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'Michelle podia usar, só não podia se desfazer', diz Bolsonaro sobre joias que teriam sido trazidas ilegalmente pro Brasil

Assessor de ex-ministro teria trazido em mochila colar, anel, relógio e brincos avaliados em R$ 16,6 milhões que teriam sido dados de presente pelo governo da Arábia Saudita para a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, que nega ser dona das peças. Bolsonaro não comentará o assunto, segundo seu advogado.

4 mar 2023 - 10h21
(atualizado em 5/3/2023 às 13h33)
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Governo saudita teriam presenteado Michelle Bolsonaro com joias milionárias
Governo saudita teriam presenteado Michelle Bolsonaro com joias milionárias
Foto: Reuters / BBC News Brasil

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) negou que integrantes de seu governo tenham tentado entrar com um conjunto de jóias em ouro e diamantes ilegalmente no Brasil.

No ano passado, um funcionário da Receita Federal confiscou um colar, um anel, um relógio e um par de brincos de diamantes avaliados em 3 milhões de euros (R$ 16,6 milhões) que seriam destinados à ex-primeira-dama, Michelle Bolsonaro.

O caso foi revelado nesta sexta (3/3), pelo jornal O Estado de São Paulo. As joias teriam sido um presente de representantes do governo da Arábia Saudita.

Segundo Bolsonaro, Michelle até poderia usar as joias, mas elas seriam incorporadas ao acervo da Presidência da República.

"(As joias) iriam para o acervo e seriam entregues à primeira-dama. E o que diz a legislação? Ela poderia usar, não poderia desfazer-se daquilo", disse Bolsonaro a jornalistas após participar do CPAC (Conferência conservadora da direita americana), que está sendo realizada em um hotel na região metropolitana de Washington D.C.

A Secretaria de Comunicação Social (Secom) do governo federal confirmou a existência das joias e publicou imagens delas nas redes sociais.

A ex-primeira-dama negou ser dona das joias. "Quer dizer que eu tenho tudo isso e não estava sabendo? Meu Deus! Vocês vão longe mesmo hein? Estou rindo da falta e cabimento dessa imprensa vexatória", publicou Michelle no Instagram.

Albuquerque viajou, sem a companhia do presidente, para eventos oficiais na Arábia Saudita em outubro de 2021 e representou o governo durante quatro dias de reuniões bilaterais, conferências e reuniões, como consta na sua agenda pública.

Segundo a reportagem do Estadão, as joias foram encontrados por agentes da Receita Federal em outubro de 2021 na mochila do militar Marcos André dos Santos Soeiro, então assessor do ex-ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, em seu retorno ao país após a visita à Arábia Saudita.

Um dia antes das joias chegarem ao Brasil, Bolsonaro se encontrou com o embaixador saudita Ali Abdullah Bahittam em Brasília, segundo o jornal O Globo.

Os dois participaram de um almoço na embaixada junto com o filho do ex-presidente, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), e o ex-ministro das Relações Exteriores, Carlos França na residência do embaixador, além de outros diplomatas de países do Oriente Médio.

O encontro não constou na agenda pública de Bolsonaro ou de França na época, segundo o jornal O Globo, e o Planalto também não teria divulgado o que foi tratado no almoço.

Albuquerque negou qualquer irregularidade e disse que as jóias seriam "devidamente incorporadas ao acervo oficial brasileiro".

No entanto, as peças foram retidas pela Receita Federal, que negou que o governo federal tenha pedido na época para incorporá-las ao acervo, e seriam vendidas em um leilão.

Falando a jornalistas brasileiros em Washington, Bolsonaro negou irregularidades. "Eu agora estou sendo crucificado no Brasil por um presente que não recebi", defendeu-se.

"Eu estava no Brasil quando esse presente foi oferecido lá nos Emirados Árabes (sic) para o ministro das Minas e Energia. O assessor dele trouxe em um avião de carreira e ficou na alfândega, eu não fiquei sabendo", disse Bolsonaro.

"Dois, três dias depois a presidência notificou a Alfândega que era para ir para um acervo. Até aí tudo bem, nada demais, poderia, no meu entender, a alfândega ter entregue. Iria para o acervo, seria entregue à primeira dama", afirmou o ex-presidente.

Segundo Bolsonaro, ele desconhecia o valor das joias e ficou surpreso ao saber das estimativas.

"A imprensa fala uma coisa absurda. Eu teria que pagar 50% ou teria que pagar 8 milhões. Da onde eu teria que arranjar R$ 8 milhões, meu deus do céu? Eu sou uma pessoa que não tenho bens para bancar tudo isso aí. Ponto final", afirmou, referindo-se ao valor que teria que assinar para liberar os itens retidos na alfândega.

Ex-ministro confirma ter trazido joias

Durante a viagem à Arábia Saudita, Bento Albuquerque se encontrou com com Mohammed bin Salman, príncipe herdeiro e primeiro-ministro do país, segundo informou o Globo.

Na volta ao Brasil, seu assessor teria trazido as joias em uma mochila, além de um certificado de autenticidade da marca Chopard.

Em uma checagem de rotina no aeroporto internacional de Guarulhos, em São Paulo, agentes da Receita teriam constatado que os itens não haviam sido declarados e os teriam apreendido.

A lei obriga que sejam informados às autoridades bens vindos do exterior com valor superior de US$ 1 mil (R$ 5,2 mil).

De acordo com o Estadão, ao saber da apreensão, Bento Albuquerque teria retornado à área da alfândega e tentado retirar os itens, informando que seria um presente dos sauditas para Michelle.

A cena teria sido registrada por câmeras de segurança do aeroporto, segundo o jornal.

Na sexta-feira, o ex-ministro confirmou ao Estadão que trouxe as joias, mas alegou não saber que se tratavam de peças valiosas, porque o pacote estaria fechado.

"Nenhum de nós sabia o que eram aquelas caixas", disse ao jornal.

Ao jornal Folha de S. Paulo, o ex-ministro enfatizou que sua equipe não teria tentado trazer ilegalmente do exterior presentes destinados a Bolsonaro e Michelle.

Bento Albuquerque afirmou ao Globo que, por causa do alto valor das peças, elas "foram devidamente incorporadas ao acervo oficial brasileiro" e acrescentou que isso teria sido informado ao príncipe saudita em uma carta.

Em nota, Albuquerque afirmou que "encaminhou solicitação para que o acervo recebido tivesse o seu adequado destino legal".

Declarou ainda que a Receita foi informada sobre o "desembarque da comitiva no Aeroporto Internacional de Guarulhos (SP), ocasião que o Ministério esclareceu a procedência dos itens, sem nenhuma tentativa de induzir, influenciar ou interferir nas ações adotadas por representantes do fisco".

Em entrevista à GloboNews, o ex-ministro disse que o presente era para o Estado brasileiro e que Bolsonaro e Michelle não sabiam das joias.

Ainda segundo o Estadão, Bolsonaro teria recorrido a ministérios para tentar reaver as peças, sem sucesso, e enviado um ofício às vésperas do fim do mandato para que as joias fossem devolvidas, o que teria sido novamente negado pela Receita.

Fabio Wajngarten, que chefiou a Secom no governo Bolsonaro, divulgou no Twitter documentos nos quais o governo teria solicitado a devolução dos itens para sua avaliação e possível incorporação "ao acervo privado do Presidente da República ou ao acervo público da Presidência da República".

Wajngarten publicou também um documento em inglês, no qual Bento Albuquerque comunicaria ao governo saudita que os itens seriam "incorporados ao acervo oficial brasileiro".

Albuquerque esteve em visita oficial à Arábia Saudita em outubro de 2022
Albuquerque esteve em visita oficial à Arábia Saudita em outubro de 2022
Foto: ABR / BBC News Brasil

Receita nega que houve pedido de incorporação a acervo

O governo brasileiro poderia ter recebido as joias como um presente oficial, mas, neste caso, elas ficariam para o Estado, e não com a família Bolsonaro.

Para reaver as joias, segundo a reportagem, Bolsonaro teria que pagar o imposto de importação, que equivale a 50% do valor estimado do item, além de uma multa de 25% por tentar trazer os objetos para o país de forma ilegal.

No caso das joias que teriam sido presenteadas a Michelle, o valor chegaria a aproximadamente R$ 12,3 milhões, de acordo com cálculo do Globo.

A Receita negou, no entanto, que o governo Bolsonaro tenha tentado regularizar a situação das joias após receber orientações sobre como poderia fazer isso ou tenha pedido para incorporá-las ao patrimônio público.

"A incorporação ao patrimônio da União exige pedido de autoridade competente, com justificativa da necessidade e adequação da medida, como por exemplo a destinação de joias de valor cultural e histórico relevante a ser destinadas a museu. Isso não aconteceu neste caso", disse o órgão em nota divulgada no sábado (4/3).

"Na hipótese de agente público que deixe de declarar o bem como pertencente ao Estado Brasileiro, é possível a regularização da situação, mediante comprovação da propriedade pública, e regularização da situação aduaneira. Isso não aconteceu no caso em análise, mesmo após orientações e esclarecimentos prestados pela Receita Federal a órgãos do governo", disse na nota.

A Receita afirmou também que o prazo para recursos nesse caso terminou em julho de 2022.

"Todo cidadão brasileiro sujeita-se às mesmas leis e normas aduaneiras, independentemente de ocupar cargo ou função pública", disse o órgão.

Segundo pacote de joias

De acordo com reportagem da Folha de S. Paulo, um recibo oficial aponta que um segundo pacote com joias dadas de presente pelo governo saudita teria sido entregue para compor o acervo pessoal de Bolsonaro.

Entre as peças, estariam um relógio, uma caneta, abotoaduras, um anel e um tipo de rosário, todos da Chopard, mesma marca das joias que teriam sido presenteadas a Michelle.

Os itens estariam na bagagem de um integrante da comitiva brasileira e não teriam sido interceptados pela Receita no aeroporto.

Não há uma estimativa pública do valor destes objetos, segundo o jornal.

O assessor do ministério de Minas e Energia Antônio Carlos Ramos de Barros Mello teria entregue as peças, que estariam sob os cuidados da pasta, ao Palácio do Planalto em 29 de novembro.

"Encaminho ao Gabinete Adjunto de Documentação Histórica — GADH caixa contendo os seguintes itens destinados ao Presidente da República Jair Messias Bolsonaro", diz um trecho do recibo.

Mello afirmou à Folha que o ministério informou a Receita e a Presidência e pediu orientações sobre como proceder com o material quando a pasta os recebeu.

Ele disse que houve uma série de tratativas sobre o destino das peças e que por isso a entrega ocorreu mais de um ano depois do recebimento.

"Demorou-se muito neste processo para dizer quem vai receber quem não vai receber, onde vai ficar onde não vai ficar. Só não podia ficar no ministério nem ninguém utilizar", afirmou Mello ao jornal.

Sobre os itens que foram retidos pela Receita, ele declarou: "O que foi apreendido foi apreendido, mesmo dizendo que se tratava de presentes institucionais. Uma parte a Receita resolveu apreender. Não vou discutir. É um problema que não cabe à gente. E o restante que veio [para o ministério] foi entregue e recebido pela Presidência".

- Texto originalmente publicado em https://www.bbc.com/portuguese/articles/crge95ylzylo

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