O que pensam brasileiros em risco de deportação que apoiam Trump: 'Acho que ele fará uma boa limpa'
Embora republicano tenha prometido deportação em massa que pode afetar ao menos 230 mil brasileiros não legalmente autorizados a viver em território americano, muitos deles o apoiaram abertamente e agora torcem pra não ser alvo.
O brasileiro Rafael*, de 36 anos, vive há mais de 6 meses com uma tornozeleira eletrônica presa à sua perna direita. O objeto precisa ser recarregado a cada 8 horas e apita ou treme sempre que os agentes da Imigração e Alfândega dos EUA, o ICE (na sigla, em inglês), perdem o sinal de rastreio dos passos dele, na região metropolitana de Miami, Flórida, onde Rafael vive com a mulher, Soraia*, de 41 anos, e o filho de quase 4 anos do casal.
A tornozeleira eletrônica é uma lembrança constante de que o destino da família pode mudar a qualquer momento, de forma abrupta. Seria o fim do que o casal chama de "o sonho americano", iniciado em setembro de 2021, quando os três cruzaram a fronteira do México com os Estados Unidos pelas mãos de um coiote que lhes cobrou R$ 90 mil pela travessia.
De lá pra cá, o pedido de asilo do casal foi negado, assim como todos os recursos. Há 6 meses, quando a última apelação foi recusada na Justiça, o ICE instalou a tornozeleira na perna de Rafael e os advogados da família os avisaram que uma ordem de deportação era iminente.
Agora, com a vitória eleitoral de Donald Trump, que voltará a ocupar a Casa Branca a partir do próximo dia 20 de janeiro, a ordem de partida parece cada vez mais provável.
"De noite, quando eu deito na cama, com a tornozeleira pesando na perna, tenho que fazer um esforço muito grande para dormir e poder trabalhar no dia seguinte. O que a gente sente é medo, né?!", afirma Rafael.
"No caso da Soraia, se a gente for deportado, é questão de vida ou morte", explica ele, que trabalha como pintor "e o que mais aparecer", e costuma tirar diárias de US$ 180 a US$ 200 (entre R$ 1.090 e R$ R 1.210, pelo câmbio atual).
"Questão de vida ou morte" não é força de expressão.
Enquanto o processo migratório da família se arrastava na Justiça, Soraia, que vinha trabalhando como faxineira, começou a desenvolver estranhos sintomas. Primeiro, surgiram erupções purulentas e dolorosas na pele. Depois, intensa fraqueza muscular que, com o passar das semanas, tornaram impossível engolir alimentos sólidos.
Ela emagreceu 17 quilos, perdeu os cabelos e quase já não andava mais quando os médicos fecharam o diagnóstico: uma doença autoimune rara e grave, que destrói o sistema imunológico, as articulações e os músculos.
Atualmente, Soraia depende de infusões intravenosas quinzenais de um coquetel de drogas para sobreviver. Seu tratamento numa clínica na Flórida é registrado como pesquisa científica e ainda não foi aprovado pela agência reguladora de medicamentos dos EUA, o FDA. Nada parecido existiria no Brasil, segundo a equipe de saúde que cuida de Soraia.
Em uma carta timbrada e assinada, a qual a BBC News Brasil teve acesso, o médico responsável pelo tratamento de Soraia atesta às autoridades americanas que ela "está sob meus cuidados devido a uma doença muscular imunológica grave que requer tratamento rápido e crônico e sem o qual a paciente pode ser gravemente afetada e levada à morte".
Nada disso, porém, funcionou até agora para assegurar a permanência da família no país.
No meio do relato dramático de seu cotidiano, Rafael surpreende a própria mulher ao ser questionado pela BBC News Brasil sobre as eleições presidenciais americanas. "Se eu pudesse votar, eu teria votado no Trump", ele responde, sem pestanejar.
"Uma boa limpa"
Parece um contrassenso, já que Trump se elegeu prometendo realizar as maiores deportações de indocumentados da história dos EUA. A meta seria expulsar um milhão de estrangeiros sem documentos por ano, segundo informou o vice-presidente eleito J.D.Vance ainda ao longo da campanha. É mais do que o dobro do máximo de deportações já feita em um único ano nas últimas sete décadas.
O discurso anti-imigração se tornou uma marca da candidatura Trump que, no primeiro mandato, já havia iniciado a construção de um muro na fronteira com o México para tentar barrar o fluxo migratório de pessoas como Rafael e Soraia.
Agora, durante a campanha, o republicano afirmou que o país tinha sido inundado por criminosos e egressos de hospícios e chegou a acusar imigrantes haitianos de comerem animais de estimação de americanos — o que jamais foi comprovado.
Durante um de seus maiores comícios, no Madison Square Garden em Nova York, um apoiador que discursava antes do candidato subir ao palco chegou a chamar Porto Rico de "ilha flutuante de lixo". Quando assumiu o microfone, Trump não o contradissesse e prometeu:
"No primeiro dia [de governo], lançarei o maior programa de deportação da história americana para nos libertar dos criminosos. Vou resgatar todas as cidades que foram invadidas e dominadas, colocaremos esses criminosos cruéis e sedentos de sangue na prisão, e os expulsaremos do nosso país o mais rápido possível."
Com esse tipo de retórica, seria possível imaginar que latinos de modo geral, e brasileiros particularmente, tenderiam a recusar a candidatura Trump. Não foi necessariamente o que aconteceu.
Segundo análise do jornal americano The New York Times a partir dos resultados da eleição em 86 condados do país de maioria hispânica, o republicano avançou 13 pontos percentuais entre os latinos em 2024 em relação a 2020.
Uma pesquisa eleitoral feita em outubro pela revista EXAME e o Instituto Ideia com pouco mais de 800 brasileiros aptos a votar no país mostrou que 60% deles diziam preferir a democrata Kamala Harris enquanto 35% afirmavam apoiar Donald Trump.
"Eu acho que ele vai fazer uma boa limpa aqui, sim, mandar muita gente embora, os criminosos. Mas eu não tenho nenhuma ocorrência policial nem aqui, nem no Brasil, por isso acredito que vão me deixar ficar", argumenta Rafael, para explicar sua preferência política.
Evangélico, ele diz que não deseja mal a ninguém, mas se queixa que há migrantes demais como ele, o que tem aumentado a competição por vagas de emprego. Atualmente, Rafael tem trabalhado apenas três dias por semana.
A doença de Soraia a impediu de trabalhar e a família hoje depende apenas do soldo de Rafael para sobreviver e pagar a dívida com o coiote — da qual apenas metade foi quitada.
Ainda assim, Rafael se orgulha em dizer que não recorreu a programas assistenciais para alimentar a família, embora possivelmente eles tivessem direito ao suporte do Estado nos piores momentos financeiros que enfrentaram.
"Os empresários brasileiros, todo mundo diz que a economia aqui com Trump era muito melhor, a gasolina mais barata. A gente aqui passa apertado, mas passa. Quando eles [autoridades] forem ver, verão que não pegamos nada do Estado, não demos gasto nenhum. A gente quer sobreviver com o nosso trabalho, eu quero é trabalhar. Não tem por que mandarem a gente embora", conclui Rafael.
Quem são os brasileiros em risco?
A opinião de Rafael, ao mesmo tempo um alvo potencial e um entusiasta de Trump, não surpreende quem convive na comunidade brasileira.
"Apoiador do Trump é o que mais tem, seja entre quem tem documento, seja entre quem não tem", disse à BBC News Brasil Leandro Alves, da Insuperável FM, uma rádio digital em português em Framingham, Massachussets, que conta com ao menos 60 mil ouvintes fixos mensais, boa parte deles brasileiros.
"Eu mesmo cheguei a perder anunciante brasileiro na minha rádio quando me posicionei contra o Trump pelo que ele faz com os migrantes. Mas o que eu posso fazer, eu sou radialista de uma rádio pró-migrante, vou defender quem quer mandar o migrante embora?", seguiu o radialista.
Há duas décadas nos EUA, Alves se lembra do período em que eram comuns as blitzes do serviço de migração, montadas para surpreender e deter imigrantes indocumentados, algo que deixou de ser realidade nos últimos anos.
"Infelizmente eu já me vejo tendo que voltar a prestar esse serviço de avisar às pessoas na rádio onde o ICE está fazendo operação, para o pessoal evitar. Vai se criando um clima em que aqueles que não gostam dos migrantes se sentem à vontade para afrontar", diz Alves.
Estima-se que haja hoje um contingente de 11 milhões de pessoas vivendo irregularmente nos EUA — sete milhões deles, latinos. Rafael e Soraia são parte de um grupo de ao menos 230 mil brasileiros nesta mesma condição, segundo dados de 2022 do Instituto de Pesquisa Pew Research.
"A população não autorizada brasileira cresceu muito rapidamente. Nos últimos sete ou oito anos, ela dobrou, enquanto que a população total de migrantes não autorizados se manteve estável nesse mesmo período", afirmou à BBC News Brasil o demógrafo Jeff Passel, responsável pelo estudo do Pew Research sobre brasileiros, que usa os dados do Censo dos EUA em suas estimativas.
Os especialistas alertam que os números são provavelmente subestimados, até porque migrantes indocumentados tendem a evitar responder pesquisas. Os dados também divergem, por questões metodológicas, de uma estimativa feita pelo Itamaraty, com base em dados de 2022 de atendimentos consulares, que indicou haver 1,9 milhão de brasileiros vivendo nos EUA. O governo brasileiro, no entanto, não sabe dizer quantos destes cidadãos estão irregulares no país.
Durante alguns meses na gestão Biden (2021-2025), os brasileiros chegaram a figurar na lista das nacionalidades mais encontradas por agentes de migração na fronteira, em meio à histórica crise que levou milhões a entrarem nos EUA pela via e que, segundo os analistas, contribuiu para que os democratas tivessem uma derrota eleitoral completa para os republicanos este ano.
Segundo Passel, um terço dos imigrantes brasileiros nos EUA hoje estão em situação irregular, o que torna a comunidade brasileira mais vulnerável do que as demais, em média, já que o percentual de indocumentados para outras nacionalidades gira em torno de 23%.
Assim como Rafael e Soraia, metade dos brasileiros indocumentados chegaram nos EUA há cinco anos ou menos. Trata-se de uma migração bem mais recente que a de mexicanos indocumentados, em média, há 22 anos nos Estados Unidos.
Entre os brasileiros irregulares, 17% são crianças, como o filho de Rafael e Soraia, o dobro da média das demais nacionalidades — o que indica que os brasileiros indocumentados costumam estar em família, e não como adultos sozinhos.
Quanto ao trabalho, dois terços dos brasileiros migrantes não autorizados estão ocupados, segundo o Pew Research. Eles são desproporcionalmente importantes no setor de construção: 25% trabalham em alguma função nesta área, como Rafael, que é pintor.
Em média, nas demais nacionalidades, o setor de construção emprega 18% de seus indocumentados. Outros 25% estão em serviços como limpeza doméstica, zeladoria e jardinagem.
"Agora você vai voltar para o seu país"
Levou menos de 24 horas para que a vitória de Donald Trump à presidência dos EUA mostrasse efeitos práticos na vida de Alice*, de 35 anos. Brasileira, ela mora há mais de dez anos na região metropolitana de Boston, em Massachusetts. Na tarde daquela quarta-feira, 6/11, Alice foi buscar a filha de 9 anos na escola pública do bairro, como de costume.
"Ela entrou no carro e me contou na hora: 'Mamãe, o coleguinha me disse que agora que o Trump ganhou, você vai ter que voltar para o seu país'''. Aquilo me revoltou. Ele é uma criança, não pensou nisso sozinho, tenho certeza que ele ouve isso dos adultos em casa", diz.
A filha de Alice nasceu nos EUA e tem dupla nacionalidade, americana e brasileira. Mas Alice e seu marido são imigrantes indocumentados. Ambos chegaram pela fronteira do México em fevereiro de 2014 e seguem até hoje sem autorização legal pra viver no país.
A falta de documentos não os impediu de comprar a casa própria, dois apartamentos em Massachusetts e nove lotes em Nova York.
Com o trabalho de limpeza doméstica, ela tem uma renda de US$ 7 mil (R$ 42 mil) por mês. Somada com o rendimento do marido, que tem uma construtora e emprega cerca de dez pessoas, o rendimento da família gira em torno de US$ 20 mil (R$ 120 mil) mensais.
"Acompanhei muito de perto essa eleição e não podia acreditar quando ele venceu. Agora, sinceramente, estamos em compasso de espera, fazendo tudo certinho, evitando qualquer batida policial, mas já não tenho mais coragem de investir aqui. Acabo de comprar um consórcio para uma casa no Brasil", diz Alice.
No caso dela, além da própria deportação, há uma segunda ameaça. Grávida de quase seis meses, Alice terá sua segunda filha em abril e teme que até lá Trump consiga cumprir outra de suas promessas: mudar a lei para que filhos de migrantes irregulares não mais recebam a cidadania americana ao nascer em território dos EUA.
O presidente eleito americano chegou a dizer que faria isso no primeiro dia de governo, mas a mudança exigirá uma alteração da Constituição do país, o que pode demorar. "Eu torço para que não dê tempo de ele mudar até minha filha nascer", afirma Alice.
Ela se diz de direita, é contra a legalização do aborto e a favor da redução de impostos, bandeiras associadas a Trump. Apesar disso, as posições anti-imigração do republicano pesaram mais ao definir suas preferências políticas.
O mesmo não foi verdade para a sogra de Alice, que também chegou nos EUA depois de cruzar a fronteira e há alguns anos teve seu pedido de asilo negado. Agora, ela pode ter uma ordem de deportação expedida a qualquer momento. Mesmo estando "com a corda no pescoço", como define Alice, a sogra apoiou abertamente Donald Trump.
"Ela diz que ele não vai conseguir mandar tanta gente embora, mas eu digo que eles são masoquistas, torcendo para quem quer ver você pelas costas e pagando pra ver", conta Alice.
Depois de eleito, Trump já afirmou que pretende declarar Estado de Emergência Nacional para usar o Exército na procura pelos deportáveis. Ainda assim, parte dos migrantes entrevistados pela BBC News Brasil avaliam que não correm risco específico e seguem apoiando o republicano.
Em parte, Alice acredita que a chave para entender o comportamento deles está na religião. Há muitos evangélicos na comunidade brasileira, que receberam com alegria a reversão da decisão da Suprema Corte dos EUA que garantia o aborto legal em todo o país.
A mudança do entendimento de mais de cinco décadas só foi possível graças à supermaioria conservadora que Trump conseguiu instalar na mais alta corte judicial do país durante seu primeiro mandato.
"Eu também sou a favor de defender a vida do feto, mas e a vida do migrante, adulto, que está aqui lutando pra sobreviver, quem defende?", questiona Alice.
O brasileiro Igor*, de 37 anos, também se ressente das duras palavras de Trump contra os migrantes. "Se eu pudesse pedir algo, queria que ele diferenciasse mais, porque fica parecendo que todo migrante é bandido e não é verdade", afirma o atual morador de Utah.
Ex-missionário mórmon, Igor é um entusiasta de Trump e chegou ao país em 2019, acompanhado da mulher Olívia. Ambos tinham um visto de turismo, mas não deixaram o país após os seis meses de prazo. O filho do casal já nasceu nos EUA e a família tem prosperado, ele com seu trabalho em jardinagem e publicidade online, e ela como designer de unhas.
Igor procura não demonstrar muita preocupação quanto à possibilidade de deportação. "Em cinco anos aqui, eu só tomei duas multas de trânsito. A migração só vai atrás de quem faz coisa errada, não de gente que contribui para o país, que paga os impostos. Por que viriam atrás de mim? Não estou aqui pra explorar, estou aqui pra produzir", argumenta.
"Agora tem gente que eu mesmo quero que deporte, esses imigrantes venezuelanos, gente do crime organizado, eu sou contra o pessoal vir aqui e bagunçar, torço pra que o Trump deporte mesmo até porque eles mancham a nossa imagem", prossegue.
Igor menciona um caso que se tornou um dos carros-chefe da campanha republicana para associar migração e criminalidade: o chocante assassinato da americana Laken Riley, da Geórgia, em fevereiro, por José Ibarra, um indocumentado venezuelano que já havia cometido outras faltas criminais antes. Há 3 semanas, Ibarra foi condenado à prisão perpétua.
Igor também associa Trump a uma melhora na economia e diz esperar que o republicano "acabe com essas guerras, que não interessam aos americanos, e faça os EUA serem respeitados no mundo de novo".
Ao dizer que estão a salvo porque o alvo de Trump serão os criminosos, os brasileiros repetem argumentos dos republicanos.
No Congresso dos Estados Unidos, parlamentares trumpistas ligados aos latinos têm expressado preocupação de que uma ação muito contundente contra indocumentados possa ferir as comunidades latinas e reduzir a popularidade de Trump e do partido entre este grupo demográfico.
Escolhido como czar da fronteira de Trump, Thomas Homan afirmou que as prisões e deportações começarão por aqueles indocumentados que têm histórico criminal e que, depois, seguirão para aqueles com ordem de deportação pendente. O problema, dizem os especialistas, é que esses são também os alvos que estão se escondendo, os mais difíceis de encontrar.
"Trump sabe que deportação em massa não vai resolver o problema da fronteira, assim como o muro não resolveu. Mas a deportação em massa é uma propaganda para criar a sensação de que ele tem controle sobre o assunto, um apelo midiático", diz Gustavo Dias, sociólogo da Universidade Estadual de Montes Claros (MG), especialista em migração.
Para Dias, no ímpeto de produzir números altos o quanto antes, há grandes chances de que Trump acabe atingindo inclusive aqueles que o apoiam. "O sistema de migração não funciona a partir da lógica de méritos individuais ou regras de moral cristã como as do raciocínio desses migrantes brasileiros. Para o sistema migratório, todos eles são apenas números, é algo impessoal".
Consultado pela BBC News Brasil sobre a possível deportação em massa de brasileiros, o Itamaraty optou por não comentar. A reportagem apurou que até agora o governo brasileiro e a equipe do presidente eleito Donald Trump não conversaram sobre o assunto.
Ao menos três diplomatas brasileiros de alto nível consultados pela BBC News Brasil demonstraram certa preocupação com o assunto — que costuma gerar imagens dramáticas e desgaste político —, mas lembraram que esta é uma prerrogativa do governo americano e que Trump é um líder imprevisível.
Desde seu início, o governo Lula recebeu de volta pouco mais de 3 mil brasileiros dos EUA.
Outra preocupação dos profissionais da diplomacia brasileira é de que Trump use tarifas sobre produtos brasileiros para pressionar o país no tema migratório. Recentemente, o próprio Trump ameaçou via redes sociais a imposição de taxas a produtos mexicanos em represália pelo que o republicano vê como pouca cooperação na contenção de migrantes.
"O tema da imigração ilegal é visivelmente prioritário e Trump parece disposto a usar os instrumentos comerciais para o objetivo de contê-la. Em relação ao México, (ele) já mostrou isso", disse à BBC News Brasil o ex-chanceler Ernesto Araújo, que em sua atuação no Governo Bolsonaro (2019-2022) manteve estreita relação com a primeira gestão Trump.
Procurada pela BBC News Brasil, a equipe de comunicação do presidente republicano eleito afirmou que não comentaria porque o governo ainda não tomou posse.
A reportagem apurou, porém, que os brasileiros não são considerados um grupo de particular interesse nem um alvo preferencial da política de deportação trumpista.
Uma fonte do time de transição de Trump disse à BBC News Brasil que impor tarifas por questão migratória contra o Brasil faria pouco sentido porque os dois países não dividem fronteira terrestre e há pouco o que o governo brasileiro possa fazer para impedir seus cidadãos de irem ao México. Ainda assim, seria cedo demais para descartar qualquer possibilidade.
Apenas a perspectiva do que poderão ser as deportações em massa, no entanto, já lança a brasileira Dinorah, de 49 anos, em um profundo conflito ético.
Ela chegou ao país há cinco anos, com um visto de turista, e nunca mais partiu da Carolina do Norte. Apoiadora de Trump, "já que o Biden destruiu a economia deste país", atualmente ela depende de doações dos fieis da Igreja Assembleia de Deus para se alimentar e pagar o aluguel.
Dinorah sofre com uma doença autoimune que a impede de trabalhar e recebe tratamento da Universidade da Carolina do Norte, custeado com dinheiro público.
"Praticamente todo mundo que me ajuda hoje é brasileiro que entrou aqui atravessando a fronteira com o México, e eu sei que isso o Trump não vai aceitar, vai mandá-los embora", diz Dinorah, que tampouco conta com autorização legal de residência no país, mas acredita que será um alvo menos preferencial por ter chegado ao país portando um visto.
"Tem noite que eu perco o sono pensando nisso, são pessoas de boa índole, muito humildes, seria injusto mandá-las sair", diz ela.
"Ao mesmo tempo, elas não estão pagando o imposto direito ou estão custando caro ao Estado, assim como eu, então eu entendo que o Trump queira a gente fora daqui. Não há como me preparar, só espero que o pior não aconteça."
*O nome dos entrevistados foi trocado para proteger suas identidades.