O que pode pesar contra e a favor de Bolsonaro na corrida presidencial
Falta de apoio de grandes partidos e pouco tempo de TV dificultam caminho do deputado, mas militância ativa, força nas redes sociais e eventual pulverização dos votos podem beneficiá-lo, apontam especialistas.
Agora que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi condenado criminalmente em segunda instância e pode ser barrado da disputa presidencial de 2018 pela Lei da Ficha Limpa, o deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ) desponta como principal nome a substituir o petista na liderança das intenções de voto.
Segundo pesquisa do instituto Datafolha divulgada na semana passada, sem Lula na corrida, o parlamentar chega a liderar com 20% das intenções de voto no primeiro turno.
Nesse novo cenário, o que pode beneficiar e prejudicar o pré-candidato? Das consequências de se candidatar por uma sigla "nanica" até o apoio de uma militância motivada principalmente nas redes sociais, veja abaixo a análise de alguns dos fatores que podem influenciar a opinião pública a oito meses das eleições em 7 de outubro.
1. Pouco tempo de TV
Bolsonaro, hoje no PSC (Partido Social Cristão), anunciou sua intenção de se filiar ao PSL (Partido Social Liberal) para concorrer à Presidência da República. Até agora, nenhum outro partido confirmou que pretende se coligar à legenda.
Conseguir apoio de outras siglas, principalmente das maiores, é importante porque a distribuição de dinheiro público para campanha e do tempo de propaganda na TV é proporcional ao tamanho das bancadas na Câmara dos Deputados, observa o cientista político Geraldo Tadeu Monteiro, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
São fórmulas que dependem do número de deputados eleitos ou do número de votos obtidos na eleição anterior. E o PSL elegeu apenas dois deputados em 2014. O cálculo sobre o tempo de TV na eleição presidencial dependerá de quantos candidatos vão concorrer e com que coligações, mas, pelas regras atuais, é improvável que o partido tenha mais que 15 segundos de cada bloco de 12 minutos e meio de propaganda (serão seis blocos por semana, durante 35 dias de campanha).
"Isso pesa porque, se ele estiver bem nas pesquisas, é inevitável que sofra ataques. E o ataque massivo requer respostas. Ele não vai ter tempo de televisão nem para apresentar proposta, nem para se defender", afirma o cientista político Jairo Pimentel, pesquisador da FGV.
A variável sem resposta nesta análise é o papel que a propaganda de TV tradicional terá em uma opinião pública cada vez mais conectada às redes sociais.
2. Menos de 1% dos recursos do fundo partidário
Quanto aos recursos disponíveis para o partido, em janeiro, por exemplo, quando foram distribuídos R$ 63 milhões do fundo partidário às legendas, o PSL recebeu apenas R$ 538 mil, menos de 1% do total. Para efeitos de comparação, os partidos que tiveram maiores repasses foram PT (R$ 8,4 milhões), PSDB (R$ 7,1 milhões) e PMDB (R$ 6,9 milhões).
Valores semelhantes devem ser distribuídos mensalmente ao longo do ano, e mais R$ 1,7 bilhão será repassado aos partidos exclusivamente para os gastos com campanha, numa divisão também proporcional ao tamanho das siglas na Câmara dos Deputados.
O dinheiro público será o principal recurso para financiar a divulgação dos candidatos, tendo em vista que as doações de empresas estão proibidas. Já as doações de pessoas físicas estão liberadas.
Ainda não está claro, no entanto, se o forte apoio a Bolsonaro pode se reverter em contribuição financeira para a campanha, algo ainda incomum no Brasil.
3. 'Infantaria'
Além de garantir mais dinheiro, a aliança com outras legendas é essencial para ampliar a estrutura da campanha nacionalmente, reforça Monteiro. Quanto maior a coligação, a tendência é que o candidato a presidente tenha mais apoiadores nos Estados, concorrendo a cargos de governador, senador e deputado estadual e federal, pedindo votos também para ele.
"Na hora em que a campanha vai para rua, o que ganha guerra é a infantaria. É ter um candidato estadual pedindo voto para você, o cara que vai no rincão, na comunidade. São os partidos com mais estrutura nacional que, em geral, levam seus candidatos para o segundo turno", observa o professor da Uerj.
"Isso faz diferença principalmente numa campanha nacional, em um país como o nosso, de dimensões continentais", concorda a cientista política Rosemary Segurado, professora da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo.
Uma questão ainda sem resposta é o quanto os eleitores ainda estarão abertos à influência de políticos em um período de forte descrença na classe.
4. Militância ativa
Jamil Marques, professor do departamento de ciência política da Universidade Federal do Paraná (UFPR), também considera a falta de capilaridade nacional do PSL um problema para Bolsonaro, mas acredita que o fato de o candidato ter uma militância mais engajada pode compensar em parte essa deficiência.
"A militância mais apaixonada tem uma papel fundamental, mas não sei se consegue suprir por completo a falta de capilaridade da campanha, porque sua atuação tende a ser menos organizada que a dos partidos", pondera.
O deputado tem viajado pelo país e comumente é recebido por grupos de simpatizantes entusiasmados em atos gravados em vídeo e posteriormente postados nas redes sociais, alavancando o impacto do apoio.
A página do deputado no Facebook na quarta-feira, por exemplo, anunciava a chegada de Bolsonaro e um de seus filhos, que também é deputado, a Cascavel, no Paraná.
Chegada ao aeroporto às 15h30, anuncia o post compartilhado por mais de mil pessoas. "Tenho certeza de que todo o oeste paraense o receberá de braços abertos!!!", diz uma internauta. "Moro na cidade do Crato, Ceará. Gostaria muito de conhecer de perto e se for possível, fazer uma selfie com meu presidente Jair Messias Bolsonaro", escreve outro. "E quando vem a Altamira, Pará?", pergunta uma terceira, mostrando a capilaridade regional que o pré-candidato tem conseguido alcançar.
5. Força nas redes sociais
Autor do livro Do Clique à Urna: Internet, Redes Sociais e Eleições no Brasil, Jamil Marques também considera que, com uma boa estratégia de comunicação, Bolsonaro pode compensar em parte a falta de tempo de TV. Além disso, nota ele, é comum que o conteúdo que circula nas redes sociais acabe repercutindo nos veículos de televisão e rádio, chegando a pessoas mais velhas ou em áreas mais remotas, cujo o uso de internet tende a ser menor.
"A equipe do Bolsonaro precisa pensar em estratégias para esses jovens de 20 anos que acessam internet e estão dispostos a repercutir sua campanha, mas também terá que criar material que chegará ao WhatsApp, aos grupos de família, atingindo pessoas de 40, 50, 60 anos", afirma.
A força de Bolsonaro nas redes não viria apenas de ações organizadas por sua campanha, mas de uma militância engajada em plataformas como o Facebook e o WhatsApp.
Segundo o Datafolha, o eleitor de Bolsonaro é o mais é o que mais dissemina conteúdo político nessas plataformas. Do total, 93% têm conta no WhatsApp. Entre eles, 43% disseram disseminar conteúdo ali.
6. Limites do discurso radical e do antilulismo
Segundo analistas ouvidos pela BBC Brasil, a força de Bolsonaro vêm do seu discurso anticorrupção e de combate a violência, temas que têm despertado especial preocupação entre os brasileiros. Além disso, sua ascensão acompanha um movimento global de fortalecimento de forças conservadoras, nota Rosemary Segurado.
No entanto, o radicalismo do seu discurso tenderia a afastar o eleitor mais moderado, afirmam os cientistas políticos. Após apresentar contínuo crescimento do deputado, a última pesquisa Datafolha mostrou Bolsonaro estacionado entre 16% e 20%, a depender de que outros nomes estarão na disputa. Nos cenários sem Lula, a maioria dos votos do petista se distribui entre Marina Silva (Rede) e Ciro Gomes (PDT).
Outra pesquisa do Datafolha, divulgada em julho passado, indicou que 10% do eleitorado brasileiro está alinhado com pensamentos de direita e outros 30% são de centro-direita.
"Me parece que ele já está chegando no seu teto, no limite desse perfil de eleitorado mais conservador. E ele tem se fortalecido num ambiente de muita polarização, colocando-se como o anti-Lula. Mas, se Lula sair da disputa, esse discurso perde fôlego", acredita a professora.
7. Pulverização
Jairo Pimentel considera que a chance de Bolsonaro chegar ao segundo turno aumenta se a eleição ficar muito pulverizada, com vários candidatos competitivos. Isso dividiria os votos, permitindo que o deputado passasse para a etapa seguinte mesmo sem conseguir ultrapassar muito o suposto patamar que define o voto mais conservador no Brasil, em cerca de 20%, segundo as pesquisas.
Nesse caso, afirma, seu potencial de vitória dependerá, em parte, dos níveis de rejeição à sua candidatura e à de seu adversário no segundo turno. Os níveis de rejeição de Bolsonaro ficam hoje em torno de 50%.
O Datafolha mediu três cenários com Bolsonaro no segundo turno - a pesquisa indica que se a eleição fosse hoje ele perderia para Lula (49% a 32%) e Marina Silva (42% a 32%) e ficaria atrás, mas tecnicamente empatado dentro da margem de erro, com Geraldo Alckmin, provável candidato do PSDB (35% a 33%).
8. Bolsonaro paz e amor?
Um possível fator que poderia beneficiar a candidatura de Bolsonaro seria a adoção de um discurso mais moderado que, claramente, se distancie de pronunciamentos radicais sobre temas como a ditadura.
Da mesma maneira que seu apoio cresce graças as redes, é também como consequência dos "virais" que parte do público desenvolve sua rejeição ao político.
"Só vai mudar, infelizmente, quando nós partirmos para uma guerra civil aqui dentro. E fazendo um trabalho que o regime militar não fez, matando uns 30 mil! Começando com FHC! Não deixa ele de fora não!", diz o trecho de uma entrevista com ele, então deputado pelo antigo Partido Progressista Reformador (PPR). A gravação foi ao ar na TV Bandeirantes do Rio de Janeiro, em 1999, e viralizou na internet este ano.
"No segundo turno, o tempo de televisão é igual para os dois candidatos. Então, qual vai ser o tom adotado? Vai ser Bolsonaro paz e amor para diminuir a rejeição?", questiona Jairo Pimentel.
As consequências de uma moderação, no entanto, não estão claras, uma vez que é justamente sua postura radical em certos temas que atrai parte do eleitorado.
Bolsonaro e o presidente do PSL, o deputado federal Luciano Bivar (PE), não atenderam aos pedidos de entrevista até a publicação desta reportagem.