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O que está em jogo na proposta para legalizar cassinos, bicho e bingos, com apoio do governo Lula?

Proposta já foi aprovada na Câmara e vai ao Senado após legalização das bets. Críticos da proposta dizem isso vai agravar vício em jogos e crimes. Defensores argumentam que vai gerar empregos e arrecadação.

4 dez 2024 - 14h55
(atualizado às 19h17)
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Projeto de lei que legaliza cassinos, bingos e jogo do bicho já foi aprovada na Câmara
Projeto de lei que legaliza cassinos, bingos e jogo do bicho já foi aprovada na Câmara
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

O Senado decidiu adiar, nesta quarta-feira (4/12), a votação de um projeto de lei que legaliza cassinos, bingos e jogo do bicho no Brasil, proposta que foi aprovada na Câmara em 2022.

O adiamento ocorre devido às resistências à proposta, num momento em que o vício em jogos cresce no país, após a legalização de sites de apostas esportivas e cassinos online.

Críticos dizem que legalizar mais atividades do gênero vai agravar o problema e favorecer lavagem de dinheiro pelo crime organizado.

Já os defensores argumentam que não faz sentido permitir jogos online e abrir mão de atividades presenciais, que poderiam gerar mais empregos e arrecadação.

Dizem também que a proposta apresentada no Congresso tem regras para coibir a criminalidade e minimizar o vício.

O projeto de lei conta com apoio no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), com manifestações favoráveis dos ministérios da Fazenda e do Turismo.

Também é visto com entusiasmo de membros do governo anterior, de Jair Bolsonaro (PL), como o ex-chefe da Casa Civil, o senador Ciro Nogueira (PP-PI).

Mas, tanto na esquerda como no campo bolsonarista, há também resistências.

Pastores assinaram uma carta de repúdio à proposta nesta quarta-feira, entre eles Silas Malafaia (Assembleia de Deus), Robson Rodovalho (Sara Nossa Terra), e Estevam Hernandes (Renascer em Cristo).

No documento, eles dizem que a legalização das apostas causa "endividamento da população, vícios relacionados aos jogos, golpes através de sites irregulares, lavagem de dinheiro e exploração de vulneráveis".

A forte oposição do segmento evangélico é apontada como o principal fator que levou Bolsonaro a prometer vetar a proposta quando era presidente, caso ela passasse no Congresso.

Já Lula disse que vai sancionar a lei, caso seja aprovada. "Não sou favorável a jogo, mas também não acho crime. Se o Congresso aprovar e foi feito um acordo entre os partidos políticos e for aprovado, não tem por que não sancionar", disse, em entrevista à Rádio Meio, do Piauí, em junho.

"Agora, eu acho que não é isso que vai resolver o problema do Brasil. Essa promessa fácil de que vai gerar 2 milhões de empregos, que vai desenvolver, não é verdade também", afirmou, na mesma ocasião.

A fala de Lula ocorreu logo após a proposta ser aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, em votação apertada (14 votos a 12).

Com o adiamento da votação no plenário, porém, o texto voltará a CCJ para novas análises. Além disso, o Senado aprovou hoje pedidos de informações aos ministérios da Saúde e do Desenvolvimento Social, sobre possíveis impactos da proposta. As pastas terão 30 dias para se manifestar.

O adiamento foi solicitado por diversos senadores, inclusive da base do governo, como Humberto Costa (PT-PE), que se opõe à legalização.

Pedido similar foi feito pela CPI das Apostas, que investiga a manipulação de jogos e apostas esportivas. O requerimento, assinado pelo senador Eduardo Girão (Novo-CE), argumenta que as apostas esportivas têm causado prejuízos sociais e econômicos para famílias e setores produtivos.

Defensor da legalização, o ministro do Turismo, Celso Sabino, tem respondido às críticas argumentado que pessoas viciadas ficariam proibidas de acessar os cassinos.

"As pessoas que vão entrar na área dos cassinos vão ser identificadas, vai ter um controle. Quem for identificado com essa compulsão não vai poder acessar as áreas", afirmou em setembro, segundo a CNN Brasil.

Na ocasião, ele defendeu a instalação desses empreendimentos em destinos turísticos com potencial para ampliar o atual número de visitantes, como Salinópolis e Alter do Chão, no Pará; Olímpia, em São Paulo; e Pirenópolis e Alexânia, em Goiás.

O que mudaria com a proposta?

Esse mercado está em forte expansão desde que sites de apostas esportivas foram autorizados pelo Congresso a funcionar no país em 2018, durante o governo Michel Temer (MDB).

Esses sites funcionaram sem regulamentação por alguns anos, porque o governo Bolsonaro não quis tocar no assunto.

Já no governo Lula, a regulamentação foi aprovada em 2023, com o objetivo de alavancar a arrecadação e criar regras para seu funcionamento. Foi nesse momento, com a aprovação da Lei das Bets, que também foram legalizados cassinos online.

E, em julho deste ano, a Fazenda editou portarias com outras regulamentações que entrarão em vigor em 2025.

Críticos, no entanto, dizem que são necessárias normas mais rígidas para coibir o vício, como restrições a propagandas. Hoje, sites de apostas patrocinam dezenas de clubes de futebol no Brasil, impactando, inclusive, crianças e jovens.

Caso a nova proposta seja aprovada no Congresso, seria permitida a construção de cassinos físicos no país, em quantidades limitadas.

Defensores da medida dizem que isso facilitaria a fiscalização, dificultando o uso para lavagem de dinheiro.

O texto aprovado na CCJ, que ainda pode ser modificado no plenário, autoriza cassinos em polos turísticos ou em complexos integrados de lazer, como resorts e hotéis de alto padrão com pelo menos cem quartos, além de restaurantes e locais para eventos.

O limite seria de um cassino em cada Estado e no Distrito Federal, com exceção de São Paulo (até três), e de Minas Gerais, Rio de Janeiro, Amazonas e Pará (até dois cada), em razão do tamanho da população ou do território. Também haveria limites para cassinos em navios, em rios e no mar.

Já o jogo de bingo seria liberado tanto na modalidade de cartela como eletrônica e de videobingo.

O texto prevê uma casa de bingo em cada município, sendo que as cidades maiores teriam um estabelecimento para cada 150 mil habitantes.

Além disso, seria legalizado o jogo do bicho, atividade que hoje é uma contravenção movimentada por organizações criminosas.

A disputa pelo controle territorial dos pontos de apostas já provocou diversas execuções no Rio de Janeiro.

O texto prevê que poderia ser credenciada para explorar o jogo do bicho uma empresa a cada 700 mil habitantes em cada Estado e no Distrito Federal. Roraima, único Estado com população abaixo desse patamar, poderia ter só uma empresa.

Legalização de sites de apostas aumentou vício em jogos no Brasil
Legalização de sites de apostas aumentou vício em jogos no Brasil
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Novos impostos

A proposta prevê a criação de dois impostos sobre o setor, cuja arrecadação seria dividida entre União, Estados e municípios.

A Taxa de Fiscalização de Jogos e Apostas (Tafija) seria paga a cada três meses, no valor de R$ 600 mil para os cassinos; R$ 300 mil para casas de jogos online; e R$ 20 mil para casas de bingo, operadoras de jogo do bicho e entidades de turfe.

Já a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico incidente sobre a comercialização de jogos e apostas (Cide-Jogos) teria alíquota de até 17% sobre a receita bruta (diferença entre valor das apostas e prêmios pagos) de todas as empresas do setor.

Parte dos recursos teriam que ser destinados a ações de prevenção ao vício em jogos, em saúde, segurança pública, proteção dos animais, financiamento estudantil, ações em áreas impactadas por desastres naturais e no Fundo Nacional da Criança e do Adolescente.

Além disso, 1% da receita bruta do setor iria para a formação de atletas, por meio do Comitê Brasileiro de Clubes e do Comitê Brasileiro de Clubes Paralímpicos.

O apostador, por sua vez, pagará 20% de Imposto de Renda nos ganhos acima de R$ 10 mil (abaixo disso fica isento). O valor a ser tributado será o saldo entre os prêmios recebidos e os gastos com apostas nas últimas 24 horas.

Estimativas apresentadas pelo senador Irajá Abreu (PSD-TO), relator da proposta, indicam que a legalização das atividades pode gerar investimentos de R$ 100 bilhões e criar cerca de 1,5 milhão de empregos diretos e indiretos.

Já a arrecadação potencial seria de R$ 22 bilhões ao ano, segundo o senador.

"Todos os países da OCDE [Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico] praticamente, quase todos os países do G20 e, olhando o globo terrestre, quase todos os países, mais de 90%, regulamentaram", defendeu o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), em julho, em um vídeo gravado ao lado de Abreu e compartilhado no Instagram do senador.

"Desde que seja bem disciplinado, bem-feito, moralizado, com a supervisão do Estado brasileiro e proteção ao cidadão, é uma coisa que pode gerar emprego e renda no nosso país."

'Desde que seja bem disciplinado, bem-feito, pode gerar empregos', defendeu Haddad sobre legalização de jogos de azar
'Desde que seja bem disciplinado, bem-feito, pode gerar empregos', defendeu Haddad sobre legalização de jogos de azar
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Críticas ao vício e ao endividamento

Em contraste com as promessas de arrecadação e empregos, críticos dizem que o vício em jogo está provocando endividamento e desestruturação de famílias.

Em pronunciamento no plenário do Senado em julho, o senador Eduardo Girão citou as apostas feitas por beneficiários do programa Bolsa Família, que movimentam R$ 3 bilhões por mês, segundo relatório do Banco Central.

Depois da divulgação desse dado, o governo proibiu o uso do cartão do programa em apostas online.

"Já temos aí R$ 100 do Bolsa Família [em média por mês] comprometidos com aposta esportiva", criticou Girão.

"Quem é que recebe o Bolsa Família? São as pessoas, as famílias mais vulneráveis. E aí, a gente vê esse tipo de inversão de valores no Brasil."

Já a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) diz que o aumento das apostas está atraindo recursos que poderiam ser usados no consumo.

"Cada venda que se perde no varejo, custa mais que a própria venda. Porque existem custos fixos que não mudam", disse o economista-chefe da CNC, Felipe Tavares, em entrevista à Agência Brasil em setembro.

"Se você estava acostumado a faturar R$ 1 mil por semana e, de repente, começa a faturar R$ 500 por semana, o impacto é maior que R$ 500. Calculamos uma perda potencial de R$ 117 bilhões ao ano se continuar com essa escalada de gastos com apostas."

Outros projetos tramitam no Congresso com objetivo de endurecer as regras para apostas online. Propostas apresentadas por deputados petistas, inclusive Gleisi Hoffman, presidente do PT, tentam proibir propagandas.

"A expansão das bets no país foi sustentada por uma avalanche de publicidade em todos os meios de comunicação, nos campos e camisas de futebol, nas redes sociais, que se utilizam de figuras públicas para anunciar seus jogos. Nem as crianças estão livres dessa manipulação", diz a justificativa do projeto do deputado Reginaldo Lopes (PT-MG).

Em entrevista à BBC News Brasil em outubro, a diretora do Departamento de Saúde Mental do Ministério da Saúde, Sônia Barros, também defendeu a proibição das propagandas de casas de aposta.

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