Os cinco pilares do bolsonarismo
Militarização, suposta vontade do povo, messianismo, hostilidade à ciência e anticomunismo sustentam pensamento da extrema direita no Brasil. Não levar a sério movimento bolsonarista pode ser erro fatal, opina colunista.É fácil considerar ridículos Bolsonaro e seus seguidores. Eles mesmos vivem dando oportunidade para isso, quando, por exemplo, o presidente celebra um pacote de hidroxocloroquina com seus fãs em frente ao Palácio da Alvorada.
O noticiário sobre Bolsonaro é fortemente influenciado por tais anedotas, negligenciando a metodologia por trás da loucura. Surge a impressão de um louco e seus seguidores aloprados, que não se deve levar a sério. Isso seria um erro fatal.
O bolsonarismo, como a nova extrema direita na Europa e nos Estados Unidos, não caiu do céu, mas tem uma história por trás, tem uma lógica interna e busca seus objetivos. Cinco pilares do pensamento bolsonariano podem ser identificados. Alguns são especificamente brasileiros, outros pertencem ao cerne da mentalidade da nova direita internacional.
1. Militarização
Há mais generais no gabinete de Bolsonaro do que na Venezuela, governada por um regime ditatorial. Atualmente, quase 3 mil militares estão espalhados por ministérios e outros órgãos federais. Os soldados no Brasil estão assumindo cada vez mais tarefas civis, como a construção de estradas ou a proteção da Floresta Amazônica.
O governo também planeja construir cerca de 200 novas escolas militares até 2023. O conteúdo do ensino inclui a alegação de que o golpe de 1964 foi "necessário para impedir o avanço do comunismo".
O professor de Harvard Yascha Mounk, especialista em movimentos populistas, considera "preocupante" a crescente influência dos militares no Brasil.
O fascínio bolsonariano por armas anda de mãos dadas com esse novo militarismo. "Quero um povo armado", disse Bolsonaro, facilitando a aquisição de armas. O resultado: este ano, o número de vendas de armas aumentou 200% em relação a 2019. São as classes média e alta brancas que se armam. Na Venezuela, a militarização da sociedade levou à criação de esquadrões da morte que aterrorizam os oponentes de Nicolás Maduro.
2. Bolsonaro como executor da vontade do povo
Para os seguidores de Bolsonaro, o que ele quer é automaticamente o que os brasileiros querem e vice-versa. Isso tem pouco a ver com democracia, mas já faz beira com o fascismo.
Como Bolsonaro não tem maioria no Congresso, ele está em constante atrito com ele. Por isso, governa quase exclusivamente por decretos.
A frustração daí derivada leva a ataques constantes ao Congresso e ao STF. Os seguidores de Bolsonaro exigem que seu ídolo finalmente governe em paz. Nem Bolsonaro ("Jair Bolsonaro, ganhou, porra! Vamos entender isso!"), nem seus fãs ("58 milhões votaram no Bolsonaro. Quantos votaram no STF?", diz um tuíte) parecem entender o que significa a separação de poderes.
Nisso, Bolsonaro é como seus colegas Erdogan, Putin, Orbán e Trump, que ou desativaram o parlamento e a Justiça ou estão em constante conflito com eles. O professor de Harvard, Steven Levitsky, coautor do best-seller Como morrem as democracias, alerta que a democracia brasileira está em risco porque os constantes ataques às instituições democráticas a enfraquecem enormemente.
3. Messianismo
O bolsonarismo tem um componente pseudo-religioso, expresso no culto de Bolsonaro como o Messias do Brasil. Para seus fãs, de "mito" ele se tornou o "salvador da pátria". Ele mesmo se vê como aquele que "salvou o Brasil do comunismo". Foi por isso que Deus salvou sua vida após o atentado a faca.
Se a ideia for levada mais adiante, significaria que Bolsonaro seria infalível. De fato, até a menor crítica a ele é respondida com uma agressividade que lembra o fundamentalismo religioso. A pessoa recebe então telefonemas, como o autor deste texto, em que o interlocutor é xingado aos gritos. Como alguém se atreve a insultar "nosso presidente". "Bolsonaro salvará o Brasil, seu lixo!"
4. Hostilidade à ciência
A pseudo-religiosidade do bolsonarismo é acompanhada por uma hostilidade à ciência e à razão, que se tornou particularmente clara durante a pandemia de coronavírus. Bolsonaro elogiou a hidroxocloroquina como uma cura milagrosa tal um charlatão medieval. O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, afirmou que a pandemia é uma conspiração globalista.
Essa hostilidade à razão já era evidente em 2019, quando dezenas de milhares de incêndios queimaram na Bacia Amazônica, e Bolsonaro chamou os dados do Inpe de "mentiras".
Como todos os novos movimentos de direita, o bolsonarismo também nega as mudanças climáticas - embora estas estejam progredindo a uma velocidade impressionante. Universidades, cientistas, intelectuais e meios de comunicação não devem mais moldar o discurso social. Essa tarefa cabe agora ao suposto senso comum dos bolsonaristas. É então que um inverno frio vira prova de que não há mudanças climáticas.
Linhas complexas de pensamento e diferenciações são algo suspeito para o bolsonarista. Em troca, o movimento oferece a seus discípulos o conforto de uma falsa certeza.
5. Anticomunismo
No dia em que assumiu o cargo, Bolsonaro gritou que o povo havia começado a "se libertar do socialismo". Muitos se perguntaram sobre que socialismo ele estava falando. O Brasil também era um país capitalista sob o PT, onde bancos, grandes corporações e o agronegócio obtiveram enormes lucros.
Para o especialista em literatura João Cezar de Castro Rocha, um livro intitulado Orvil é parcialmente responsável por essa paranoia - "livro" escrito de trás para frente. Escrito pelos militares logo após a redemocratização, a obra descreve como a esquerda do Brasil supostamente se infiltrou nas instituições desde a década de 1970. É a partir disso que o bolsonarismo deriva sua "guerra cultural" contra tudo e contra todos que considera suspeitos. Portanto, o governo destrói de dentro para fora os ministérios e secretarias da Educação, Cultura, Meio Ambiente, Família e seus órgãos vinculados.
Para o bolsonarismo, não importa nem um pouco o quão plausíveis suas alegações são. Jair Bolsonaro prometeu no Piauí, em agosto de 2019, que vai "varrer essa turma vermelha". Nesta semana, foi revelado que ele quer fundar um Centro de Inteligência Nacional na Abin, para combater "ameaças à segurança do Estado".
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Philipp Lichterbeck queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio, em 2012. Desde então, ele colabora com reportagens sobre o Brasil e demais países da América Latina para jornais na Alemanha, Suíça e Austria. Ele viaja frequentemente entre Alemanha, Brasil e outros países do continente americano. Siga-o no Twitter em @Lichterbeck_Rio.
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