Os 6 dias de tensão em que Alckmin perdeu foro privilegiado, mas conseguiu escapar da Lava Jato
Mencionado em delações da Odebrecht, ex-governador de São Paulo vira alvo 'urgente' de força-tarefa de SP após entregar cargo para concorrer à Presidência; mas decisão do STJ tira caso da alçada da Lava Jato.
Entre a última sexta e quarta-feira, Geraldo Alckmin (PSDB-SP) perdeu o foro privilegiado, virou alvo "urgente" de investigadores da Lava Jato em São Paulo, criticou publicamente a velocidade dos procuradores da República do Estado e escapou da mira da operação.
A sequência inclui ainda uma viagem breve a Brasília e a prisão de Paulo Vieira de Souza, conhecido como Paulo Preto, suposto operador do PSDB na arrecadação de dinheiro junto a empreiteiras para campanhas eleitorais, que, segundo a Justiça paulista e o Ministério Público da Suíça, tinha R$ 113 milhões em quatro contas no país europeu.
Em delação premiada homologada pelo Supremo TribunalFederal no ano passado, ex-executivos da Odebrecht afirmaram que Alckmin recebeu R$ 10,7 milhões em caixa dois do chamado "departamento de propina" da empreiteira.
Ainda segundo o despacho citando as delações, assinado pelo ministro Luis Edson Fachin, relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), um irmão da primeira-dama paulista, Lu Alckmin, teria recebido R$ 2 milhões com a aprovação do então governador.
Governador reeleito de São Paulo recém-licenciado para disputar a Presidência em outubro, Alckmin nega enfaticamente as acusações. "Jamais pedi recursos irregulares em minha vida política, nem autorizei que o fizessem em meu nome. Jamais recebi um centavo ilícito", respondeu pelo Twitter, após a homologação no ano passado.
Na última segunda-feira, procuradores do Ministério Público Federal de São Paulo aproveitaram a saída de Alckmin do governo e pediram à Procuradoria-Geral da República (PGR) o envio "com urgência" de todos "os feitos judiciais e extrajudiciais relativos à operação Lava Jato que envolvam o ex-governador".
A iniciativa do MPF paulista é, em parte, creditada à ampliação do efetivo de procuradores dedicados a Lava Jato em São Paulo, que pulou de 3 para 11 membros. Após a prisão de Paulo Preto, eles decidiram assumir as investigações sobre o presidenciável, que perdeu o direito a tratamento especial na Justiça.
A PGR, no entanto, recomendou que o pedido dos procuradores de São Paulo fosse feito à Justiça. Na quarta-feira, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu enviar a investigação contra Alckmin ao Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo.
Na visão do STJ, as principais suspeitas que pesam sobre o ex-governador são de crimes eleitorais.
Nos casos de condenação, a Justiça Eleitoral tende a aplicar penas menores de restrição de liberdade porque os crimes têm penas menores se comparados com a Justiça criminal comum.
Alckmin disse concordar com a decisão do STJ, mas negou qualquer crime. "A delação é de natureza eleitoral e sem nenhuma procedência."
Confira, a seguir, os principais momentos desta semana decisiva para o pré-candidato do PSDB à Presidência da República.
Sexta-feira (6) - Suposto operador do PSDB é preso pela Lava Jato em SP
Assim que o dia amanheceu, a Polícia Federal cumpriu ordem solicitada pela força-tarefa paulista e prendeu Paulo Vieira de Souza, o Paulo Preto.
Diretor da estatal paulista de rodovias Dersa, Preto foi citado por pelo menos sete delatores das empreiteiras Odebrecht e Andrade Gutierrez em denúncias sobre desvios de R$ 7,7 milhões na construção do Rodoanel, durante o governo de José Serra (entre 2007 e 2010).
O Rodoanel continuou em obras nos governos seguintes, comandados por Alckmin, em contratos com as mesmas empreiteiras.
Com menos da metade da extensão da Via Dutra (402 km), o Rodoanel (176 km) está em construção desde 1998 e ainda não foi completado.
Na última segunda, durante o Fórum da Liberdade, em Porto Alegre, o tucano disse que não se preocupa em "absolutamente nada" com a prisão de Preto.
"Ele vai ter que prestar contas direitinho para a Justiça", afirmou.
Sexta-feira (6) - Alckmin deixa o governo e perde foro privilegiado
Em cerimônia na Assembleia Legislativa de São Paulo, Alckmin passou o comando do governo para Márcio França (PSB), seu vice-governador e secretário de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação.
Ao abrir mão do cargo para concorrer ao Planalto, Alckmin perdeu o foro especial por prerrogativa de função, que garante a determinadas autoridades o direito de não serem investigados nem julgados na primeira instância, como cidadãos comuns.
Segundo a lei, casos envolvendo governadores devem ser investigados pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ), cuja corte especial é composta pelos 15 ministros mais antigos no tribunal.
Alckmin acaba de perder novamente esta prerrogativa. Há 12 anos, ele deixou pela primeira vez o governo do Estado para tentar a Presidência, mas foi derrotado pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Terça-feira (10) - Lava Jato de SP diz à PGR que quer investigar Alckmin 'o mais rápido possível'
Em ofício enviado ao vice-procurador-geral da República, Luciano Mariz Maia, a força-tarefa da Lava Jato em São Paulo solicitou à PGR que todas as informações relacionadas a Alckmin no STJ fossem enviadas ao Ministério Público paulista.
Os procuradores da República em SP argumentaram que, após a saída de Alckmin do cargo, a Lava Jato deveria investigá-lo em primeira instância, como um cidadão comum.
"Os signatários foram designados para atuar em conjunto nos feitos conexos, correlatos e/ou decorrentes da operação Lava Jato em São Paulo, sendo necessário, assim, que as investigações sob atribuição de Vossa Excelência sejam encaminhadas a esta força-tarefa com urgência, tendo em vista o andamento avançado de outras apurações correlatas sob nossa responsabilidade", aponta o ofício.
"Pelo exposto, solicitamos a Vossa Excelência digne-se de encaminhar a esta força-tarefa, com a maior brevidade possível, todos os feitos judiciais e extrajudiciais relativos à operação Lava Jato que envolvam o ex-governador do Estado de São Paulo Geraldo Alckmin, providenciando-se, se necessário, os competentes requerimentos de declínio de foro perante o Superior Tribunal de Justiça."
O interesse principal dos investigadores está nas delações que apontam que as campanhas de Alckmin ao governo do Estado em 2010 e 2014 teriam recebido R$ 10,7 milhões da Odebrecht, e um possível vínculo com Paulo Preto, preso a pedido da mesma força-tarefa.
Religioso, Alckmin seria apontado pelo apelido "Santo" nas planilhas da empreiteira, segundo os investigadores.
Quarta-feira (11) - Alckmin reage a pedido e publica nota contra "açodamento" dos procuradores
Novamente pelo Twitter, o ex-governador de São Paulo publicou nota assinada por seu primo e advogado José Eduardo Rangel de Alckmin.
"A defesa de Geraldo Alckmin se surpreendeu com a notícia do açodamento de setores do Ministério Público Federal, já que o processo está tramitando normalmente e será remetido, em termo oportuno, para instância competente. Espera-se que a apuração dos fatos continue a ser feita de forma isenta e equilibrada, sem contaminação política", diz a nota divulgada por Alckmin.
A defesa de Alckmin diz ainda que "repele a ideia que o inquérito, enquanto tramitou no STJ e na PGR, tenha servido de 'blindagem' para o ex-governador".
Durante o dia, o tucano pegou um jatinho para Brasília, onde se reuniu com caciques do partido em almoço organizado pelo senador Tasso Jereissati (PSDB-CE).
Na ocasião, Alckmin disse a jornalistas que sua inocência seria provada "rapidamente".
Quarta-feira (11) - STJ decide tirar investigação de Alckmin da alçada da Lava Jato
Após recomendação do vice de Raquel Dodge na PGR, Luciano Mariz Maia, o STJ decidiu contrariar os promotores federais de São Paulo e encaminhar o inquérito contra Alckmin para a Justiça Eleitoral paulista.
Segundo Mariz Maia, a investigação aponta para suspeitas de crimes eleitorais, que não estariam na alçada dos procuradores do Ministério Público Federal em São Paulo.
Com a decisão, a Lava Jato deixa de investigar as denúncias contra Alckmin, seu ex-secretário de Planejamento, Marcos Monteiro, e o irmão da primeira-dama, Adhemar Cesar Ribeiro, que teria recebido R$ 2 milhões do executivo da Odebrecht Carlos Armando Paschoal, em uma negociação que teria envolvido o ex-governador.
Em investigação que veio a público em abril do ano passado (e só começou a ser investigada em novembro), Paschoal disse à PGR que Alckmin teria lhe dado um cartão com contatos do cunhado para o acerto dos pagamentos de caixa dois.
"O doutor Alckmin pediu para a secretária um cartão que tinha um nome, os contatos, me entregou aquilo lá", afirmou Paschoal à Lava Jato, segundo os autos. "Ele disse só 'esse aqui é meu cunhado'."
O governador nega veementemente as acusações. Ao tomar conhecimento da decisão do STJ, de passagem pelo Senado, em Brasília, pareceu mais satisfeito.
"A delação é de natureza eleitoral e sem nenhuma procedência", disse.