Bolsonaro réu por tentativa de golpe: quais são os próximos passos do julgamento no STF
Ministros da Primeira Turma do STF aceitam, por unanimidade, denúncia contra ex-presidente e mais sete aliados por tentativa de golpe. Entenda o que acontece agora.A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) aceitou, por unanimidade, a denúncia contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e de mais sete investigados por integrar o núcleo central de uma trama golpista arquitetada após a derrota nas eleições de 2022.
Com a decisão, Bolsonaro e sete aliados se tornam réus e vão responder a ação penal pela trama golpista que culminou na invasão e depredação da sede dos Três Poderes, em Brasília, em 8 de janeiro de 2023, poucos dias após a posse do presidenteLuiz Inácio Lula da Silva (PT).
A previsão de analistas consultados pela DW é de que, após esse primeiro passo, o processo se arraste pelos próximos meses, quando o tribunal ouvirá testemunhas e acusados, analisará provas e fará as demais diligências. Há o risco de que a conclusão do julgamento fique para 2026, o que pode levar a corrida eleitoral a atropelar o rito judicial.
O que pesa sobre os acusados?
O ex-presidente é acusado de cinco crimes: liderança de organização criminosa armada; tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito; golpe de Estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. As penas podem somar mais de 40 anos de reclusão.
A peça da Procuradoria-Geral da República (PGR) denuncia 34 pessoas, mas o julgamento do STF dividiu os acusados em cinco grupos. Nesta primeira etapa, além de Bolsonaro, a corte também avalia a abertura dos processos contra os ex-ministros Walter Braga Netto (Casa Civil), Paulo Sérgio Nogueira (Defesa), Anderson Torres (Justiça) e o general Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional da Presidência).
Foram implicados ainda Almir Garnier Santos, ex-comandante da Marinha do Brasil, e Mauro Cid, ex-chefe da Ajudância de Ordens da Presidência, além do ex-diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) Alexandre Ramagem.
O relator do caso, o ministro Alexandre de Moraes, disse não haver "dúvida nenhuma " de que Bolsonaro discutiu a "minuta do golpe ". Segundo a investigação da Polícia Federal, o documento circulou entre integrantes do governo no final de 2022 e consistia em um plano para impedir a posse de Lula.
O que vem agora?
Assim como no julgamento que decidiu pela abertura da ação, o restante do processo será conduzido inteiramente pela Primeira Turma, composta pelos ministros Cristiano Zanin, Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Flávio Dino e Luis Fux. Na semana passada, a maioria do plenário do tribunal rejeitou pedido da defesa de Bolsonaro e de Braga Netto para afastar Dino, Zanin e Moraes da análise do caso por suspeição.
O ordenamento jurídico não prevê a possibilidade de um recurso pelo recebimento da denúncia, de acordo com o advogado Acácio Miranda, especialista em Direito Penal. A defesa, porém, pode lançar mão de um dispositivo conhecido como "embargos de declaração", em que são pedidos esclarecimentos sobre aspectos específicos da decisão.
O cronograma dos passos seguintes é imprevisível, porque o caso envolve múltiplos acusados. Cada equipe de defesa deve empregar estratégias próprias e podem, inclusive, entrar em contradição, o que amplia o prazo de apurações. "É muito provável que o julgamento do mérito não aconteça este ano, então deve entrar no calendário eleitoral", avalia Miranda.
Bolsonaro pode ser preso?
A composição da Primeira Turma do STF torna o cenário "desfavorável" ao ex-presidente, avalia o advogado criminalista Marcelo Crespo, coordenador do curso de direito da ESPM. No passado, os ministros do colegiado já tomaram decisões que contrariaram Bolsonaro. Moraes, em particular, é alvo frequente de ataques bolsonaristas.
Crespo considera improvável que uma eventual condenação produza uma pena que não leve Bolsonaro à prisão, sobretudo por conta da profundidade das denúncias da PGR ."Mas tudo vai depender do julgamento, de como será a interpretação da turma", pondera.
Na mesma linha, Acácio Miranda vê chances significativas de que o ex-presidente seja condenado. O Código Penal Brasileiro ainda prevê recursos após a decisão e o réu só pode ser preso após o esgotamento de todos eles, cenário conhecido como "trânsito em julgado". "Resta saber o timing disso, o momento dessa condenação. Sendo ele condenado, uma tendência lógica, em circunstâncias normais, é de que ele seja preso", afirma.
Somados todos os crimes pelos quais Bolsonaro foi acusado, a sentença pode chegar a 43 anos de prisão.
Consequências políticas
O processo avaliado pelo STF não afetará diretamente as perspectivas eleitorais, porque Bolsonaro já foi declarado inelegível em 2023 por abuso de poder e uso indevido dos meios de comunicação durante a campanha de 2022. O ex-presidente e Braga Netto estão impedidos de concorrer a cargos eletivos até 2030.
A evolução do litígio, no entanto, terá impacto em outras frentes. Para o cientista político Carlos Pereira, professor da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas (FGV-EBAPE), Bolsonaro perde algum capital político com o imbróglio jurídico, embora o núcleo mais firmes de apoiadores deva manter a lealdade ao ex-presidente.
"Por mais que o julgamento elenque evidências robustas de que houve envolvimento direto de Bolsonaro e seus ministros e vice-presidente na tentativa de golpe, essa parcela da população vai continuar com ele de qualquer maneira", avalia.
Por outro lado, o segmento do eleitorado menos ideológico, que votou em Bolsonaro mais como repúdio ao PT, pode ser negativamente influenciado pela situação. Por isso, Pereira vê o caso como uma "janela de oportunidade" para que a direita encontre uma alternativa para a eleição do ano que vem.
A solidez e a repercussão da ação penal ditarão também a influência de Bolsonaro na escolha de um sucessor. Se ficar comprovado de forma inequívoca o envolvimento na trama golpista, candidatos conservadores independentes do ex-presidente ganhariam mais viabilidade. "Mas se o julgamento não mostrar uma clara conexão, a força política dele continuará sendo relevante", ressalta Pereira.
Intervenção de Brasília?
Para tentar contornar as perspectivas na Justiça, Bolsonaro busca mobilizar apoio popular a projetos de anistia total aos envolvidos na trama golpista. No último dia 16 de março, o ex-presidente participou de um ato em Copacabana, no Rio de Janeiro, para pedir a aprovação no Congresso do perdão aos responsáveis pelos ataques de 8 de janeiro de 2023 em Brasília. A Polícia Militar contabilizou 400 mil pessoas no protesto, mas o Datafolha disse que foram 30 mil.
Bolsonaro voltou a convocar apoiadores para uma nova manifestação, no próximo sábado (29/03), na Avenida Paulista, em São Paulo.
Apesar disso, Carlos Pereira, da FGV, vê pouco apetite para uma intervenção do legislativo nesse caso. "É muito custoso impor perdas ao judiciário em um ambiente fragmentado de muitos partidos. Então, acho pouco provável que o Congresso inicie medidas que venham a restringir o papel e o poder do Suprema", avalia.
O advogado Acácio Miranda acredita que uma virada de mesa liderada pelos parlamentares dependeria de evidências muito contundentes em favor de Bolsonaro. Para ele, ainda que haja um equilíbrio de força mais favorável a grupos conservadores no Congresso, não há espaço para uma ação radical. "Não se sei a polarização política do Brasil permitiria isso", diz.