Os ecos da Revolução Russa no Brasil
Como o levante que, há um século, destronou um dos impérios mais antigos da Europa entusiasmou movimentos operários e anarquistas e causou agitação na política brasileira.A Revolução Russa, que resultou no colapso da autocracia russa e deu origem ao primeiro Estado socialista do mundo, completa 100 anos em 2017. Nos meses e anos que sucederam aos levantes, o movimento local ultrapassou os limites territoriais, e seus ideais se difundiram por todo o mundo, inclusive no Brasil.
Se por um lado, a revolução virou referência para movimentos de esquerda e de operários, por outro, impulsionou o surgimento de um sentimento anticomunista mundo afora. O levante, que pôs fim a um dos impérios mais antigos da Europa (os Romanov governavam havia mais de três séculos), é um dos principais fatos históricos do século 20.
"A Revolução Russa criou um sistema social, político e econômico alternativo, que ideologicamente se define em oposição aos valores ocidentais dominantes no século 20. Com a União Soviética na liderança, diversos países no mundo tentaram seguir esse exemplo e, em muitos casos, houve consequências graves", afirma a historiadora Rósa Magnusdottir, da Universidade de Aarhus.
Magnusdottir lembra que, para muitos historiadores, se a Revolução Russa não tivesse ocorrido, não haveria o crescimento do fascismo e nazismo na Europa, nem a Segunda Guerra Mundial ou a Guerra Fria. Segundo o famoso historiador Eric Hobsbawm, o levante na Rússia teve para o século 20, ao definir a luta política deste período, o mesmo peso que a Revolução Francesa teve para o século 19.
Fevereiro e outubro
Sob o governo autoritário do czar Nicolau 2º, grande parte da população russa, em áreas rurais e urbanas, sofria com a pobreza extrema, a fome e a desigualdade social, intensificadas pela devastação decorrente da Primeira Guerra Mundial. O descontentamento impulsionou diversas greves, que culminaram no levante popular conhecido como Revolução de Fevereiro.
Esta primeira etapa da Revolução Russa obrigou o czar a renunciar, sob pressão. Com sua queda, foi instaurado um governo provisório, que comandaria o país ao lado dos sovietes - conselhos formados por trabalhadores e soldados, entre os quais o principal era o de Petrogrado (atual São Petersburgo). A aliança e divisão do poder, porém, duraram pouco.
Mesmo com o fim do antigo regime, o país continuou sendo palco de protestos. Diante da dificuldade de solucionar a crise interna e da insistência do governo provisório em permanecer na guerra, uma nova revolução eclodiu meses depois - fomentada pela volta do exílio, em abril, de Vladimir Lênin, que defendia o fortalecimento dos sovietes.
Perante a iminência de ser preso, Lênin fugiu posteriormente para a Finlândia, de onde começou a preparar um levante. Em 24 de outubro de 1917, na então capital russa, os bolcheviques, maioria no soviete de Petrogrado, deram início a uma insurreição armada que terminaria com a queda do governo provisório.
Iniciada em 25 de outubro de 1917 (7 de novembro, segundo o calendário gregoriano), a Revolução de Outubro marcou o rompimento do país com o capitalismo e consagrou Lênin como o primeiro líder do novo Estado socialista.
Agitação política
Os levantes na Rússia repercutiram ao redor do mundo. As primeiras informações sobre as duas revoluções chegaram ao Brasil, porém, truncadas. "Havia censura aos despachos das agências internacionais devido à Primeira Guerra. Então isso chega com uma série de informações falsas", conta Claudio Batalha, historiador da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Ele ressalta que a cortina de desinformação foi gerada, entre outros motivos, pelo temor de que uma revolução semelhante pudesse ocorrer no Brasil.
Em 1917, os impactos da Primeira Guerra eram sentidos no mundo inteiro. Apesar de o Brasil não ter sido palco do conflito, a população também sofria com o aumento dos preços de alimentos e aluguéis, longas jornadas de trabalho que superavam 12 horas por dia e salários defasados.
A partir de junho daquele ano, uma série de greves, reivindicando redução dos preços, melhores condições de trabalho e aumento salarial, tomou conta do país. O primeiro movimento ocorreu em São Paulo, seguido por Rio de Janeiro, Porto Alegre e diversas cidades de Pernambuco.
E, justamente em meio a esse cenário de insatisfação popular, começaram a chegar as primeiras notícias sobre a revolução, repercutidas não somente na grande imprensa, mas também na mídia política e sindical.
"O anticomunismo nasceu junto com o comunismo. A vitória de uma revolução no início ligada ao mundo da esquerda e dos trabalhadores assustava pela sua radicalidade e era vista pelos setores conservadores como um fantasma ameaçador em várias partes do mundo", destaca a historiadora Edilene Toledo, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Partido comunista
Apesar de assustar conservadores, a Revolução Russa, devido ao seu sucesso, entusiasmou movimentos operários e anarquistas no Brasil e chegou a ser saudada durante comícios da greve em Porto Alegre. Inicialmente, diante da falta de informações sobre os acontecimentos na Rússia, o levante distante causou a união das correntes de esquerda brasileiras.
O primeiro partido comunista brasileiro foi formado em 1919, integrado por anarquistas e comunistas. A partir do início da década de 1920, essas correntes começaram a se distanciar, e os anarquistas passaram a ver de forma mais crítica os acontecimentos na Rússia, marcados pela repressão e centralização do poder.
Após o distanciamento do anarquismo, em 1922, foi fundado no país um partido comunista nos padrões europeus. Durante grande parte de sua história, a legenda agiu na ilegalidade, devido a proibições impostas por governos federais. Nos períodos de legalidade, o partido, no entanto, nunca conquistou peso político suficiente para chegar ao poder.
Sua maior conquista eleitoral ocorreu nas eleições de 1945 e 1946, quando conseguiu eleger senador, deputados e vereadores. Já a tentativa de insurreição de 1935, a Intentona Comunista - comandada por Luís Carlos Prestes contra o governo Getúlio Vargas - nasceu fadada ao fracasso.
Diferente do que argumentaram conservadores e militares para justificar o golpe em 1964, o Brasil nunca esteve perto de se tornar um país socialista, afirmam historiadores.
"Embora João Goulart tenha feito uma aproximação maior com as forças de esquerda, que estavam pressionando para a realização de reformas, sobretudo a agrária, as reformas propostas eram essencialmente capitalistas", destaca a historiadora Edilene Toledo.
O historiador Claudio Batalha pondera que o medo do comunismo no período não estava mais relacionado à distante Revolução Russa, mas era mais um impacto da Guerra Fria, agravado pela Revolução Cubana, que culminou com a tomada do poder pelos rebeldes liderados por Fidel Castro e a implementação do regime socialista na ilha.