Os fatores políticos e jurídicos que devem definir se Temer será cassado no TSE
Justiça Eleitoral retoma nesta terça julgamento que pode derrubar presidente; saiba por que delação da JBS contra presidente pode pesar em decisão de ministros.
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) retoma nesta terça-feira o julgamento que pode levar à cassação do presidente Michel Temer sob o peso da crise política que se agravou ainda mais após o grupo JBS fechar um acordo de delação premiada na operação Lava Jato.
Desde então, as chances de Temer ser cassado parecem ter aumentado consideravelmente, embora seja impossível prever o desfecho do processo.
O julgamento, que analisa se houve ilegalidade na campanha de 2014 da chapa presidencial formada por Dilma Rousseff e Michel Temer, está previsto para começar às 19h desta terça e deve se estender ao longo da semana.
Confira abaixo quais os principais fatores que podem influenciar a decisão final do TSE.
Limites da acusação e gravidade das eventuais ilegalidades
O processo é resultado da unificação de quatro ações movidas pelo PSDB entre o final de 2014 e o início de 2015 contra a eleição da chapa presidencial Dilma-Temer, por supostas ilegalidades na campanha.
O julgamento deve começar com uma discussão sobre se, ao longo do processo, houve ampliação indevida das acusações. As defesas de Temer e Dilma pedem que sejam excluídos da ação depoimentos de executivos da Odebrecht e dos marqueteiros João Santana e Monica Moura, que foram colhidos apenas em 2017, portanto dois anos depois da apresentação das denúncias iniciais.
Essa questão é importante, porque, se a maioria dos ministros decidir restringir o escopo do processo, aumentam as chances de absolvição da chapa - as acusações mais graves constam justamente dos depoimentos realizados neste ano.
Nas ações apresentadas até início de 2015, o partido acusou a campanha vencedora de ter usado a máquina pública a seu favor, por exemplo com a suposta ocultação de dados econômico-sociais negativos pelo IBGE, e de ter sido financiada com recursos desviados da Petrobras, por meio de doações de empreiteiras envolvidas em esquemas de corrupção.
No entanto, as acusações referentes a doações ilegais feitas na ocasião eram genéricas e, por isso, a ministra que relatava o caso inicialmente, Maria Thereza de Assis Moura, decidiu arquivar a ação. Sua decisão, porém, foi derrubada pelo plenário da corte, e por isso o processo continuou.
O argumento da defesa agora é que acusações levantadas depois pela operação Lava Jato não podem ser incluídas na ação já em curso. Tampouco é possível abrir novo processo pois a legislação eleitoral determina um prazo curto, de apenas 15 dias após a diplomação dos candidatos eleitos, para que se possa apresentar pedidos de cassação. O objetivo é proteger a estabilidade dos mandatos políticos, ressalta Flávio Caetano, advogado de Dilma.
"Aquilo que foi incluído a partir de março de 2017, fase Odebrecht em diante, é algo absolutamente novo no processo. O direito não admite que depois de tanto tempo venha se inovar nos fatos", argumenta ele.
"Para a estabilidade das relações jurídicas, políticas e institucionais, a Constituição não permite isso. Dois anos e meio depois de a pessoa já estar no cargo, você discutir coisas da eleição para perder o cargo é realmente um pouco estranho", diz ainda.
Outros juristas, porém, consideram que as acusações levantadas na delação da Odebrecht e do casal de marqueteiros são "desdobramentos" das acusações iniciais de financiamento ilegal da campanha e, por isso, devem ser consideradas no julgamento.
"Como as ações eleitorais de abuso de poder econômico têm prazo muito restrito para serem propostas, quando elas são apresentadas não necessariamente você tem as provas. Você tem meros indícios, uma fumaça de que alguma coisa aconteceu", ressalta a professora de Direito Eleitoral da FGV-Rio Silvana Batini.
"A extensão de tudo aquilo (que foi levantado pelo PSDB inicialmente) só apareceu ao longo da Lava Jato. Então, não se trata de uma ampliação do objeto (da ação), mas de uma profundidade em relação aquilo que foi proposto na (ação) inicial", acrescenta.
Para Batini, se o TSE aceitar restringir o escopo do processo, "vai estar se desacreditando como instância reguladora das eleições".
"Se você não permitir isso (que os desdobramentos recentes da Lava Jato sejam incluídos no processo), vamos premiar os abusos nos processos eleitorais", reforçou.
Pagamentos no exterior
Entre as acusações mais graves que pesam contra a chapa presidencial está a de que os publicitários teriam recebido pagamentos ilegais da Odebrecht no exterior para cobrir despesas da campanha, com suposto consentimento de Dilma.
Marcelo Odebrecht, dono do grupo, disse também que a empreiteira pagou propina de R$ 50 milhões - essa doação teria sido repassada em contrapartida à aprovação de uma Medida Provisória que beneficiava a empreiteira anos antes e ficado como saldo para a campanha de 2014.
A defesa de Dilma refuta todas as acusações e diz que meros depoimentos em delações não constituem provas. Flavio Caetano também aponta supostas contradições das testemunhas.
Ao longo do processo, foram ouvidas 56 pessoas, inclusive outros delatores da Lava Jato, como executivos das empreiteiras Andrade Gutierrez e Camargo Correa e o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa.
Os ministros terão que avaliar se há provas de ilegalidades e se esses eventuais crimes foram suficientemente graves para comprometer o resultado da eleição - somente nesse caso a chapa deve ser cassada.
Crise política
Embora as acusações levantadas pela delação da JBS contra Temer não tenham qualquer relação com a eleição de 2014, a expectativa é de que terão influência importante no julgamento.
Isso porque juristas e políticos reconhecem que os ministros do TSE provavelmente levarão em conta, ao decidir, se a permanência do presidente seria positiva ou negativa para a estabilidade do país.
Antes de 17 de maio, quando a conversa comprometedora entre Temer e o empresário Joesley Batista foi revelada, predominava em Brasília a percepção de que a Justiça Eleitoral absolveria o peemedebista justamente por acreditar que seu governo contribuiria para a retomada do crescimento.
Agora, porém, como Temer está muito enfraquecido, há grande dúvida sobre se teria capacidade de aprovar controversas medidas de recuperação econômica no Congresso.
"(O TSE) não é um tribunal só de julgamento jurídico. Afinal de contas, um caso como esse está decidindo o destino do país. Então, não é muito fácil ficar apegado estritamente ao texto legal", afirmou à BBC Brasil o ex-presidente do TSE e do STF Sydney Sanches.
"Qualquer que seja a decisão, vai ter grande repercussão no país e na vida de cada um (dos brasileiros). Vai mudar de presidente ou não vai mudar? Vai mudar agora ou mais tarde? Isso tem a ver com crescimento, tem a ver até com inflação. Afeta tudo", disse também.
Para o cientista político Rafael Cortez, da consultoria Tendências, a delação da JBS tornou mais provável a cassação de Temer. Ele nota que, embora o presidente tenha conseguido evitar o esfacelamento da sua base aliada, ele não parece ter forças agora para avançar com suas propostas de reformas no Congresso.
Na avaliação de Cortez, as chances de Temer ser absolvido podem aumentar caso haja um pedido de vista (para analisar melhor o processo) de algum dos ministros do TSE, o que suspenderia o julgamento por alguns dias ou semanas, dando um pouco mais de fôlego para o governo tentar superar a crise.
"O que no fundo sustentava Temer até então e tornava o risco de cassação baixo era o ambiente de normalidade política e, por consequência, o sinal de recuperação econômica", observa.
"A despeito de todo o processo turbulento, havia um mínimo de normalidade no ambiente político, nas relações do governo com o Congresso e isso deixava o TSE constrangido para fazer uma cassação, num contexto ainda de marcas (desgaste do país) após o processo de impeachment da Dilma. Esse custo (que pesava contra a cassação) agora se reduziu", reforçou.
Segundo Sydney Sanches, "não é improvável que alguém peça vista, porque é um processo muito complexo, de muita importância para o país".