'Os próprios policiais buscavam orientar os manifestantes', diz bolsonarista que participou de invasão em Brasília
Apoiador de Bolsonaro que não quis ser identificado diz que não participou de atos de vandalismo e acusou "infiltrados" por depredação.
Um apoiador do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) que participou da invasão às sedes dos três poderes em 8 de janeiro em Brasília e não foi preso disse à BBC News Brasil que os invasores contaram com a orientação da polícia.
Ele compartilhou com a reportagem um vídeo por meio do aplicativo de mensagens WhatsApp que mostra manifestantes sendo orientados pelos policiais dentro do Congresso Nacional e escreveu:
"Tá aí a prova de que precisa. Tentar apagar esta prova é tentar defender a ditadura comunista que está matando milhares no mundo a fora", disse ele, que diz que não foi preso porque não voltou ao acampamento montado em frente ao Quartel-General do Exército, no Setor Militar Urbano, na capital federal.
Manifestantes presentes no local, mesmo aqueles que não participaram da invasão, também foram presos, caso de Tatiane Marques, de 41 anos e mãe de dois filhos. Um amigo dela falou à BBC News Brasil sobre como ela se radicalizou e acabou presa.
"Nestas imagens lá do Congresso Nacional, onde eu estive, não só mostra como PROVA de que os próprios Policiais do Congresso e Senado buscaram orientavam (sic) os Manifestantes dentro salão", acrescentou.
Em seguida, apagou o vídeo. Questionado sobre por que fez isso, afirmou: "não quero jamais dupla interpretação no que falo. Não quero insinuação tendenciosa que queiram jogar em nós a culpa. Se querem as verdades, então estejam aberto para ouvi-las pq as verdades não irão agradar o sistema e neste instante inocentes estão pagando pelos culpados. Que o mundo saiba disto!".
A alegação de que as forças de segurança ajudaram de alguma forma os manifestantes tem se tornado cada vez mais prevalente como justificativa para a invasão em grupos bolsonaristas em aplicativos como WhatsApp e Telegram.
Em um dos vídeos compartilhados várias vezes, que retrata imagens feitas por um drone de manifestantes subindo a rampa do Congresso, diz a legenda: "Patriotas, viralizem esse vídeo da manifestação feito por um drone. ele mostra toda a movimentação e o que fizeram pra nos incriminar, como a inércia das forças policiais".
Em outro, que mostra um policial da Polícia Militar do Distrito Federal (PM-DF) em cima de um palanque discursando para a multidão antes da invasão, lê-se: "Porque esse vídeo em que o policial estava organizando o pessoal pra ir pra esplanada não esta circulando nos grupos? Essa é mais uma prova de que o povo foi induzido a ir pra lá. Foi por isso que as pessoas acreditaram que a polícia estava do lado dos manifestantes. Compartilhem sem dó".
Em nota divulgada após a invasão, a Polícia do Senado Federal informou que os policiais evitaram o confronto com os manifestantes e efetuaram prisões.
"Nas últimas horas as mídias sociais têm reagido com intensa indignação e repulsa às imagens de policiais do Senado Federal que, durante os atos de vandalismo, aparecem em fotos e vídeos ao lado dos manifestantes golpistas", diz o comunicado.
"Sobre isso, a Polícia do Senado Federal esclarece que tais policiais, em estrito cumprimento de seus deveres legais, adotaram técnicas de negociação com os manifestantes, apoiando-se em conceitos de aproximação, espelhamento e diálogo".
"Por vezes, dada a imprevisibilidade dos ânimos da massa, o policial, sobretudo quando em ambiente confinado como o Plenário, cercado pela multidão e desguarnecido de apoio, deve evitar o confronto, mostrando-se amistoso e empático".
"Outrossim, os policiais em questão também ajudaram a efetivar a prisão de todos os manifestantes que permaneceram no plenário do Senado Federal".
Imagens obtidas pelo programa Fantástico, da TV Globo, a partir de câmeras acopladas nos uniformes dos policiais legislativos mostram os agentes enfrentando os apoiadores de Bolsonaro no Congresso Nacional.
Além disso, segundo o Fantástico, "depois de alertado pelo Serviço de Inteligência de que havia risco de invasão, o diretor de Polícia do Senado entrou duas vezes em contato com a Secretaria de Segurança do Distrito Federal pedindo reforço policial - no sábado (7) e no próprio domingo -, mas o reforço foi negado nas duas vezes."
A BBC News Brasil entrou em contato com a PM-DF sobre as alegações do manifestante e não recebeu resposta até a conclusão desta reportagem.
'Omissão e conivência'
Nos dias seguintes à invasão, vídeos circulando nas redes sociais já indicavam omissão e conivência de forças de segurança com a chegada de manifestantes à Praça dos Três Poderes e às sedes dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
E, na quinta-feira (12/01), em café da manhã com jornalistas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), afirmou haver "indícios" de que houve conivência de policiais e militares com os apoiadores de Bolsonaro.
"Quero dizer para vocês que eu ainda não conversei com as pessoas a respeito disso. Eu estou esperando a poeira baixar. Eu quero ver todas as fitas que foram gravadas dentro da Suprema Corte, dentro da Câmara e dentro do Palácio do Planalto. Teve muita gente conivente. É importante dizer que teve muita gente da Polícia Militar conivente, teve muita gente das Forças Armadas, aqui dentro, conivente", disse Lula.
"Eu estou convencido de que a porta do Palácio do Planalto foi aberta para que gente entrasse, porque não tem porta quebrada na porta de entrada. Ou seja, significa que alguém facilitou a entrada deles aqui. E nós vamos com muita calma investigar e ver o que aconteceu de verdade", acrescentou.
Na segunda-feira anterior (9/1), Lula já tinha acusado a Polícia Militar do Distrito Federal e a Polícia do Exército, que atua na guarda presidencial, de terem sido negligentes ao não impedir a depredação das sedes dos três poderes. Na ocasião, criticou a omissão das Forças Armadas ao permitir a permanência dos acampamentos de extremistas radicais em frente a quartéis em todo o país.
"As pessoas estão livremente reivindicando golpe na frente dos quartéis. Nenhum general se moveu para dizer: 'não pode acontecer isso, é proibido pedir isso, não vamos fazer isso'. Dava impressão de que tinha gente que gostava quando o povo estava clamando golpe. Lá [em São Paulo] tinha barraca, almoço, churrasco, banheiro químico, como aqui em Brasília", disse Lula.
Em entrevista recente à BBC News Brasil, o ex-procurador-geral da República Roberto Gurgel disse que houve "omissão escandalosa" do governo do Distrito Federal durante a invasão. Segundo ele, essa "omissão" sugere que existe uma "conivência" com os invasores, o que justifica a intervenção federal na segurança pública do DF, decretada no fim da tarde de domingo por Lula.
No mesmo dia, o ministro do STF Alexandre de Moraes afastou temporariamente por 90 dias o governador do DF, Ibaneis Rocha (MDB). Também decretou a prisão preventiva de Anderson Torres, ex-secretário de Segurança Pública do DF, e do coronel Fábio Vieira, ex-comandante da Polícia Militar do DF.
'Não sou radical'
A BBC News Brasil entrou em contato com esse manifestante inicialmente pelo WhatsApp, logo após a invasão. Seguiu-se à troca de mensagens um breve contato telefônico. A partir daí, a conversa ocorreu por mensagens de texto. Ele foi identificado por meio de panfleto compartilhado nas redes sociais como organizador dos ônibus que levaram apoiadores de Bolsonaro de uma cidade no interior de Minas Gerais a Brasília.
Em um vídeo de 26 minutos compartilhado com a reportagem, ele enumera as razões pelas quais resolveu se manifestar e invadir as sedes dos três poderes. Inicialmente, concordou em ter sua identidade revelada nesta reportagem, mas depois voltou atrás. Justificou-se dizendo que, após consulta com seu advogado, foi "orientado a preservar a imagem porque estão promovendo verdadeira caça às bruxas, crucificando inocentes para preservar culpados e a verdadeira história".
Argumentando ser preciso separar o "joio do trigo", em alusão àqueles que cometeram atos de vandalismo, o apoiador de Bolsonaro diz que não é "radical" e que é "totalmente contrário a qualquer ato criminoso, subversivo ou ilegal".
"Defendo a pauta da liberdade de expressão, da defesa da Constituição e da garantia dos votos impresso (sic), sendo este último como uma garantia material do voto", afirma.
"Não compactuo com atos antidemocráticos, vandalismo e instituições públicas ou privadas, agressões de qualquer natureza e violação de direitos humanos. Não compactuo com grupos extremistas sindicais, movimentos de invasão para os mais intervencionistas, radicais ou qualquer outro extremo que extrapole os direitos. Não concordei, não compactuei, não participei e não promovi qualquer ato que venha corroborar com os atos absurdos que ocorreram em Brasília", completa.
'Pátria e família'
Ele se descreve como militante de direita "há anos", "formador de opinião" e defensor de pautas ligadas "à Pátria e Família".
"Como militante, ativista de direita e defensor da democracia e na defesa dos princípios ao qual defendo, sou voluntário para ajudar as autoridades no que for possível para a verdade dos fatos e mostrar para toda a sociedade do país que valores como estes não e jamais representaram a direita conservadora a qual fazemos parte, jamais", diz.
À BBC News Brasil, o manifestante insiste que os atos de vandalismo foram promovidos por "infiltrados", argumento compartilhado por outros apoiadores de Bolsonaro nas redes sociais, mas, por ora, desprovido de qualquer evidência.
"Se querem mesmo saber quem estava por trás, é só investigar e pegar estes "infiltrados" pq é aí que vai aparecer nomes e o verdadeiro esquema montado para este dia 8. Mas será que querem mesmo desvendar? No nosso meio, se um aparecesse com estes KIT de combate e de vestimenta, nem no ônibus entraria. É fato! Não compactuamos jamais", afirma.
'Fiz tudo o que estava no meu alcance'
Questionado pela BBC News Brasil sobre por que decidiu entrar nos edifícios públicos, uma área restrita, ele disse que tentou pedir às pessoas que fossem ao gramado, mas "não adiantava".
"Estávamos em uma manifestação pacífica e ordeira. Claro que tínhamos algumas exaltados e revoltados, mas nada que saísse da normalidade. (…) Do nada, quando vejo, já estavam todos correndo em direção ao Congresso Nacional e daí em diante só quem esteve presente para saber expressar melhor os fatos.", relembra.
"Minha entrada no Congresso se deu bem após a invasão pela porta principal, devidamente aberta (…) quando cheguei lá tinha policiais conversando, pedindo, orientando, tentando acalmar as coisas".
"E a porta aberta, o pessoal entrando normal. Isso é normal até pra mim; foi aberto por eles para poder evitar depredação", diz.
"Foi neste momento que decidi entrar para ajudar e conter vandalismo e me colocar à disposição dos policiais", completa.
Segundo o manifestante, os agentes de segurança davam orientações e pediam para que as pessoas não promovessem vandalismo. Ele diz que procurou "fazer tudo o que estava ao meu alcance para proteger aquela casa".
"Minha ida lá dentro só se deu por este motivo e tive a grata satisfação de ter ajudado muitos no momento de maior crise. Até que percebi que as coisas estavam perdendo o controle, com a quebradeira sendo promovida por pessoas estranhas ao movimento de direita".
Segundo ele, "foi neste momento que percebi os fatos de forma mais clara, vendo diversas pessoas mascaradas com touca ninja, máscara de gás, roupas pretas, um perfil idêntico, os militantes de esquerda estilo black blocs, MST, literalmente quebrando tudo".
Não há até o momento qualquer evidência de que "militantes de esquerda" tenham participado dos atos de depredação às sedes dos três poderes.
Na prática, apoiadores de Bolsonaro, como a influencer de direita Ana Priscila Azevedo, presa na semana passada pela Polícia Federal (PF) como organizadora dos atos descritos como "terroristas" pelas autoridades, postaram em suas redes sociais vídeos de dentro do Congresso incitando a multidão.
E até mesmo pessoas que nada tinham a ver com a invasão foram acusadas de serem "infiltrados", caso do ativista negro Raull Santiago.
Apesar disso, o manifestante repete que "as verdades não agradam o atual governo porque tudo foi meticulosamente planejado para ocorrer após dia 31/12".
"Precisavam que houvesse um Capitólio Brasileiro", acrescenta, em alusão à invasão do Congresso dos Estados Unidos em janeiro de 2020 por apoiadores do republicano Donald Trump, após sua derrota.
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64267386