro mandato com presidente, o petista acabou escolhendo o ex-advogado Cristiano Zanin para a vaga de Ricardo Lewandowski.
Nascido em 1968, em São Luís (MA), Flávio Dino é filho de um casal de advogados. O pai dele, Sálvio Dino, foi vereador na capital maranhense, deputado estadual e prefeito da cidade de João Lisboa (MA). O atual ministro da Justiça e Segurança Pública foi aprovado no concurso para juiz federal em 1994, cargo que ocupou por 12 anos, até se eleger deputado federal pelo PCdoB.
Dino também foi presidente da Embratur durante o governo Dilma Rousseff, governador do Maranhão por dois mandatos e, em 2022, já pelo PSB, se elegeu senador pelo estado onde nasceu - antes de ser indicado por Lula ao Ministério de Justiça e Segurança Pública.
Para Álvaro Palma de Jorge, professor de direito da FGV Direito Rio, a ampla experiência do maranhense pode ser um trunfo para o STF num momento de choque com o Legislativo. Assuntos como o marco temporal ou o casamento homoafetivo, já definidas em decisões da Suprema Corte, têm sido contestadas por projetos de lei em tramitação na Câmara e no Senado.
"Essa é uma contribuição importante, porque os dilemas são diferentes, as dinâmicas são diferentes. Num ambiente que tem sido de tensão entre os Poderes, acho que ele vai trazer uma contribuição, uma visão da separação de Poderes muito rica para dentro da Corte", diz Palma.
Se a indicação de Dino acontecer, não será a primeira vez que um Ministro da Justiça é levado ao STF pelo chefe do Executivo. O último exemplo foi de Alexandre de Moraes, hoje no STF, que esteve à frente da pasta no governo Temer. Paulo Brossard (Sarney), Maurício Corrêa (Itamar Franco) e Nelson Jobim (Fernando Henrique Cardoso) tiveram trajetórias semelhantes.
O professor de direito vê Dino como uma figura progressista do ponto de vista dos costumes. "Acho que a visão de mundo dele é uma visão que abrange mais inclusão que exclusão", afirma o acadêmico, que também ressalta que isso não significa uma afinidade total com o presidente Lula. "A primeira coisa que eu não esperaria de um ministro é que ele cumpra a agenda de um presidente. A independência é um requisito muito importante de ministro do Supremo."
Apoio de Valdemar
A questão, no entanto, também pode ter um reflexo direto no primeiro escalão de Lula. A saída de Flávio Dino facilitaria, em tese, o desmembramento da pasta que chefia atualmente, separando a Justiça da área de Segurança Pública. O movimento seria uma forma de acomodar mais aliados em potencial, principalmente do Centrão, na busca por apoio em votações no Congresso. O próprio Valdemar Costa Neto, presidente do PL, o partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, chegou a afirmar que o partido não votaria contra a indicação Dino.
Já entre o núcleo duro do PT, a ida de Dino ao Judiciário abriria a disputa pela sucessão de Lula. Recentemente, uma pesquisa do Instituto Quaest indicou que o titular da Justiça tem a maior popularidade digital entre os ministros do atual governo, alavancada principalmente pelos vídeos de embates com bolsonaristas em sessões de comissões do Congresso. Por outro lado, Dino tem sido alvo de críticas recentes por causa da crise de segurança pública que tem assolado a Bahia, estado governo pelo petista Jerônimo Rodrigues.
De acordo com o cientista político Christian Lynch, do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP/UERJ), o ministro da Justiça e Segurança Pública de Lula seria uma indicação "boa para todo mundo" por também ter um perfil garantista, que o acadêmico descreve como a alguém que não traria riscos para a classe política.
"O problema central foi a Lava Jato, que virou um fator desestabilizador da política brasileira. O Lula quer indicar pessoas de estrita confiança para evitar uma deriva lavajatista, como Corte criminal de políticos. Aí está o ponto de intercessão com o Congresso, que quer isso. Até o Valdemar disse que votaria no Dino. É um nome relativamente fácil, exceto para a bancada da extrema direita e a esquerda militante, que quer emplacar uma mulher negra", analisa Lynch.
O cientista político afirma que Lula vai seguir os próprios instintos na indicação com o objetivo de se resguardar de possíveis arroubos do Judiciário contra si mesmo. "Ele não vai deixar a indicação ao STF correr solta a cargo de alguém. Antes, era ouvindo recomendações, como se fosse o STJ ou um TRF da vida. Tanto que a maior parte dos ministros que fizeram a Lava Jato foram indicações do PT. Ou seja, não teve cuidado antes nas nomeações. Agora sim, tem que ser alguém de confiança. Pode fazer uma manifestação de 500 mil pessoas na frente do Planalto e ele não vai ouvir, vai nomear alguém da confiança dele. A mesma coisa em relação à PGR, será alguém que precise dele".
Demanda por uma ministra negra
Com a indicação de Dino, Lula ignora, pela segunda vez neste mandato, as demandas de setores da sociedade civil e da esquerda que pedem a indicação de uma mulher negra para o Tribunal - o que nunca aconteceu em 132 anos de existência da instituição.
Secretária de Justiça do município de São Paulo e professora sênior do Departamento de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Eunice Prudente vê a escolha como "muito grave", já que o governo Lula tem o que ela chama de "o melhor ministério que já tivemos pelo respeito à diversidade".
"Flávio Dino atende todas as exigências constitucionais e inclusive a diversidade, porque vejo ele como um homem negro, um homem pardo. Temos plena confiança nele, mas isso me preocupa porque vejo uma escolha não a partir da qualidade da pessoa, mas sim pela adversidade política que o governo Lula está enfrentando. O centrão quer ministérios e cargos, e isso já é uma situação muito grave", descreve Prudente.
Segundo ela, é fundamental que a Corte tenha representada entre os ministros a parcela da população mais atingida pela má distribuição de recursos do estado brasileiro. "O problema do Brasil não é a escassez de recursos, é a distribuição deles e há uma linha negroide que delineia as áreas mais pobres da sociedade - ali estão as famílias negras, as mulheres negras responsáveis por essas famílias. Essa gente toda, que é numerosa, tem dependido do STF para viver e sobreviver nessa República", diz.
A secretária de Justiça de São Paulo lembra o caso da trabalhadora doméstica que teria sido mantida em trabalho análogo à escravidão na casa de um desembargador catarinense. O caso chegou ao STF - e o ministro André Mendonça, indicado por Jair Bolsonaro para agradar setores evangélicos, autorizou a volta da doméstica ao imóvel.
"Uma decisão como essa é gritante. Não precisa ser mulher preta ou empregada doméstica, todos nós nos sentimos em perigo", acrescenta a professora da USP, que afirma que há praticamente dez nomes de juristas negras que estariam capacitadas a assumir o cargo de ministra no STF.
"Quem elegeu o Lula foram principalmente os eleitores negros. Nós o elegemos. E agora? Acho que ele deveria nos ouvir", conclui ela.