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Olavo de Carvalho: morte de escritor é 'grande revés' para o bolsonarismo, diz pesquisador alemão

'Olavo não estava exagerando ao dizer que o que possibilitou o fortalecimento da nova direita e a eleição de Bolsonaro foi a guerra cultural de formiguinha que ele vinha fazendo desde meados dos anos 1990', afirma o pesquisador alemão Georg Wink, brasilianista que dirige o Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Copenhague (Dinamarca).

25 jan 2022 - 15h00
(atualizado às 17h39)
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Olavo de Carvalho
Olavo de Carvalho
Foto: João Fellet / BBC News Brasil

Morto aos 74 anos, o escritor Olavo de Carvalho era considerado o guru do bolsonarismo, movimento formado por milhões de eleitores que dão sustentação popular ao governo de Jair Bolsonaro.

Para especialistas, Olavo conseguiu tanto fomentar o surgimento da nova direita brasileira nas últimas duas décadas quanto fornecer suas bases ideológicas

Qual será então o impacto da morte de Olavo para o movimento bolsonarista? "É um grande revés para o bolsonarismo porque ele dependia totalmente de Olavo, que não estava exagerando ao dizer que o que possibilitou o fortalecimento da nova direita e a eleição de Bolsonaro foi a guerra cultural de formiguinha que ele vinha fazendo desde meados dos anos 1990", afirma o pesquisador alemão Georg Wink, brasilianista que dirige o Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Copenhague (Dinamarca) e foi professor e pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Para ele, a morte de Olavo muda completamente o cenário porque essa linhagem de pensamento no Brasil, de teor cristão e reacionário, sempre dependeu de um porta-voz, como Plínio Salgado e o integralismo (movimento popular brasileiro com ligações com o fascismo) que praticamente se desfez com sua morte. Outro nome associado por Wink a essa corrente é Plínio de Oliveira Correia, fundador da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP).

"A morte de Olavo enfraquece bastante a representação e a mobilização do movimento olavista. Mas por outro lado as ideias continuam e basta aparecer um novo líder ideológico que elas voltam. Só uma liderança torna as ideias agudas para introduzi-las no debate político."

Mas que ideias seriam essas que estão na base do bolsonarismo? Segundo ele, "se trata de status quo colonial que uma minoria considera importante ser preservado. Ou melhor dizendo, se trata da manutenção de privilégios que existem, com supercidadãos integrados e subcidadãos excluídos."

Wink é autor do livro Brazil, Land of the Past: The Ideological Roots of the New Right ("Brasil, País do Passado: As Raízes Ideológicas da Nova Direita", em tradução livre). A obra em inglês está disponível do site da editora mexicana Bibliotopía de forma gratuita na versão digital ou paga na versão impressa.

Em sua obra e na entrevista concedida por telefone à BBC News Brasil, Wink detalha o pensamento e a linha de ação que deu sustentação ideológica ao projeto político liderado por Bolsonaro, a exemplo do desmantelamento do Estado e da defesa da liberdade individual.

"A liberdade que Olavo de Carvalho prega é dentro da ordem dada, dentro do status quo. Então, é uma liberdade do mais forte dentro de uma hierarquia. Ou seja, é a liberdade do homem mandar na mulher, do homem branco mais poderoso determinar o destino daqueles que têm sido mais fracos. Quem é forte tem naturalmente a liberdade de agir. Quem não é forte, para ter seus direitos, precisa de alguém para cuidar dos direitos, essa é a ideia do Leviatã (tema da obra de Thomas Hobbes). Quem é mais fraco tem uma instância superior, que é o Estado, para ajudá-lo a fazer valer seus direitos mesmo não tendo dinheiro, poder ou influência."

Por isso, afirma Wink, tanto Bolsonaro quanto Olavo consideram o Estado como sendo o principal inimigo porque "o Estado limita a liberdade de quem já tem liberdade". Mas, de forma relativamente contraditória, os bolsonaristas buscam atingir esse fim por meio da própria estrutura governamental.

"O governo Bolsonaro se vale pragmaticamente do Estado para realizar seu projeto político, mas isso é instrumental e no fundo a meta de longo prazo é um sistema político com um papel muito reduzido do Estado."

O brasilianista afirma que "isso talvez nem seja claro para o Bolsonaro porque provavelmente ele nem reflita sobre essas questões, mas a forma mais evidente da presença do pensamento olavista no atual governo é a questão recorrente de livrar o Brasil do Estado, o Brasil degenerado, descaracterizado, alienado pelo Estado paternalista, corrupto, que supostamente tenta fazer lavagem cerebral dos cidadãos e promover educação sexual de crianças e adolescentes".

Olavo vivia nos EUA há mais de uma década e influenciou a nova direita com livros e cursos online
Olavo vivia nos EUA há mais de uma década e influenciou a nova direita com livros e cursos online
Foto: João Fellet / BBC News Brasil

Há ecos dessa corrente de pensamento com a parcela mais conservadora dos liberais brasileiros que apoiam e integram o governo Bolsonaro. Mas, apesar de o projeto de desmantelamento do Estado ser conveniente para esses liberais conservadores, a origem aqui seria outra.

"A primeira motivação dos olavistas é uma questão essencial de verdade e mentira, e para os neoliberais é uma questão prática porque desmantelar a estrutura do Estado se cria, nessa visão, oportunidades econômicas. Mas ambos estão puxando a mesma corda."

Verdade e mentira em que sentido? Católico e conservador, Olavo costuma associado por alguns especialistas ao tradicionalismo, doutrina seguida por ideólogos da extrema-direita que acreditam que a humanidade vive em um tempo cíclico, sendo a era de ouro aquela regida por valores tradicionais e religiosos e o período de escuridão, por progresso material e em governos democráticos ou comunistas.

Mas Wink aponta a ligação de Olavo com a vertente original desse pensamento, conhecida como integrismo, que, grosso modo, é um catolicismo reacionário que rejeita a modernização como um todo desde a Idade Média.

Dessa forma, o olavismo não traz ideias novas, mas resgata, organiza e transmite por meio do ciberativismo esse pensamento antimodernista de longa tradição no Brasil, mas que nasce na França e no Vaticano na segunda metade do século 19 em reação ao afastamento da Igreja por parte dos Estados nacionais.

"O antimodernismo quer dizer que ele rejeita qualquer alteração da ordem divina, da ordem cristã. Para ele, o problema da modernidade surge no século 13 com as primeiras dúvidas sobre a doutrina católica. Mas podemos dizer que ele resiste a qualquer ideia que diga que a obra de Deus não seja perfeita e que o ser humano teria a capacidade de melhorar o mundo. Qualquer alteração da ordem natural dada por Deus por si só já é uma heresia."

Olavo costumava rejeitar rótulos como conservador ou bolsonarista, segundo especialistas por rejeitar qualquer amarra ou comprometimento com correntes ideológicas e por considerar sua posição anterior a essa divisão política, explica Wink. Mas Olavo se descrevia como anticomunista.

"Não sou nem conservador, nem liberal, nem fascista, nem coisa nenhuma. Sou apenas ANTICOMUNISTA. Anticomunista radical e intolerante. Um país normal tem de ter esquerda e direita, mas esquerda comunista é PESTE", escreveu Olavo de Carvalho no Twitter em 2020.

Wink ressalta, no entanto, que o termo "comunismo" aqui não se trata simplesmente o projeto político que teve a União Soviética como sua principal experiência concreta ou do pensamento do filósofo alemão Karl Marx. Mas sim do sentido de ser antimodernista, de ser contrário a tudo que tem sido feito para a iluminação do mundo, a exemplo do Iluminismo, da ideia de República, da democracia representativa, do contrato social.

"O que não cabe no olavismo é o ser humano se emancipar e tomar o direito de melhorar o mundo, já que o mundo, na visão olavista, não pode ser melhorado porque ele já foi dado de forma perfeita por Deus."

Quem ocupará o espaço de Olavo de Carvalho?

Para Wink, o projeto olavista foi bem-sucedido como elemento fundamental do surgimento de uma nova direita brasileira que desembocou na vitória eleitoral de Bolsonaro.

Há inclusive um termo que une olavismo e bolsonarismo, o bolsolavismo, que, segundo o pesquisador, é uma fusão do pensamento olavista com a ação bolsonarista. "Bolsonaro não tem uma ideologia propriamente, é pura ação política, mobilização e projeto de poder. Mas esse projeto seria impensável sem os conteúdos de Olavo."

Em sua tese de doutorado que daria origem ao livro Menos Marx, Mais Mises: O Liberalismo e a Nova Direita no Brasil, a cientista política Camila Rocha afirma não ter dúvidas de que a eleição de Jair Bolsonaro em 2018 "não foi raio em céu azul, mas fruto da consolidação paulatina de uma nova direita brasileira que durou mais de uma década e que encontrou suporte em redes de contatos e organizações nacionais e estrangeiras construídas décadas atrás por intelectuais e acadêmicos pró-mercado".

E, segundo a pesquisadora, um dos principais influenciadores e fomentadores do surgimento de espaços de debate na internet ligados à formação de uma nova direita no Brasil no início dos anos 2000 foi o escritor Olavo de Carvalho, que, como explica Rocha, "se declarava a favor do livre-mercado na economia, tradicionalista e conservador no que tange à religião, anarquista em relação à moral e educação, nacionalista e contra o 'governo mundial' no que diz respeito à política internacional e um realista no campo da filosofia".

Foi em fóruns online em torno da figura de Olavo, principalmente, que muitas pessoas que não se encaixavam no pensamento majoritário lulista e petista encontraram um lugar para dialogar, pertencer, socializar, aprender e disseminar ideias.

Wink qualifica parte esses grupos em espaços olavistas como uma seita virtual, e Olavo como um guru, alcunha que se popularizou desde a eleição de Bolsonaro.

"Olavo quis renovar a intelligentsia brasileira, e seu curso online de filosofia foi pensado como uma fábrica de gênios para, a longo prazo, resgatar a intelectualidade nacional. Ele faria isso introduzindo ideias filosóficas e habilitando as pessoas a pensarem criticamente."

Mas o brasilianista considera que a empreitada de Olavo falhou por não ter conseguido até agora produzir um único pensador independente. "Tudo que foi produzido pelos alunos dele até agora foi um simples repeteco do que ele diz. Ele quis criar uma elite intelectual, mas a elite que ele conseguiu formar ao longo de muitos anos não produziu ninguém que refletiu criticamente sobre o pensamento olavista", afirma Wink.

Para o pesquisador, "Olavo deixa órfãos que não são minimamente capacitados para dar continuidade ao pensamento dele. Eles vão conseguir repetir, mas no fundo eu tenho minhas dúvidas se de fato eles entenderam o pensamento de Olavo de Carvalho".

E o que pode ter dado errado nesse projeto, segundo Wink? Falta de tempo e de timing, o pesquisador sugere. "Ele não conseguiu formar um substituto talvez também porque foi tudo rápido demais. Olavo sempre pensava em períodos mais longos e muitas vezes ele reclamou inclusive que a vitória do Bolsonaro chegou cedo demais porque o campo não estava preparado. Ele havia pensado em 30 anos a mais para a direita conquistar o poder no Brasil (de forma consolidada)."

Sem o tempo de preparação adequado, a direita corria o risco de ser derrotada pela esquerda em 2022 e ficar afastada do poder por muito mais tempo.

Em dezembro de 2021, Olavo fez críticas a Bolsonaro em uma live, afirmando que o presidente o havia usado como "garoto-propaganda" para "se promover e se eleger", mas "depois disso não só esqueceu tudo o que dizia como até os meus amigos que estavam no governo ele tirou". Nesta ocasião, disse também que Bolsonaro não manda em nada no país e "a briga já está perdida".

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